Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: o dilema do mercado frente à economia americana

Recessão ou 'pouso suave'? Meio termo entre o pânico e o otimismo pode nos levar a um caminho mais seguro

Luiz Fernando Figueiredo

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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A recuperação da economia global estava a todo vapor em 2022, com indicadores macroeconômicos alcançando — e até superando — os níveis pré-pandemia. Parecia que tudo estava voltando ao normal, mas com uma intensidade surpreendente. Nessa época, o Federal Reserve (o banco central americano) já demonstrava preocupação em evitar uma desaceleração forçada que pudesse levar os Estados Unidos à recessão. O objetivo era um “pouso suave” (soft landing), equilibrando a inflação próxima à meta com um mercado de trabalho estável.

Desde então, o Fed tem mantido esse foco. A inflação foi a primeira a reagir, enquanto o mercado de trabalho seguiu um caminho inesperado, demonstrando uma resiliência difícil de explicar. A atividade econômica, por sua vez, resistiu aos choques da política monetária como um barco firme em mares agitados. Agora, com o BC americano sinalizando preocupações sobre o mercado de trabalho, a pergunta passa a ser: estamos navegando rumo a uma recessão ou apenas ajustando as velas para um curso mais seguro?

Um caso para a recessão

Vamos começar com os sinais de alerta. A bolsa de valores tem se mantido em níveis elevados, o que sempre gera aquela desconfiança: se subiu tanto, será que não vai cair? As expectativas dos investidores estão cada vez mais altas, esperando resultados cada vez melhores. Uma correção de preços já era esperada e quaisquer resultados trimestrais mais baixos do que o esperado pelos analistas seria motivo para isso.

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Além disso, o mercado de trabalho parecia não estar respondendo ao nível de juros. Se continuamos criando vagas como se estivéssemos em um ambiente de juros baixos, talvez a política monetária não estivesse tão restritiva quanto o Fed esperava. Isso poderia significar que, em algum momento, os efeitos da atividade econômica acabariam se traduzindo em inflação, despertando um problema que parecia estar sob controle.

A demora do Fed em subir os juros mais rapidamente também poderia se tornar um problema. Se a inflação começasse a mostrar os dentes, uma resposta mais agressiva viria a ser necessária, o que só aumentaria o risco de recessão. E não podemos esquecer do efeito riqueza: com os juros subindo, aqueles com dinheiro investido na dívida americana, ou em títulos indexados na taxa básica de juros, se sentem mais ricos, o que reduz a potência da política monetária e intensifica a atividade econômica, no curto prazo.

Ao demonstrar preocupação com o mercado de trabalho, o Fed também levantou suspeitas. Será que eles estão vendo algo que o resto do mercado ainda não teria captado? Se o BC norte-americano está preocupado, talvez existam razões para os investidores começarem a se proteger.

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E, de fato, os últimos dados referentes ao mercado de trabalho americano mostraram arrefecimento. A criação de novas vagas não se mostrou tão forte e indicou um enfraquecimento da economia americana. Se ligarmos os pontos, o Fed estaria antevendo uma recessão e se preparando para anunciar cortes de juros.

Um caso para o ‘pouso suave’

Por outro lado, há razões para acreditar que o pânico do mercado pode ser exagerado. Até agora, a inflação não parece ter acordado com os aumentos de atividade econômica. Talvez o Fed tenha encontrado o equilíbrio certo, onde a economia pode continuar crescendo sem gerar uma inflação descontrolada. Nesse caso, o banco central teria tempo e espaço de atuação até que os efeitos do mercado de trabalho fossem passados para os preços do núcleo da cesta de consumo dos americanos e a atividade econômica se estabilizasse.

Além disso, a inflação respondeu melhor ao nível de juros do que muitos esperavam. Isso significa que a política monetária pode estar funcionando como planejado, sem a necessidade de ajustes drásticos. E, embora o mercado de trabalho ainda esteja forte, há sinais de desaceleração em alguns dados, indicando que talvez o pior já tenha passado. De qualquer forma, são poucos os dados que confirmam a desaceleração e não há “forward guidance” indicando corte de juros iminente, apesar da disposição dos dirigentes.

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Indicadores como o ISM de serviços também sugerem que a economia não está despencando. A atividade continua robusta, mas em direção à estabilização, e o que vemos agora pode ser apenas uma correção necessária — não o início de uma crise, como está sendo precificado.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

Então, onde isso nos deixa? A realidade é que ainda estamos navegando em águas desconhecidas. O Fed precisa de mais informações antes de adotar uma postura definitiva. Enquanto isso, o mercado pode estar superestimando a volatilidade da economia americana.

Se a economia der sinais mais claros de fraqueza, o BC dos EUA tem espaço para começar um ciclo de corte de juros, o que poderia dar um alívio ao mercado. Além disso, a bolsa americana precisava de uma correção nos preços. As valorizações constantes não poderiam continuar indefinidamente, e a queda recente pode ser mais um ajuste saudável do que um sinal de pânico.

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O mercado financeiro global parece ter se adiantado nas suas preocupações. Ainda é cedo para decretar uma recessão nos EUA. O Fed, com sua postura cuidadosa, ainda tem cartas na manga. Em tempos como esses, talvez o melhor seja lembrar da velha máxima: “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Um meio termo entre o pânico e o otimismo pode ser o que nos levará a um caminho mais seguro.

Luiz Fernando Figueiredo é presidente do Conselho de Administração da JiveMauá

Este artigo tem Italo Faviano, economista da BuysideBrasil, como co-autor

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Luiz Fernando Figueiredo

Presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá. Com passagens pelo JP Morgan e BBA, foi diretor do Banco Central. Em 2005 fundou a Mauá Capital, após a cisão da Gávea Investimentos. É economista e fundador do Instituto FEFIG.