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No texto anterior da série sobre Reforma Tributária que estamos escrevendo, demonstramos que a carga tributária no país é objetivamente elevada (32,43% do PIB em 2017, segundo os últimos dados medidos pela Receita Federal), e que isso representa um freio para o nosso desenvolvimento.
O ideal seria reduzir essa proporção, de forma que a carga tributária brasileira fosse menor do que os atuais 32% sobre o PIB.
Aumentar o PIB é missão que envolve variáveis tão difíceis de controlar que não podemos considerar isso uma “opção” – está mais para um “milagre”, em vista dos problemas graves de infraestrutura, legislação infernal e mão-de-obra pouco qualificada que temos.
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Outra saída seria reduzir o volume de tributos cobrados. Mas, no Brasil, isso também não é uma “opção” – está mais para um “sonho delirante”, por conta do gasto público elevado e da dívida pública estratosférica que temos. Explicaremos isso neste texto
Vamos começar com o gasto público brasileiro, tomando como exemplo o Resultado Primário do Governo Federal do ano de 2018 (sem considerar, portanto, os gastos com juros da dívida pública), segundo dados divulgados pelo Tesouro Nacional:
Esse quadro demonstra que o Governo Federal gasta mais do que arrecada. Ou seja, o Governo Federal não consegue se financiar nem mesmo com os pesados impostos que cobra. E essa realidade se repete, lamentavelmente, também nos Estados e nos Municípios, como demonstraremos no próximo quadro.
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Vejamos esses saldos do ano de 2018, tirados de dados divulgados pelo Banco Central do Brasil (há uma pequena diferença estatística entre o Resultado Primário do Governo Federal apurado pelo Tesouro Nacional e o divulgado pelo Banco Central):
O Resultado Primário demonstra, no confronto entre receitas e despesas de um ano, o quanto o Governo apurou de saldo negativo (déficit) ou positivo (superávit). Quando esse resultado é negativo (déficit fiscal), significa que o Governo não conseguiu pagar as despesas do ano com os tributos arrecadados no mesmo ano.
Nesse caso, que é a situação atual do Brasil, para se evitar o calote de aposentados, funcionários públicos, beneficiários do bolsa-família, prestadores de serviços e de todos os seus demais credores, o Governo toma dinheiro emprestado da iniciativa privada, o que faz com a emissão de títulos públicos federais.
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O Resultado Nominal, por outro lado, demonstra o prejuízo total com que o Setor Público presenteia a Sociedade em um ano. Nesse montante, considera-se o Resultado Primário descontado dos gastos com Juros Nominais – que são os gastos com juros da dívida pública tomada em anos anteriores, para financiar déficits fiscais passados. Ou seja, como o Setor Público não conseguiu pagar suas contas no passado, mesmo dispondo dos pesados tributos com que esfolou a Sociedade, acabou se endividando e obrigando as gerações futuras a pagar essa dívida.
Esse quadro demonstra, então, que o Setor Público brasileiro (Governo Federal, Estados, Municípios e Estatais) gerou um rombo de mais de R$ 500 bilhões em 2018, um montante que é assombroso. E, no mesmo relatório do Banco Central de onde saiu esse número, consta que o PIB de 2018 foi de R$ 6,6 trilhões, o que significa que o Setor Público estourou suas contas em aproximadamente 8% do PIB naquele ano.
Dizendo de outro modo, o Setor Público sequestrou 32% do PIB, na forma de tributos, e ainda tomou emprestado mais 8% sobre o PIB – e, assim, tomou da Sociedade, somente no ano passado, 40% de todas as riquezas que o país produziu em 2018.
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E tem mais.
A dívida pública brasileira alcança, hoje, a proporção espantosa de 77% do PIB, aproximadamente R$ 5 trilhões, sendo que a média dos países emergentes é de 50% do PIB. Pior ainda: a dívida pública está em trajetória de crescimento, como demonstra este quadro preparado pelo Tesouro Nacional, com dados do Banco Central:
As projeções do Tesouro Nacional que constam nesse quadro, marcadas em azul, consideram um cenário otimista, de aprovação de reformas como a da Previdência, além de outras que sejam capazes de reduzir o gasto público. Ou seja, se tudo der certo, a dívida pública ainda vai crescer muito até 2022, a partir de quando poderá cair – e, se Deus tiver piedade de nós, poderá voltar a um nível razoável, de 50% do PIB.
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O crescimento e o alto volume da dívida pública assustam os investidores nacionais e internacionais, porque geram a desconfiança de que ela não será paga pelo Brasil. Se esse medo for maior do que a coragem dos investidores de se arriscarem em um país com as contas públicas destruídas – e é esse o caso do Brasil – o financiamento do gasto público por títulos públicos não será mais uma opção. Como a carga tributária já é muito alta, aumentar tributos também não será uma opção. E emitir moeda para pagar dívidas geraria inflação, de modo que essa é a pior das opções, a ser evitada a todo custo.
