A Reforma Tributária da Câmara dos Deputados deve ser esquecida

A única solução razoável e adequada ao princípio federativo, para a tributação do consumo, é preservar o poder de cada Estado e Município cobrar seus tributos, vedando, apenas, as atuais baixarias praticadas no ICMS

Alexandre Pacheco

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A Comissão Especial da Reforma Tributária, instalada na Câmara dos Deputados, elaborou e aprovou a sua proposta de Reforma Tributária, tendo encaminhado o seu texto para a votação do Plenário dessa Casa Legislativa. Trata-se da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 293/04, sendo que o texto aprovado foi, essencialmente, estruturado pelo Deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR).

Podemos dizer que este texto é a “Reforma Tributária da Câmara dos Deputados”, porque é resultado do trabalho dos deputados federais, de fato. Não contou com a participação ativa do Poder Executivo por razões que vão desde o processo eleitoral de 2018, passando pela incapacidade do Governo Temer de organizar a base do governo no Congresso e terminando no estilo “independente” de gestão do atual Presidente da Câmara, o Deputado Federal Rodrigo Maia (DEM/RJ), que mal disfarça a sua rebeldia.

O principal ponto dessa Proposta consiste na reunião dos atuais tributos que economicamente incidem sobre o consumo (ICMS, IPI, PIS, COFINS, ISS e CIDE-Combustíveis) em dois tributos, o IBS-Estadual e o IS-Federal. Se tivesse parado por aí, inclusive, a Proposta teria andado muito melhor, mas o relator não se conteve: pretendeu extinguir também o IOF, o Salário-Educação e a CSLL, atribuindo complexidade e imprevisibilidade financeira às alterações propostas.

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Os mais urgentes problemas tributários do Brasil hoje são dois: 1) a complexidade e a inconveniência da tributação sobre o consumo que temos, especificamente no ICMS; 2) a alíquota de 34% do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas de grande porte (Lucro Real), em vista da redução praticada em 2018 pelos Estados Unidos para 21% em relação a esse mesmo imposto, o que retirou a competitividade financeira de nossas empresas transnacionais. São casos de vida ou morte para o nosso ambiente empresarial, apesar da nenhuma urgência dada a esses temas pela classe política atual.

Vamos resumir os principais pontos dessa Proposta, concentrando-nos nas alterações da tributação sobre o consumo. O restante da Proposta não é importante para os problemas que o Brasil tem hoje, nem traz boas ideias, de forma que deve ser rejeitado durante o processo legislativo – se nossos congressistas tiverem juízo.

Em primeiro lugar, vamos ao IBS Estadual (Imposto sobre Bens e Serviços), que, em grandes traços, é uma espécie de ICMS “simplificado”, copiado do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) praticado na Comunidade Europeia:

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– a sua base de incidência é “ampla” (base ampla), de forma a abranger as operações da “nova economia”, além das tradicionais incidências sobre vendas de bens, mercadorias e serviços;

– diferentemente do que ocorre com o ICMS hoje, não tem limitações ao crédito pelas compras (crédito amplo), de modo que o IBS proposto seria verdadeiramente um imposto sobre o valor agregado, a incidir, em cada etapa do processo produtivo, apenas sobre margem de lucro e custo de produção “agregado” pelo empresário que faz a sua venda;

– logo, do mesmo modo que se passa com o ICMS hoje, o IBS continuaria sendo pago pelos empresários nas vendas a empresários (incidência plurifásica nas vendas intermediárias), ao invés de incidir uma vez só, na venda a consumidor final, como se pratica de forma muito mais simples nos Estados Unidos com o Sales Tax (incidência monofásica nas vendas a consumidor final);

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– nas vendas interestaduais, a arrecadação, ao final do período de transição de 15 anos, pertencerá, exclusivamente, ao Estado de destino (princípio do destino), de modo que, no IBS, deixaria de existir o sistema atual do ICMS, em que há compartilhamento do imposto entre a origem (produção) e o destino (venda a consumidor final);

– não se admite a concessão de benefícios fiscais, de forma que a legislação será unificada nacionalmente, para simplificar o recolhimento do tributo;

– o imposto seria cobrado por um órgão chamado “Superfisco”, encarregado de destinar a cada Estado a parcela do IBS que lhe pertence, já que, nas vendas interestaduais, será necessário retirar dos Estados de origem o imposto recolhido nas etapas intermediárias, de modo que seja entregue, na sua totalidade, aos Estados de destino.

