Greve dos caminhoneiros: uma pós-graduação de Brasil

A greve dos caminhoneiros é uma perfeita aula de Brasil. Para um estrangeiro que não sabe nada do nosso país, basta abrir os jornais, ler uma ou duas notícias sobre esse caso, e pronto: estará pós-graduado em modelo mental, políticas públicas e estágio de desenvolvimento brasileiros.

Alexandre Pacheco

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Vamos ao quadro dessa greve dos caminhoneiros, para colocarmos um espelho na nossa frente.

O direito de greve dos caminhoneiros é indiscutível. É o recurso civilizado que eles têm de reagirem aos seus contratantes, que não estão aumentando o preço dos fretes com a mesma frequência e intensidade que o preço dos combustíveis está evoluindo.

Aí vem o diagnóstico do problema: o preço do frete é uma questão a ser resolvida entre caminhoneiros e empresários que contratam seus serviços. Mas, como estamos no Brasil, todo mundo quer que o Governo Federal resolva essa disputa, até usando o argumento de que o próprio Governo é um dos grandes culpados desse estado de coisas – o que não deixa de ser verdade, sob uma perspectiva histórica.

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A primeira aula de Brasil é esta: ninguém neste país aceita que nossos problemas sejam resolvidos pelos próprios interessados. Todo mundo quer que o Governo arbitre todos os conflitos, justamente porque ele tem o poder legal de empurrar a conta para o futuro – ou seja, para outras pessoas, principalmente para aquelas que nem nasceram ainda.

Vamos em frente.

É inacreditável que, após da crise do petróleo da década de 70, ainda haja monopólio da exploração e importação de petróleo e gás natural em qualquer país do mundo. E é particularmente inacreditável que a Petrobrás tenha sobrevivido a esse período, justamente porque ela, que não investiu em extração de petróleo o suficiente desde que foi criada, nem aceitou capital estrangeiro nessa atividade por largo tempo, foi a responsável pela destruição das nossas contas públicas ao longo da década de 80 por uma razão que até hoje afeta a nossa vida e a dos caminhoneiros: importava petróleo.

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Esta é a segunda lição importante do Brasil: não importa o que ocorra no mundo, nem o quão fundo possamos ir para o buraco – a Petrobrás sempre vai continuar existindo, e sempre vai atrasar fortemente a nossa vida.

Andemos.

Como o Brasil é importador líquido de petróleo, é natural que o preço da gasolina e do óleo diesel sejam afetados pelo dólar. O que não é natural é que a Petrobrás, a grande importadora de petróleo do Brasil, não repasse as perdas com variação cambial para o preço desses combustíveis. Quando a Petrobrás, portanto, subsidia o preço dos combustíveis, assumindo perdas cambiais, empurra a conta para outras pessoas – os seus acionistas privados, que são investidores da iniciativa privada, ou o próprio Governo (ou seja, para nós, os contribuintes brasileiros).

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Que é errado empurrar a conta para os acionistas da iniciativa privada, ninguém duvida. Mas, no Brasil, a maior parte das pessoas acha normal o Governo assumir perdas de determinados setores da sociedade que estejam em crise. No caso de subsídio dos combustíveis, quem paga a maior parte dessas perdas é o contribuinte, não é?

Aí vem a terceira lição de Brasil: aqui, resolvemos uma coisa errada fazendo outra coisa errada – ou melhor, resolvemos uma coisa errada feita pelo Governo exigindo que próprio Governo faça outra coisa errada, o que sempre causa outros problemas. E depois, com o Governo pagando tudo, não conseguimos entender o porquê da carga tributária do nosso país ser tão elevada (36% do PIB), nem a razão da dívida pública ser tão abissal (74% do PIB) e gerar o pagamento de juros e de amortizações em montante surreal (42% dos gastos do Governo Federal).

O que estamos discutindo com a greve dos caminhoneiros é “quando” todos nós vamos pagar a conta do aumento do preço dos combustíveis, dado que os fretes afetam quase todos os preços de bens e mercadorias do Brasil: se agora, deixando os preços sem controle do Estado, ou se mais tarde, com a emissão de títulos da dívida pública para cobrir o rombo transferido para o Estado com o subsídio dos combustíveis ou com a redução de tributos.

