Tributação de igrejas: 4 razões de por que esta é uma péssima ideia

A Constituição brasileira é péssima em termos econômicos, mas a imunidade de templos é uma das suas virtudes. Brincar com esse assunto pode agradar a alta intelectualidade e parte da mídia, mas desagrada a maioria da população.

Alexandre Pacheco

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No ano passado, após as eleições, a mídia publicou notícias de que o hoje Ministro da Economia, Paulo Guedes, e o hoje Secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, estariam cogitando a recriação da CPMF – veja aqui e aqui.

Publiquei, neste Portal InfoMoney, textos tratando do que poderia ser uma nova CPMF, com base nessas declarações e nas poucas informações de que dispúnhamos então – veja aqui e aqui.

O Presidente Jair Bolsonaro, no entanto, reagiu muito mal às especulações na imprensa e desautorizou a criação de uma nova CPMF. A ideia aparentava estar enterrada, até que hoje, 29/04/2019, fomos surpreendidos com uma entrevista dada ao jornal Folha de São Paulo pelo Marcos Cintra, na qual o Secretário defende um tributo sobre pagamentos que, no seu dizer, não seria uma nova CPMF, mas que teria algumas características daquele tributo extinto.

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No entanto, o título da entrevista, dado na cabeça da primeira página do jornal, acabou dando destaque a apenas uma das questões discutidas com o Secretário. Este foi o título: “Igreja deve pagar tributo novo, diz chefe da Receita”. No subtítulo, constou: “Marcos Cintra defende contribuição universal, que envolva até contrabando”.

Diante desse título e subtítulos explosivos, que até mesmo colocam igrejas e contrabando no mesmo balaio de gatos, logo pela manhã o Presidente Bolsonaro desautorizou o Secretário usando o seu perfil no Twitter, com estes termos:

marcos_cintra_bolsonaro

A frase “Nenhum novo imposto será criado” não permite dupla interpretação. A não ser que o Presidente mude radicalmente de ideia, a nova Contribuição sobre Pagamentos proposta na entrevista de hoje por Marcos Cintra não sairá do papel – ou do jornal, no caso.

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O vídeo é mais forte, e tem a ver com a capa do jornal. Eis a transcrição do seu conteúdo:

“Bom dia a todos!

Fui surpreendido nesta manhã com a declaração do nosso secretário da Receita de que seria criado um novo imposto para as igrejas.

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Quero me dirigir a todos vocês, dizendo que essa informação não procede. Em nosso governo nenhum novo imposto será criado, em especial contra as igrejas, que além de terem um excelente trabalho social prestado a toda a comunidade reclamam eles, em parte com razão ao meu entendimento, que há uma bitributação nessa área.

Então, bem claro: não haverá novo imposto para as igrejas. Um bom dia a todos e fiquem com Deus.”

Há dúvidas sobre o que foi dito na entrevista e sobre o trecho entre aspas que consta na capa do jornal, que é este: “a base da CP [Contribuição Previdenciária sobre pagamentos] é universal, todo mundo vai pagar, igreja, economia informal, até contrabando”. Esse trecho não consta desse modo na entrevista transcrita pelo jornal, apesar de estar entre aspas na capa. Parece ser resultado de edição de partes da entrevista juntadas em um só parágrafo.

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Mas não vou entrar na polêmica sobre o que de fato foi dito pelo Secretário, pois isso é assunto para apuração jornalística – e eu não sou jornalista. Vou tratar da tributação de igrejas e de templos de qualquer culto, que foi destacada na capa do jornal, e que gerou o ruído no Governo que vimos hoje.

Há anos vem crescendo na classe falante – mais precisamente nos meios intelectuais, na grande mídia e na classe política – a defesa da tributação dos templos de qualquer culto. Esses meios concentram grande parte do ativismo anti-religioso no mundo todo, e no Brasil isso não é diferente. Somente intelectuais, acadêmicos e políticos vocalizados pela grande mídia é que fazem a defesa aberta desse tema. Na Sociedade em geral, isso não nem se discute, por ser um tema absurdo para a maioria da população.

As ideias antirreligiosas estão limitadas a um universo de apenas 8% da população brasileira, que se declara como “sem religião”. Em contraste, 92% dos brasileiros, que não têm voz nenhuma na imprensa, têm alguma religião, sendo que 65% são católicos, 22% são evangélicos e 5% pertencem a outras religiões.

