Efeito Trump na economia do Brasil: O quanto dependemos de nossas próprias decisões?

A resistência inicial do real e da curva de juros brasileira, mesmo após a vitória de Trump, sugere que o cenário fiscal brasileiro está entre os principais determinantes do comportamento dos ativos locais

Luiz Fernando Figueiredo

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Em 2024, o Trump Trade reapareceu com força: o mercado global montou posições para se antecipar aos impactos de uma possível vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos. Para quem ainda não está familiarizado com o termo, o “Trump Trade” refere-se ao conjunto de decisões financeiras que refletem as expectativas dos investidores frente à presidência de Trump. Esse movimento se baseia em sua trajetória política, nas promessas feitas durante a campanha e nas implicações de políticas mais conservadoras que afetam, principalmente, o comércio exterior e a política fiscal americana.

Dado o histórico de Trump e os sinais de que ele poderia repetir sua postura rígida em relação a tarifas de importação e ao recuo da globalização, os mercados reagiram com o fortalecimento do dólar e com a expectativa de uma queda menor dos juros nos EUA. Porém, o efeito desse novo “Trump Trade” sobre o Brasil foi, no curto prazo, bem peculiar, refletindo um cenário doméstico cheio de riscos fiscais e monetários e um quadro incerto para o ajuste fiscal.

Com as eleições americanas se aproximando, o mercado monitorava de perto as mudanças nas probabilidades de vitória de Trump. Houve uma dança das cadeiras no campo democrático, marcada pela desistência de Joe Biden e a nomeação de Kamala Harris como a nova candidata. As probabilidades oscilaram em várias direções: em um momento, Trump liderava; em outro, Harris retomava o favoritismo. Para complicar, Trump enfrentou um atentado, e sua recuperação inicial trouxe um novo impulso à sua campanha.

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Essas idas e vindas geraram volatilidade na curva de juros dos EUA e no índice DXY, que mede a força do dólar frente a outras moedas importantes. Cada movimento da corrida eleitoral parecia pressionar os mercados globais, especialmente os de países emergentes. Com as crescentes expectativas de um possível governo Trump, o mercado global adotou uma postura de fortalecimento do dólar e, por consequência, um movimento de “risk-off”, onde investidores priorizam ativos mais seguros, como o próprio dólar americano, em detrimento de ativos emergentes.

Após a confirmação da vitória de Trump, o esperado não tardou a acontecer: no dia seguinte à contagem de votos, observou-se uma alta do dólar, frente a maior parte das moedas do mundo, e elevação das taxas de juros nos EUA. O mercado acionário americano também reagiu positivamente, com um fortalecimento generalizado dos índices, refletindo o otimismo quanto a uma política econômica que manteria cortes de impostos e elevação dos gastos públicos.

E o Brasil?

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Para o Brasil, porém, o cenário se desenvolveu de forma inversa. Em vez de o real depreciar com o “Trump Trade”, como se esperava, houve uma ligeira apreciação da moeda brasileira, enquanto a curva de juros local permaneceu estável. Esse movimento destacou a importância do contexto fiscal doméstico brasileiro: enquanto o mundo sofria com o fortalecimento da economia americana e o aumento das incertezas globais, o Brasil começava a ajustar expectativas em torno das medidas de cortes de gastos, sinalizadas pela equipe econômica do governo Lula.

A resistência inicial do real e da curva de juros brasileira, mesmo após a vitória de Trump, sugere que o cenário fiscal brasileiro está entre os principais determinantes do comportamento dos ativos locais. Com a expectativa de um ajuste fiscal e a possível implementação de cortes estruturais, o mercado doméstico tem mostrado maior resiliência. Entretanto, isso também sinaliza um alerta: a deterioração fiscal continua a ser um risco elevado, especialmente se o governo não for capaz de entregar as reformas necessárias e atender às expectativas criadas.

Esse contexto é agravado pelo chamado prêmio de risco, que vem crescendo devido à dificuldade do governo em cumprir as regras do novo arcabouço fiscal. Embora a resistência do real tenha sido um reflexo de uma expectativa positiva quanto aos ajustes, a contínua pressão por um ajuste estrutural das despesas obrigatórias ainda paira como uma sombra sobre a economia brasileira.

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Ao longo do ano, a situação não foi positiva para o Brasil. Sua moeda já enfrenta uma depreciação considerável, posicionando o Real brasileiro como a moeda emergente que mais perdeu valor em 2024. Caso o ajuste não se concretize, há o risco de uma nova onda de incerteza e de uma piora ainda mais pronunciada dos indicadores econômicos, com consequências diretas para a inflação e o crescimento do país.

A expectativa do retorno de políticas protecionistas, com um Trump fortalecido no controle do Senado e da Câmara, adiciona uma camada de complexidade para economias emergentes como a do Brasil. Espera-se uma ampliação das tarifas de importação sobre produtos chineses e um aumento das sanções sobre países que estejam fora da zona de influência americana. Esse movimento deve fortalecer ainda mais o dólar e encarecer o custo de importações, afetando o Brasil pela redução do preço e do volume das commodities exportadas, onde tanto a China, quanto os EUA têm papel relevante.

Além das tarifas, outro ponto delicado será a promessa de Trump de endurecer as políticas migratórias, o que pode afetar a inflação nos EUA. Com menos trabalhadores imigrantes, há uma expectativa de aumento nos custos dos serviços, uma pressão inflacionária que, eventualmente, poderá elevar o preço dos bens exportados pelos EUA. Isso trará novas ondas de pressões inflacionárias para o Brasil, especialmente, em áreas que dependem da importação de insumos e produtos finais dos EUA e de mercados interconectados.

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Para o Brasil, o quadro de médio e longo prazo dependerá da vontade do governo em promover um ajuste fiscal realista e sustentável. Embora o cenário doméstico tenha mostrado sinais de resiliência frente ao “Trump Trade”, no curto prazo há pouca margem de segurança se as reformas estruturais não forem entregues a tempo.

O risco fiscal está em um momento crucial e poderá intensificar-se em um contexto de dólar forte, inflação global em alta e juros americanos elevados, pressionando a curva de juros e o câmbio brasileiro. Tudo isso tem potencial para pressionar o governo local a adotar uma postura mais firme, na tentativa de solucionar os problemas fiscais e ajustar a estrutura das despesas obrigatórias, que crescem mais rápido do que a inflação e a arrecadação.

O futuro da economia brasileira está, então, em um ponto de inflexão: para estabilizar a moeda e reduzir a volatilidade dos ativos, será necessário não apenas anunciar, mas cumprir com as expectativas de corte de gastos. O cenário atual mostra que o “Trump Trade” trouxe novos desafios e reforçou a urgência de que o Brasil ajuste suas contas públicas, não só para enfrentar os impactos diretos das políticas de Trump, mas para fortalecer sua posição em um mundo cada vez mais incerto e protecionista.

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Luiz Fernando Figueiredo é presidente do Conselho de Administração da JiveMauá

Este artigo tem a co-autoria de Italo Faviano, economista da Buysidebrasil

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Luiz Fernando Figueiredo

Presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá. Com passagens pelo JP Morgan e BBA, foi diretor do Banco Central. Em 2005 fundou a Mauá Capital, após a cisão da Gávea Investimentos. É economista e fundador do Instituto FEFIG.