Se esse cenário catastrófico ocorrer, de crescimento da dívida pública até um nível em que o Governo não conseguirá convencer mais os investidores a continuarem comprando títulos públicos, o país todo mergulhará no mesmo caos que alguns Estados já enfrentaram ou estão enfrentando, sem dinheiro para comprar remédios para o SUS e pagar médicos, funcionários, públicos, aposentados, policiais – e coisas terríveis dessa natureza.
Para isso ser evitado, o Setor Público deve fazer aquilo que as famílias fazem em momentos de crise: no curto prazo, cortar despesas o mais profundamente possível, vender o que der e pagar suas dívidas; no médio e longo prazo, dar um jeito de aumentar os seus ganhos.
Cortar despesas, para alcançar superávit primário, é difícil, não somente porque há lobbies defendendo privilégios, mas porque isso afeta a transferência de renda e de proveitos para a própria Sociedade – é o caso da redução dos benefícios da Previdência, dos gastos com saúde e educação e até mesmo dos investimentos em infraestrutura. A própria Sociedade resiste a esses cortes, que a Constituição, inclusive, veda em muitos casos – e os políticos costumam respeitar essa resistência.
Além dos limites políticos, o corte de gastos tem limites operacionais mesmo. Algum salário deve ser pago para os médicos do SUS, porque, do contrário, eles abandonam o emprego. E até mesmo para enterrar os mortos que a ausência de médicos irá produzir, teremos que, no mínimo, pagar os coveiros. Mesmo um administrador público eficiente no corte de despesas, portanto, encontrara limites no corte de gastos, para além dos quais ele não conseguiria ir sem mergulhar o país no caos.
Outra possibilidade para reduzir a dívida pública é vender ativos do Setor Público, como as famílias fazem ao vender o carro para pagar o cheque especial. As possibilidades são de venda de Estatais (o que, além do valor da venda, traria o benefício de acabar com um ralo imenso de corrupção e desperdício de dinheiro público), de venda de imóveis públicos e de venda de direitos de exploração de petróleo, gás natural e minerais. Mas essas possibilidades são demoradas, e também contam, em alguns casos, com resistência da opinião pública e da classe política, além de terem o seu próprio limite físico (não é possível vender todos os ativos, e mesmo que o fosse, eles são obviamente limitados).
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O Governo tem a alternativa, que as famílias não têm, de aumentar seus ganhos via aumento de tributos. Mas se fizer isso, poderá haver revoltas populares, ainda mais em vista dos casos surreais de corrupção que houve no passado recente e em vista dos privilégios que a classe política e os funcionários públicos têm. E a resposta fiscal pode até mesmo nem ser eficiente no médio prazo, porque haverá maior incentivo para a economia informal (que não paga tributos), fuga de poupadores e de investidores nacionais, redução de investimento internacional ou até mesmo paralisia dos setores produtivos.
O cenário é difícil, mas uma coisa é certa: não é possível reduzir, neste momento, a carga tributária do país, infelizmente. O Brasil gasta muito mais do que arrecada e está no cheque especial. Se reduzir seus tributos, o déficit público poderá aumentar em uma velocidade maior do que os ganhos de produtividade que a redução da carga tributária seria capaz de trazer.
O mais provável é que haja algum aumento de carga tributária nos próximos anos, para que seja acelerada a redução da dívida pública, pois o corte de gastos e a venda de ativos têm limites naturais e impedimentos políticos. A Sociedade, nesse caso, deve pressionar os governantes para que esse aumento seja temporário e o menor possível, além de vir acompanhado de cortes significativos de gastos, principalmente com desperdícios, privilégios e corrupção.
Além disso, há uma tarefa importante a ser feita em matéria tributária, que pode ter impacto neutro para as contas públicas, ou até mesmo trazer alguma economia de gestão para o Estado, e que tem um bom potencial para reduzir significativamente gastos elevados que os empresários e os cidadãos assumem hoje: simplificar as obrigações legais tributárias.
No próximo texto, trataremos dessa simplificação, que deverá (ou pelo menos deveria) ser o principal foco da Reforma Tributária no Brasil.
Alexandre Pacheco é Professor, Palestrante e Consultor de Direito Empresarial e Tributário.
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Referências
BRASIL. Ministério da Fazenda. Banco Central. Estatísticas Fiscais 2018. Disponível em <https://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/ni201812pfp.zip>. Acesso em 08/08/2019.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Dívida Pública Federal – Agosto/2019. Disponível em <http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis/thot/transparencia/arquivo/29148:967303:inline:13131385979771>. Acesso em 08/08/2019.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Relatório de Avaliação do Cumprimento de Metas Fiscais – 3º Quadrimestre de 2018. Disponível em <http://www.tesouro.gov.br/documents/10180/640174/2019-02-26-Relatorio-III_Quadrimestral.pdf/1be7c2b2-18e8-4cf2-9d88-fba57b099539>. Acesso em 08/08/2019.