Seguimos a cartilha do que não fazer na área fiscal?

A frustração que acompanha esse pacote não está apenas no conteúdo das medidas, mas no contexto em que elas foram anunciadas e na sequência de erros políticos e fiscais ao longo do ano

Luiz Fernando Figueiredo

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A situação fiscal do Brasil assemelha-se a um vaso antigo: rachado, com manchas e imperfeições, mas que ainda permanecia de pé. Ele precisava de uma reforma cuidadosa, mas o pacote de ajuste fiscal apresentado pelo governo esta semana fez esse vaso despencar no chão, transformando rachaduras em estilhaços. A frustração que acompanha esse pacote não está apenas no conteúdo das medidas, mas no contexto em que elas foram anunciadas e na sequência de erros políticos e fiscais ao longo do ano.

O governo teve uma oportunidade valiosa para corrigir sua trajetória. O pacote prometia um ajuste de R$ 70 bilhões, com foco na solução de problemas estruturais das finanças públicas. Esse valor, se bem implementado, poderia aliviar as pressões sobre o mercado, melhorar a percepção de risco do país e dar fôlego ao arcabouço fiscal. No entanto, a execução foi marcada por atrasos, inconsistências e, principalmente, pela inclusão de um elemento que comprometeu boa parte do potencial das medidas: a proposta de reforma do Imposto de Renda para pessoas físicas, que tende a neutralizar grande parte dos possíveis ganhos fiscais.

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Se o mesmo pacote tivesse sido apresentado em outubro ou início de novembro, sem adiamentos e sem a proposta de reforma tributária acoplada, a reação do mercado seria completamente diferente. Contudo, os sucessivos adiamentos desgastaram a confiança, pressionaram o câmbio e ampliaram a abertura da curva de juros, prejudicando ainda mais a economia real. Quando finalmente veio o anúncio, o governo transmitiu uma mensagem de fragilidade e improvisação, e o mercado logo percebeu que o impacto fiscal estimado estava superestimado, com uma frustração de pelo menos R$ 20 bilhões em relação ao valor anunciado.

Além disso, a introdução da possível reforma do Imposto de Renda enfraquece ainda mais o ajuste pretendido. Essa reforma, ao invés de contribuir para um resultado fiscal melhor, possui potencial para reduzir receitas no médio prazo, anulando parte dos cortes de despesas e mantendo a trajetória fiscal desequilibrada. Essa combinação de problemas deixou evidente que o pacote, embora necessário, foi mal planejado e executado.

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Este deveria ter sido um ano excepcional para a política fiscal brasileira. A arrecadação federal atingiu níveis recordes, impulsionada por novas medidas tributárias, como a reoneração de combustíveis e a tributação de plataformas digitais. A resiliência da economia, mesmo sob os efeitos de uma política monetária restritiva, também contribuiu, especialmente por meio do crescimento da massa salarial. Até a depreciação cambial desempenhou um papel relevante, já que o dólar elevado sustentou a arrecadação de impostos sobre importações, mesmo com preços mais altos.

Esse conjunto de fatores deveria ter resultado em um superávit fiscal significativo. Contudo, a explosão de despesas obrigatórias reverteu esse cenário promissor. Benefícios previdenciários, auxílios sociais temporários, créditos extraordinários e o aumento de gastos com o funcionalismo público absorveram toda a receita adicional. Além disso, as emendas parlamentares inflaram ainda mais os gastos. Em vez de um superávit histórico, o Brasil caminha para encerrar o ano com um déficit estimado em R$ 60 bilhões, demonstrando como a falta de controle sobre despesas comprometeu um período que poderia ter sido marcante para as finanças públicas.

A maior decepção com o pacote fiscal reside no fato de que ele não aborda os problemas estruturais das contas públicas de maneira significativa. A expansão descontrolada das despesas obrigatórias permanece como o principal motor do desequilíbrio fiscal. Sem reformas profundas em áreas como previdência, folha de pagamento do funcionalismo, benefícios sociais e repasses parlamentares, qualquer ajuste será apenas superficial.

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Além disso, o governo parece não compreender completamente o impacto dessa falta de credibilidade fiscal no custo de financiamento do país. Atualmente, o Brasil paga taxas reais de inflação mais 6,8% ao ano em títulos públicos de longo prazo, uma realidade impensável para países considerados bons pagadores. Essa falta de disciplina fiscal é um dos principais fatores que mantêm esses custos elevados, drenando recursos que poderiam ser utilizados em investimentos sociais e econômicos mais produtivos.

Para retomar a confiança do mercado e estabelecer uma trajetória sustentável para as contas públicas, seria essencial um comprometimento real com ajustes fiscais significativos. A economia precisa de um esforço ambicioso para reduzir o déficit, aliado a reformas estruturais que enfrentem a raiz do crescimento descontrolado das despesas obrigatórias. Além disso, é imperativo evitar promessas de renúncias fiscais que contradigam o discurso de austeridade, como a proposta de reforma do Imposto de Renda apresentada em conjunto com o pacote.

O cenário fiscal brasileiro continua a se deteriorar, e o pacote de ajustes anunciado não trouxe a redenção esperada. O governo perdeu uma oportunidade crucial para recuperar sua credibilidade, aliviar as pressões sobre a curva de juros e criar condições para um crescimento econômico mais equilibrado e sustentável. Se as finanças públicas não forem tratadas com a seriedade que exigem, o Brasil estará cada vez mais próximo de uma crise fiscal severa, com consequências inevitáveis como maior inflação, juros elevados e uma economia estagnada. Isso prejudicará não apenas o crescimento econômico, mas também as perspectivas de melhora nas condições de vida da população, sobretudo dos mais vulneráveis.

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Luiz Fernando Figueiredo é presidente do Conselho de Administração da JiveMauá

Este artigo tem a co-autoria de Italo Faviano, economista da Buysidebrasil

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Luiz Fernando Figueiredo

Presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá. Com passagens pelo JP Morgan e BBA, foi diretor do Banco Central. Em 2005 fundou a Mauá Capital, após a cisão da Gávea Investimentos. É economista e fundador do Instituto FEFIG.