O que querem dizer as más companhias

Por que a família Bolsonaro cultiva uma estranha e altamente preocupante proximidade com criminosos

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*por Ricardo Rangel

Na semana passada, descobriu-se que o assassino de Marielle Franco, o ex-PM Ronnie Lessa, é vizinho do presidente Bolsonaro — o que, afinal, não quer dizer nada, ninguém escolhe vizinho.

Descobriu-se que o filho de Bolsonaro namorou a filha de Lessa — não quer dizer nada, namoro entre vizinhos é comum.

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Lessa pertencia a uma quadrilha de matadores de aluguel cujo homem-forte era o ex-PM e miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega. Em 2003, Flávio Bolsonaro homenageou Adriano na ALERJ — não quer dizer nada, Adriano tinha ficha limpa.

Em 2004, Adriano foi preso por assassinato. Flávio lhe concedeu a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria do parlamento fluminense — não quer dizer nada, talvez Flávio acreditasse na inocência de Adriano.

No ano seguinte, quatro dias após Adriano ser condenado a 19 anos de cadeia, Jair Bolsonaro discursou na Câmara pedindo a reversão da condenação — não quer dizer nada, talvez Bolsonaro acreditasse na inocência de Adriano.

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Em 2007, Flávio Bolsonaro nomeou a mulher de Adriano como assessora — não quer dizer nada, Adriano acabou absolvido em segunda instância (problemas formais no processo), e ninguém é responsável pelos atos do cônjuge.

Em 2008, Adriano foi preso temporariamente por tentativa de assassinato. No mesmo ano, Flávio Bolsonaro votou contra a CPI das milícias — não quer dizer nada, porque talvez Flávio acreditasse que, diante do tráfico, as milícias eram um mal menor.

Ainda em 2008, Jair Bolsonaro discursou na Câmara criticando CPI das Milícias — não quer dizer nada, porque talvez Bolsonaro acreditasse que, diante do tráfico, as milícias eram um mal menor.

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Em 2011, a juíza Patrícia Acioli foi assassinada por milicianos. “Que Deus tenha essa juíza, mas a forma absurda e gratuita com que ela humilhava policiais nas sessões contribuiu para ter muitos inimigos”, tuitou Flávio — não quer dizer nada, discordar da conduta da juíza não significa concordar com seu assassinato.

Ainda em 2011, Adriano foi novamente preso pela tentativa de assassinato de 2008 (no ano seguinte, o processo seria arquivado porque as testemunhas se retrataram ou sumiram). Em 2014, depois de cinco anos de processo disciplinar, Adriano foi expulso da corporação por atuar como segurança da máfia dos caça-níqueis.

No mesmo ano, Flávio foi o único deputado a votar contra a CPI para investigar autos de resistência, e comentou “vejam como está a cabeça do policial hoje, preocupando-se mais com o Judiciário, com o juiz” — não quer dizer nada, porque Flávio poderia crer que os PMs estivessem sendo perseguidos pelo juízes.

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Em 2016, Flávio nomeou a mãe de Adriano como assessora — não quer dizer nada, ninguém é responsável pelos atos do cônjuge.

Adriano Magalhães da Nóbrega foi apresentado a Flávio Bolsonaro no início dos anos 2000 por Fabrício Queiroz, ex-PM, amigo íntimo da família Bolsonaro há mais de 30 anos. No ano passado, Queiroz tornou-se suspeito de desviar dinheiro por meio de “rachadinha” (foi quando a mãe e a filha de Adriano foram dispensadas).

Para esconder-se do MP, Queiroz refugiou-se na favela Rio das Pedras, controlada pela milícia. Este ano, confessou ter desviado o dinheiro. Mas nada disso quer dizer nada, porque Flávio pode ter sido ludibriado pelo assessor.

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Quando se descobriu que Queiroz depositou 24 mil reais na conta da primeira-dama, Bolsonaro explicou que se tratava de parte do pagamento de uma dívida — é curioso que alguém que movimenta 1,2 milhão precise de um empréstimo de 40 mil, mas não quer dizer nada, porque o empréstimo pode ter ocorrido mesmo. Flávio recebeu 48 depósitos de 2 mil reais em dinheiro — não quer dizer nada porque Flávio tem uma loja de chocolates.

Nada quer dizer nada, mas tudo junto quer dizer alguma coisa.

Quer dizer, no mínimo, que a família Bolsonaro cultiva uma estranha e altamente preocupante proximidade com criminosos.

Que Bolsonaro não fica bem no figurino de paladino na luta contra o crime.

Que Moro e os militares ficam numa saia justa.

Que o presidente fica mais fraco para aprovar os pacotes de Guedes e Moro.

Que fica difícil governar quando tanto se fala da vida pessoal do presidente.

*Ricardo Rangel é administrador de empresas, foi diretor da Icatu Holding e sócio-diretor da Conspiração Filmes. É colaborador do Jornal O Globo e autor dos livros “Passado e Futuro da Era da Informação” e “Uma Nação sem Noção”. Foi candidato a deputado federal pelo Partido Novo/RJ em 2018 e é associado do Livres