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Esses números dão a ideia do porquê desse debate da tributação dos templos estar restrito a um grupo muito pequeno, porém barulhento, de parcelas da Sociedade que fazem ativismo e militância antirreligiosa. As pessoas comuns, na sua grande maioria, ou não defende isso ou ainda não entendeu a gravidade disso, mas é capaz de entender com poucas palavras.

A Constituição assegura imunidade tributária não somente para templos de qualquer culto, mas também para partidos políticos e sindicatos. Mas vemos que o fetiche da classe falante é apenas a tributação dos templos. Nada estranha que, nessa entrevista mesma da Folha de São Paulo, o jornalista nada tenha perguntado a respeito de partidos políticos e sindicatos, que são associações civis do mesmo modo que os templos o são.

Vamos, então, elevar as discussões sobre a imunidade de tributação de templos religiosos para o plano das suas finalidades – ou seja, vamos tratar do porquê de constar na Constituição essa garantia, que o Secretário Marcos Cintra manifestou interesse em afastar.

Sem tratarmos das propriamente questões jurídicas, vemos que, no plano da justificação racional para a não-tributação de templos do modo como consta na Constituição, há estes conceitos envolvidos:

– um conceito econômico: templos não geram riqueza, nem distribuem renda; tributos incidem sobre riquezas ganhas, acumuladas ou gastas; doações religiosas são integralmente reinvestidas nos cultos, não se enquadrando em nenhum desses conceitos, de forma que a tributação de templos é anti-econômica.

– um conceito racional: não faz sentido tributar templos, que essencialmente vivem de doações; essas doações têm como origem rendas que já foram tributadas pelos doadores; por exemplo, o trabalhador aufere salários e paga imposto de renda; do saldo, alimenta-se, consome e poupa; e o que sobra, é por ele doado a igrejas; de forma mais direta dizendo, tributar doações importa em tributar o saldo de rendas que já foram tributadas nos doadores.

– um conceito político: a tributação de templos representaria uma interferência na liberdade religiosa, pois o Estado teria um instrumento jurídico para calibrar os tributos de modo a inviabilizar a prática religiosa; é o que hoje acontece com instituições de saúde e de ensino sem fins lucrativos, que estão sendo inviabilizadas pela tributação elevada, o que contribui para a destruição das Santas Casas e para as dificuldades pelas quais passam, por exemplo, universidades pontifícias e presbiterianas.

– um conceito institucional: os templos são associações livres, que preservam a ligação entre o passado, o presente e o futuro da Sociedade; colaboram portanto para a preservação dos valores humanos em oposição às ideias revolucionárias e totalitárias para as quais tendem os governantes; são uma defesa da Sociedade contra o Estado, e não por outra razão estão sempre em choque com a classe política; é por isso que, quando um ditador toma o poder, suas primeiras medidas envolvem o fechamento das igrejas; e também é por isso que as igrejas, assim como todas as associações livres, não devem ser reguladas pelo Estado.

O Presidente Bolsonaro foi rápido em afastar a ideia da tributação de templos porque ele foi eleito com a defesa consciente da religiosidade com essas bases. Por ter colocado a religiosidade em alto grau de importância política e institucional, ele provocou uma tomada de consciência do seu eleitorado a respeito, e está comprometido com esse discurso. E foi nesse vespeiro que o Marcos Cintra mexeu.

A Constituição brasileira é péssima em termos econômicos, mas a imunidade de templos é uma das suas virtudes. Brincar com esse assunto pode agradar a alta intelectualidade e parte da mídia, mas desagrada a maioria da população, em especial o eleitorado do Presidente Bolsonaro.

No passado, a defesa da imunidade de templos religiosos não tinha repercussão, porque a maioria da população não tinha voz nesse tema. Ao mesmo tempo, a classe política dirigente fugia do debate público, apesar de se movimentar nos bastidores do poder criando hipóteses de tributação de atividades religiosas, de forma a até mesmo contrariar o sentido da Constituição.

O Presidente Bolsonaro mudou isso e agora veio a fazer a defesa aberta da imunidade religiosa. Marcos Cintra não tinha entendido a importância do tema para Bolsonaro até ter dado essa entrevista, em que se deixou levar pelo debate intelectual, tão ao gosto da classe falante. Agora entendeu, mas acho que é tarde demais. Provavelmente esse erro grave não será perdoado.

Alexandre Pacheco é Professor, Palestrante e Consultor de Direito Empresarial e Tributário.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.