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Uma questão técnica da Reforma da Previdência para a qual vem sendo dado pouco destaque na grande mídia e nas redes sociais diz respeito à tributação dos salários de contribuição e das aposentadorias.
Neste curto texto não vamos nos ater a questões jurídicas que serão provavelmente discutidas no Supremo Tribunal Federal. Vamos apenas dar um cenário sobre as opções políticas que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 6/2019 adotou em relação à tributação a cargo dos trabalhadores da iniciativa privada e dos funcionários, aposentados e pensionistas do Poder Público.
Não é novidade que o Governo Federal concedeu aposentadorias e pensões a funcionários públicos em circunstâncias abusivas, transformando em lei, ao longo dos anos, privilégios injustificáveis. Dentre eles, o de pessoas que aproveitaram o “tempo de serviço” da iniciativa privada para se aposentarem como… funcionários públicos… Há, ainda, as piadísticas aposentadorias que passam de pais para filhas, e, também, as ultrajantes aposentadorias pagas com base no último salário, convenientemente “aumentado” no mês imediatamente anterior às aposentadorias…
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O fato dos benefícios do funcionalismo público serem diferentes (obviamente muito melhores) do que os benefícios da iniciativa privada já é um abuso em si. O que justificou historicamente a criação das Repúblicas é a abolição dos privilégios da nobreza, para que todos fossem iguais perante a lei, não fazendo o menor sentido substituir os privilégios de sangue por privilégios concursados ou comissionados, não é?
Para além desses abusos todos, enfim, há uma questão atuarial simples: as contribuições destinadas à Previdência Social não são suficientes para pagar os benefícios dos aposentados e pensionistas da iniciativa privada e do Poder Público.
E se há déficit, ele deve ser equacionado. Se por toda a Sociedade, transferimos para os outros (que estão trabalhando) o ônus de pagar benefícios para alguns (os que não trabalham mais); se concentramos esses ônus para os próprios beneficiários, individualmente, atribuímos ao trabalhador o ônus de pagar pela sua própria aposentadoria (o que somente ocorreria caso o regime de capitalização fosse o único disponível ou se não houvesse previdência pública).
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Aí fica uma questão: como corrigir os privilégios concedidos pelos Governos passados, já que os atuais aposentados e pensionistas têm os chamados “direitos adquiridos”, que são garantidos pela Constituição? Uma solução é parar de corrigir os benefícios dos aposentados e deixar a inflação corroer o seu valor real. Outra solução seria tributar mais pesadamente os benefícios pagos e até mesmo os salários utilizados como base das contribuições, o que tem o efeito de devolver ao Estado o que, em última análise, nunca deveria ter sido pago.
As duas soluções podem levar ao mesmo resultado financeiro, mas obviamente que uma tributação mais pesada pode ter impacto mais rápido nas contas públicas, se a dose for mais forte do que a inflação poderia alcançar. Foi a opção que o Governo Federal adotou com a PEC 6/2019, que pode ser resumida neste quadro:
O texto da PEC mistura genialidade com, digamos, uma forma inusitada, e, ainda, com uma temporária inconveniência, no que diz respeito às contribuições previdenciárias devidas pelos trabalhadores da iniciativa privada e pelos servidores, aposentados e pensionistas do Poder Público:
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– reduz, para os aposentados mais pobres da iniciativa privada, a alíquota inicial da contribuição previdenciária de 8% para 7,5%, o que vai beneficiar mais de 2/3 (dois terços) dos beneficiários do INSS, que recebem 1 (hum) salário-mínimo, que hoje é de R$ 998,00;
– aumenta a tributação dos aposentados da iniciativa privada que recebem benefícios previdenciários mais altos, criando alíquotas nominais que vão de 12% a 14%, sendo que hoje a alíquota nominal máxima é de 11%, o que vai recuperar parte do déficit criado na aposentadoria por tempo de contribuição e na aposentadoria por idade, que hoje são pesadamente deficitárias para os maiores valores de benefícios pagos;
– para os servidores públicos, serão utilizadas as mesmas alíquotas da iniciativa privada até R$ 5.839,46, que é o maior benefício pago pelo INSS para os aposentados do setor privado; até esse valor, a tributação é igual para a iniciativa privada e para os servidores públicos, o que é medida de prudência, para se afastar questionamentos sobre “tratamento tributário discriminatório”; a partir desse valor, criaram-se alíquotas nominais que vão de 14,5% a 22%;
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– a situação dos servidores públicos é particularmente agravada pela PEC, pois, desde 2004, os aposentados e pensionistas pagam uma contribuição de 11% que não é cobrada dos trabalhadores da iniciativa privada; nesse caso, as alíquotas poderão chegar também a 22%.
A genialidade da PEC é reduzir a tributação dos mais pobres, que são os recebedores de benefícios equivalentes a 1 (um) salário-mínimo, o que vai neutralizar a rejeição da Reforma Previdenciária em relação a mais de 20 milhões de pessoas.
O inusitado é incluir na Constituição, por meio da PEC, a ideia de tabelas progressivas de tributos. Isso nunca foi feito no plano da Constituição, por se tratar de matéria tradicionalmente tratada em lei. Mas é um inusitado que não se pode dizer inválido.
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Há, ainda, um inconveniente: as tabelas indicam valores em moeda (em Reais), de forma que somente por outra PEC poderiam ser atualizadas. O atenuante desse inconveniente é que essas tabelas da iniciativa privada e do setor público irão vigorar até que a PEC seja tratada em lei, que irá especificar os detalhes que não serão tratados no plano da Constituição.
A tributação está sendo usada pelo Governo Federal mais uma vez como um método válido de correção de injustiças. Grosseiramente falando, está “tirando” benefícios que, a bem da verdade, nunca deveriam ter sido concedidos, e que chegaram a um ponto em que podem destruir o país.
Alexandre Pacheco é Professor, Palestrante e Consultor de Direito Empresarial e Tributário.
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