Nova largada para a Reforma da Previdência: a questão do direito adquirido

Há regras que somente existem porque nossos legisladores enganam o povo com a chamada "Falácia do Infindável", tão elegantemente desenvolvida por Thomas Sowell em seu livro "Fatos e Falácias da Economia". Criam, os legisladores, regras garantindo demandas ilimitadas, em desprezo ao fato de que os recursos financeiros são limitados. Geram expectativas e empurram para o futuro a gestão do caos.

Alexandre Pacheco

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O Decreto Federal de 28/07/2017, que “Autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Rio de Janeiro”, estará em vigor até o dia 31/12/2018. Até lá, não será possível alterar a Constituição Federal.

Isso impacta a Reforma da Previdência, que somente pode ser feita, com a profundidade necessária, por meio de alteração da Constituição. Logo, para que a Reforma da Previdência seja aprovada ainda em 2018, seria necessário revogar o decreto de federal do Rio de Janeiro – o que é praticamente impossível de ocorrer.

Mas a movimentação em torno da Reforma da Previdência, da parte do Governo de Transição, já é visível. Tudo indica que o Governo Bolsonaro vai mobilizar a sua base parlamentar já no início do seu mandato para fazer andar essa reforma, que é essencial para evitar a destruição financeira do Brasil. Não se sabe qual proposta será apresentada. Somente é possível afirmar que ela virá, que não vai demorar muito e, ainda, especular sobre o que provavelmente será discutido.

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Vamos falar, então, do ponto de partida da Reforma, em um nível que não depende da proposta que venha a ser apresentada: como tratar quem já é aposentado, quem não é aposentado mas já está no mercado de trabalho e quem ainda nem ingressou no mercado de trabalho. Aqui entra a discussão sobre “direito adquirido”.

A Constituição tem como um dos seus direitos fundamentais o “direito adquirido”. Isso significa que lei nova não pode suspender, reduzir ou eliminar direitos “ganhos” na vigência da lei antiga.

No tema da Reforma da Previdência, a discussão é crítica, porque há essencialmente dois mundos a serem enfrentados pelos legisladores: o que fazer com quem tem “direitos adquiridos”; e o que fazer com quem tem “expectativa de direitos”.

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“Expectativa de direito” têm os cidadãos que são contribuintes do INSS, mas que ainda não se aposentaram, por lhes faltar alguma condição para tanto (tempo de contribuição e/ou tempo para se completar idade mínima, por exemplo).

Tecnicamente, pessoas nessa condição não têm “direitos adquiridos” – ou seja, a Reforma Previdenciária pode ser realizada com maior profundidade nesse caso. Mas apesar da questão aqui não ser jurídica, há impacto político, pois os legisladores terão que enfrentar os grupos de pressão (lobbies de sindicatos, por exemplo) e o seu eleitorado que está nessa condição, pois naturalmente haverá frustração de expectativas.

Quem ainda nem é contribuinte do INSS porque, por exemplo, ainda não ingressou no mercado de trabalho, nem expectativa de direito tem. Para essas pessoas, assim como para as gerações futuras, as regras de previdência podem ser feitas com maior liberdade política. A tendência é que a reforma seja mais dura para essas pessoas, portanto.

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“Direito adquirido” tem quem, por exemplo, já completou as condições para se aposentar, mas ainda não requereu o benefício. É o caso, por exemplo, de quem já completou as condições para se aposentar “por idade”, mas continua contribuindo para um dia se aposentar em melhores condições, “por tempo de contribuição”. Nesse exemplo, a Constituição protege o direito do trabalhador aposentar-se “por idade”, segundo as regras vigentes na data em que o direito foi “adquirido”, de forma que a lei nova não o poderá atingir.

Quem já é aposentado enquadra-se, também, na proteção constitucional ao direito adquirido, mas com muito mais força – diz-se, nesse caso, que o aposentado tem “direito consumado” à aposentadoria, o que lhe garante a preservação integral das condições que existiam quando o seu direito de aposentar foi exercido.

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Isso é o que a Constituição diz.

Mas a Constituição, apesar de ser nossa “lei” maior, contendo as regras e princípios mais importantes da República, não é capaz de contrariar a realidade. Assim como a Constituição, por exemplo, não é capaz de revogar a lei da gravidade, também não é capaz de criar dinheiro.

Vamos dar um exemplo: milhões de aposentados – titulares, portanto, de direitos adquiridos junto ao INSS – vão, com a Constituição no bolso, resgatar seus benefícios nos bancos, mas o dinheiro não está disponível. E aí?

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E aí, nada.

A Constituição não resolve problemas de dinheiro. O ato de criar regras não é capaz de superar a realidade ou de alterar as leis da natureza. E mesmo os juízes, que fazem cumprir a Constituição e as leis, encontram a realidade como limite. O que poderão fazer se não houver dinheiro público disponível em caixa para pagar aposentados? Prender o Presidente da República da vez não fará o dinheiro aparecer.

Então vamos admitir um cenário em que não seja possível aprovar a Reforma da Previdência. O gasto público vai evoluir, como os economistas e financistas estão prevendo – Alan Ghani, neste portal, já tratou do tema aqui e aqui. E, com isso, não haverá dinheiro suficiente para segurança pública, saúde, educação, investimentos, salários de funcionários públicos – e até mesmo para pagar os próprios aposentados. Se a situação chegar nesse ponto, haverá um cenário de frustrações tão fortes que pode até mesmo descambar para revoltas e violência. Com o agravante de que não poderemos contar nem com as forças de segurança pública para conter distúrbios civis, porque, nesse caso, não haverá dinheiro nem para o salário da polícia.

Há regras que somente existem porque nossos legisladores enganam o povo com a chamada “Falácia do Infindável”, tão elegantemente desenvolvida por Thomas Sowell em seu livro “Fatos e Falácias da Economia”. Criam, os legisladores, regras garantindo demandas ilimitadas, em desprezo ao fato de que os recursos financeiros são limitados. Geram expectativas e empurram para o futuro a gestão do caos.

O fato é que de nada adianta chamar os direitos de aposentadoria de adquiridos, consumados, humanos, essenciais, vitais, existenciais ou sagrados.

Direito adquirido a dinheiro não existe.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.