A Reforma Tributária da Câmara dos Deputados virou pauta bomba

Não se faz Reforma Tributária apenas com ideias e com "articulação política": faz-se com a experiência do corpo técnico do Governo e com números oficiais. E esse ato de prudência é necessário porque uma mudança legislativa dessa envergadura vai afetar milhões de pessoas e milhares de empresas, além de sujeitar os cofres públicos a riscos de perdas arrecadatórias que, em um cenário de déficit fiscal, podem piorar as condições já ruins das contas públicas.

Alexandre Pacheco

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De forma surpreendente, foi apresentada na semana passada mais uma proposta de Reforma Tributária na Câmara dos Deputados. Trata-se da PEC 45/2019, do Deputado Baleia Rossi (PMDB/SP), que conta com a assinatura de 172 deputados federais.

Essa proposta tem as digitais do Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ) – em notícia do jornal Valor Econômico de hoje, 09/04/2019, consta a seguinte informação: “O texto foi protocolado por Baleia na semana passada, após reunião organizada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com os líderes e o economista Bernard Appy”.

O movimento foi tão estranho que nem mesmo foi noticiado pelo site da Câmara dos Deputados, apesar da profunda importância que o tema tem para a Sociedade. Veja que inusitado: uma proposta de reforma do sistema tributário que vigora há mais de 50 anos apresentada assim, em segredo e da noite para o dia – e a pressa foi tanta que o texto do projeto de lei disponível no site da Câmara dos Deputados está até mesmo desformatado e desalinhado, coisa nunca vista em um documento oficial federal que tem esse grau importância.

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Tudo isso nos obriga a tentar entender o porquê de um ato tão maluco como esse, que chega a inspirar pouca seriedade da parte dos deputados envolvidos.

O conteúdo dessa Reforma Tributária não é novo: trata-se do texto do Substitutivo apresentado pelo Deputado Mendes Thame (PV/SP) quando do andamento da PEC 293/04 na Comissão Especial de Reforma Tributária que tramitou na Câmara dos Deputados até o ano passado. Esse Substitutivo foi rejeitado pelo relator dessa PEC, o então Deputado Federal Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), que apresentou o seu relatório final e encerrou os trabalhos da Comissão Especial. Com isso, a PEC foi remetida ao Plenário da Câmara dos Deputados, e lá aguarda votação.

Esse ato precipitado do Deputado Hauly, tomado em dezembro/2018, destruiu a possibilidade do Governo Bolsonaro, então eleito, aproveitar o andamento da Reforma Tributária que estava sendo discutida na Câmara dos Deputados. O novo Governo poderia, por exemplo, apresentar uma emenda substitutiva agora em 2019, e ter um texto pronto para ser votado pelo Plenário da Câmara. Mas o Deputado Hauly, sabe-se lá por qual razão, fez o que fez, e o que está para ser votado no Plenário é o texto da proposta de Reforma Tributária dele, que é muito ruim.

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Neste momento, se for o caso de se apresentar uma nova proposta, do governo ou mesmo do Congresso Nacional, será necessário começar do zero, pois o atual Presidente da Câmara pessoalmente entende, para o desespero da sociedade, que não é possível apresentar uma emenda substitutiva no Plenário da Câmara dos Deputados. Foi o que o Deputado Federal Baleia Rossi fez na semana passada: apresentou uma nova proposta, e tudo vai começar do zero na Câmara dos Deputados.

Já escrevi neste Portal sobre a Proposta Hauly aqui, e sobre a Proposta Mendes Thame aqui. Eis que o texto dessa Proposta Mendes Thame, que era uma emenda substitutiva, agora virou a PEC 45/2019 – que será a Proposta Baleia Rossi, se não for alterada durante o processo legislativo novamente.

