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Caros(as) leitores(as),
Enquanto as demais economias do mundo estão em processo de “afrouxamento monetário”, ou seja, de redução de suas taxas básicas de juros, o Brasil segue no contrafluxo e eleva a taxa Selic. Naturalmente, a renda fixa passa a ficar mais atraente, num primeiro momento.
Os “juros nominais”, como falam no jargão de mercado, fazem um efeito maquiagem que poucos percebem. Neste espaço de hoje, eu pretendo desmascarar isso para vocês.
O dilema do “prejuízo isento”
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Trabalhei durante um punhado de anos com investidores individuais pessoas físicas e, independentemente do volume patrimonial, o termo “isento de imposto de renda” possui um super encantamento. Dada a carga tributária do nosso país, é óbvia a demanda da “fuga” de tributos.
Porém, essas cinco palavras parecem desligar o neocórtex humano, nos tornamos incapazes de raciocinar, de fazer contas e, muitas vezes, balizamos nossa decisão de investimento apenas nessa informação. Os juros mais altos proporcionam rentabilidades mais elevadas em boa parte dos ativos de renda fixa, seja aqueles que acompanham a Selic, ou aqueles atrelados à inflação.
Os brasileiros e brasileiras possuem uma veia cultural que pulsa “rentismo”, o desejo de quase todo eleitor é adquirir algum investimento de renda fixa que remunere no mínimo 1% ao mês. Muitas vezes, parece que dormimos e acordamos com esse objetivo em mente.
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Os ativos isentos ou incentivados, nesse momento de Selic “mais recheada”, ficam ainda mais interessantes. Já imaginou: 1% ao mês sem IR? Que maravilha!
Contudo, esse “recheio” esconde aquilo que está magro, inexistente e, em muitos casos, já negativo: o spread de crédito. “Colla, que bicho é esse?”
Todo título privado deveria te remunerar mais do que um público. Oras, se eu sou uma empresa, independentemente de qual eu seja, e quero convencer alguém a emprestar dinheiro para mim, deveria oferecer uma remuneração maior do que o Tesouro Direto, certo?
Do contrário, você provavelmente não toparia me emprestar o dinheiro e decidiria transferir para o Tesouro Nacional. Meio óbvio, não é?
Nós chamamos isso de “prêmio de risco”. Nada mais é do que a remuneração do investidor por aceitar um nível mais elevado de risco. No entanto, em alguns momentos, especialmente onde os juros geram essa “maquiagem” quando estão elevados, muitos investidores optam por ativos de crédito incentivados que possuem uma remuneração isenta de imposto de renda.
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Quando você começa a fazer contas, por causa do IR, parece fazer mais sentido investir num título isento. Bom, já que as taxas estão extremamente elevadas dada a conjuntura econômica brasileira, você encontra papéis que pagam algo como IPCA + 7%, sem precisar dividir com o governo.
Os fundos de investimento que são dedicados a esses mercados, sejam eles “hedgeados” (que “trocam” de IPCA+ para CDI+) ou não, também apresentam resultados muito interessantes na janela curta (12 meses) e passam a se tornar os queridinhos das famílias brasileiras. “Tá, Colla, mas e o bendito spread? Você não falou dele até agora!”
Ah, verdade! Bom, como absolutamente tudo na vida, a lei da oferta e demanda é lógica. Dada a atratividade aparente desses mercados, muitos investidores buscam esses ativos e aplicam suas poupanças neles.
Com esse aumento cavalar de demanda, que se repete mês após mês, os “spreads”, ou seja, a remuneração para te convencer de que esses títulos privados são melhores do que o Tesouro, ficam cada vez mais magros e menores. Em alguns casos, especialmente em infraestrutura, o spread já é negativo, algo como -0,7%.
“Mas como assim negativo, Collazo?”
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Se você comparar o título público com mesmo vencimento (duration) deste papel de crédito privado, a taxa dele é nominalmente menor. Ao invés de você receber um prêmio para “correr mais risco”, você paga um pênalti.
O que você agora, provavelmente assustado, deve estar pesando: “não faz sentido algum”. Pois é, não faz mesmo.
Mas, calma, enquanto esse mercado seguir captando, e deve, dado que tenho aproximadamente 9 leitores nessa coluna, os spreads vão seguir comprimindo, e isso valoriza os papéis que já foram adquiridos em outras taxas (outro dia explico essa dinâmica). Dito isso, as cotas dos fundos de crédito vão seguir bonitas, as empresas vão continuar “rodando” suas dívidas – já que “prêmios” menores são interessantes para elas, que podem baratear seu custo de capital dessa forma.
Algum belo dia, esse fluxo pode inverter, como já aconteceu no passado. Esses “spreads” vão voltar a “abrir” e esses papéis adquiridos com taxas mais baixas devem se desvalorizar. Como será esse movimento e quando? Eu não faço a menor ideia – se tivesse que chutar: enquanto o Banco Central continuar com o ciclo de alta de juros, isso não deve ocorrer, e, talvez, a magnitude do movimento seja maior ou pior.
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Ainda existem oportunidades no mercado de crédito, não há motivo para alarme. Gestores diligentes e com seus passivos alinhados com os ativos, ou seja, com tempo de resgate mais estendido, devem ser menos impactados na margem e vão fazer um trabalho para se proteger.
Mas tomem cuidado, caros(as) 9 leitores(as), a maquiagem dos juros pode fazer com que vocês acordem com um “prejuízo isento” na carteira.