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Essa é quarta lição do Brasil: se é possível adiar um problema, faça isso hoje, e faça isso agora. Um brasileiro típico diz: o que importa é o hoje, o amanhã a Deus pertence; a dívida pública vai ser paga por alguém um dia, com tributos, é bem verdade, e pelos nossos filhos, netos e bisnetos, mas o que importa é que o pagador não seja eu.

Uma das soluções para evitar os subsídios é, pura e simplesmente, reduzir a carga tributária embutida em 27% do preço do óleo diesel (43% do preço da gasolina, imaginem só) .

Como tributos sobre as vendas de combustíveis temos, inacreditavelmente, ICMS (Tributo Estadual, com repasse para os Municípios), PIS e COFINS (Tributos Federais) e CIDE (Tributo Federal, com repasse para os Estados). Isso mesmo: quatro tributos.

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O corte de tributos seria a melhor medida para a Sociedade, se fosse o caso do Estado socorrer os caminhoneiros. Afinal de contas, Governo rico, povo pobre. Mas isso não é possível de ser feito em montante desejável – o Poder Público no Brasil acumula déficits violentos em todas as instâncias (Governo Federal, Estados e Municípios). E como nenhum desses órgãos está disposto a cortar despesas suficientes para viver com menos tributos, nem patrocina as reformas do estado necessárias para isso, resta pouca margem para cortes de tributos.

Aí temos outra lição importante: No Brasil, tributamos muito tudo – renda, propriedade, salários, vendas, faturamento – e não importa o que aconteça, nem a profundidade dos nossos problemas, o nível da tributação jamais cai, mas sempre cresce muito. Eliminamos a CPMF em 2007, mas depois descobrimos que temos uma CPMF disfarçada, que é justamente a CIDE cobrada sobre os combustíveis, que tem o mesmo efeito em cascata da CPMF, além de provocar inflação, por incidir em quase tudo o que compramos, uma vez que grande parte da produção nacional é transportada pela malha rodoviária, que é essencialmente movida a óleo diesel (60%). Ou seja, todos os tributos são ruins, mas alguns são muito piores do que outros – e a tributação dos combustíveis, no Brasil, é um belo exemplo disso.

Nesse jogo criado com essa greve, os seguintes agentes estão em disputa: os caminhoneiros, as transportadoras, os empresários do comércio e da indústria e o Governo Federal. Mas há um personagem sempre esquecido, conformado, mal informado, e portanto sempre prejudicado, e tudo indica que é ele quem vai pagar a conta da solução desse conflito: o contribuinte.

Seria melhor que os caminhoneiros resolvessem, mesmo que por força da greve, o preço dos fretes com seus contratantes. Mas aí entra outra lição de Brasil muito importante: não importa a natureza do problema – se ele envolver mais de duas pessoas, quem vai resolvê-lo é o Estado, e quem vai pagar a conta é o contribuinte, mesmo que ele nem tenha nascido ainda (como vai acontecer com a dívida pública, que é usada hoje para quitar despesas do Estado, mas que vai ser paga com tributos no futuro, a perder de vistas).

A penúltima lição dessa greve é: o contribuinte brasileiro nunca reclama, porque, no modelo mental dele, cabe ao Estado resolver todos os problemas – o que inclui o frete dos caminhoneiros, claro. No final das contas, ninguém reclama muito, porque todo mundo aqui morde um pedaço do que o Estado dá: alguns mordem muito, a maioria morde pouco. Mas todo mundo morde. No Brasil, o Estado, resolvedor de todos os nossos problemas, está sempre disposto a compensar o nosso caos com algumas migalhas anestésicas, contratando alguns dos nossos parentes no serviço público, ou nos dando SUS, previdência social subsidiada, bolsa família, LOAS, justiça gratuita, abono do PIS…

Então, vem a última lição, a mais perigosa, que ninguém entendeu ainda: um dia o futuro chega. Essa lição, ao que tudo indica, vamos aprender da pior forma possível, quando entrarmos no módulo “Grécia”…

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.