Os deputados orgulhavam-se da Proposta Hauly pelo motivo errado: diziam que aquela proposta havia sido “a primeira reforma do sistema de tributos em vigor capitaneada pelo Parlamento, e não pelo Poder Executivo, como foram as anteriores”. Pura infantilidade. Não faz sentido que uma reforma que envolva finanças públicas em um nível tão profundo seja de iniciativa do Parlamento, que nem tem corpo técnico e informações adequadas para se aventurar numa tarefa dessas solitariamente.

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Na década de 60, por exemplo, o Governo Federal estruturou o modelo tributário que temos hoje. Foi um trabalho de Reforma Tributária que durou mais de 3 anos, feito com profundidade, e que, apesar de ter sido capitaneado pela FGV, utilizou o corpo técnico do Ministério da Fazenda, além de recursos públicos e dados oficiais. Desse trabalho denso resultou o sistema tributário que vigora no Brasil há mais de 50 anos. Para os interessados, recomendo a leitura deste texto aqui

Se for para mudar a estrutura tributária do país, um trabalho de igual envergadura deve ser feito pelo Governo Federal, e não pela Câmara dos Deputados, que não reúne a mínima condição de fazer algo assim. Não digo que a mesma fórmula seja necessária para se fazer um bom trabalho, com a contratação de uma instituição privada para desenhar o modelo tributário – isso é o que menos importa. O que importa é o uso do corpo técnico do Governo Federal e dos dados oficiais que somente ele tem.

É por isso que uma Reforma Tributária tem que partir do Poder Executivo. No Ministério da Fazenda, particularmente na Receita Federal, há os melhores profissionais que integram há anos as carreiras do Estado, e que por isso são capacitados para simular cenários financeiros com um novo modelo tributário. Também lá estão os dados oficiais de arrecadação que permitem essa elaboração de cenários de ganhos, perdas e riscos arrecadatórios com base em dados oficiais. Nenhuma instituição pública ou privada tem condições de fazer um trabalho com essa envergadura, porque não tem pessoas, recursos ou mesmo informações para isso.

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O que o Governo Federal deve fazer, para o bem do país, é elaborar uma proposta de Reforma Tributária sua, estruturada como o foi a Reforma da Previdência: utilizando o corpo técnico do Ministério da Economia, particularmente da Secretaria da Receita Federal, e valer-se, eventualmente, até mesmo da sociedade civil para subsidiar tecnicamente esse trabalho. Depois disso, o Governo deve apresentar esse texto na forma de uma nova PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sua ao Congresso Nacional, e envolver seus técnicos nas discussões que serão feitas na Comissão de Constituição e Justiça e na nova Comissão Especial de Reforma Tributária que deverá ser criada.

Não se faz Reforma Tributária apenas com ideias e com “articulação política”: faz-se com a experiência do corpo técnico do Governo e com números oficiais. E esse ato de prudência é necessário porque uma mudança legislativa dessa envergadura vai afetar milhões de pessoas e milhares de empresas, além de sujeitar os cofres públicos a riscos de perdas arrecadatórias que, em um cenário de déficit fiscal, podem piorar as condições já ruins das contas públicas.

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Eu só vejo uma explicação para esse novo movimento: a Câmara dos Deputados quer usar a Reforma Tributária como uma ameaça de pauta bomba contra o Presidente da República, para forçá-lo a governar no sistema do Presidencialismo de Coalizão que vigora no país desde 1985, onde um Presidente da República fraco é conduzido por um Parlamento que ocupa Ministérios, Estatais, Agências Reguladoras, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista (Petrobrás e Banco do Brasil, essencialmente).

O Congresso Nacional está, de forma irresponsável, invertendo o caminho natural das coisas, e a consequência disso, se vingar seu capricho político, é tornar a sociedade refém de sua falta de bom senso, transformando o Brasil, que é uma das 10 maiores economias do mundo, em um laboratório de experiências que somente espíritos imprudentes são capazes de conduzir.

Alexandre Pacheco é Professor, Palestrante e Consultor de Direito Empresarial e Tributário.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.