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Além desse imposto, seria criado o IS (Imposto Seletivo) Federal, com incidência mais pesada sobre produtos cujo consumo seria desejável “desestimular” – combustíveis, cigarros, energia elétrica, telecomunicações, bebidas alcoólicas e veículos. É a mesma ideia autoritária que ameaça o atual Presidente da França, Emmanuel Macron, como escrevemos aqui. Temos hoje isso no ICMS, no IPI e na CIDE-Combustíveis, de forma que esse novo imposto nada mais é do que a concentração dessa ideia ruim em um único imposto, que atrairia muito pouca “simpatia popular”, vamos dizer assim.

Também consta nessa Proposta a ideia de fazer com que União, Estados e Municípios compartilhem entre si seus impostos. Logo, o IBS-Estadual seria compartilhado com União e Municípios; o IS-Federal seria compartilhado com Estados; e, o Imposto de Renda, compartilhado com Estados e Municípios. Mantém-se a mesma salada financeira que se pratica hoje, com o compartilhamento cruzado de Imposto de Renda, ICMS, IPI, CIDE-Combustíveis, etc, tumultuando a própria ideia de Estado Federal, que presume que cada ente integrante da Federação seja independente – o que, logicamente, importa em que cada um possa andar com suas próprias pernas.

O Relator dessa Proposta, e todos os deputados federais que se envolveram nela, trabalharam pesado para chegar a esse texto final, e estão, sem dúvida, bem-intencionados – querem o melhor para o Brasil. Mas a espinha dorsal dessa PEC não é compatível com o Princípio Federativo, porque retira de Estados e Municípios a capacidade de legislar de forma autônoma sobre matéria tributária.

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O grande benefício da forma federativa de Estado, composta por União, Estados e Municípios autônomos, é a desconcentração de poder. Isso evita que um ditador tome o poder total de um país, medo justificável que os Founding Fathers tinham ao criar os Estados Unidos. A falta de uniformidade, portanto, é um sintoma plenamente aceitável, em comparação com os benefícios, que causa o proposital caos de uma federação.

A ideia de IVA tem chance elevada de não passar pelo Supremo Tribunal Federal por essa razão. São compreensíveis os seus méritos simplificadores, mas não são nem desejáveis, nem cabíveis em um Estado Federal como o Brasil. E se passar pelo STF, não será bom para o Brasil. Se um presidente com pretensões de ditador assumir o poder federal, ele terá tempo, recursos e instrumentos para sufocar Estados e Municípios, de forma que, quando o país acordar, será tarde demais, porque já teremos entrado no “Modo Venezuela”.

Seria muito mais simples propor a ampliação das incidências do ICMS para abranger a nova economia, assim como a concentração da tributação do ICMS nas vendas a consumidor final, como no Sales Tax americano, acabando, assim, com as incidências intermediárias e com a transferências de créditos nas vendas interestaduais. E nem adianta dizer que esse sistema não traria simplificação, pois ele funciona bem nos Estados Unidos, país que ocupa o 67º lugar no ranking mundial de tempo de recolhimento de tributos, não muito distante da média da zona do Euro e muito abaixo, por exemplo, da Alemanha, que também é um Estado Federal.

Estamos inventando a roda, quando temos um modelo federativo razoável e seguro para copiarmos literalmente (Estados Unidos). No entanto, estamos buscando soluções no lugar errado (Europa), seja porque queremos soluções adotadas em Estados Unitários (como a França), que não são aplicáveis a Estados Federais (como o Brasil e os Estados Unidos), seja porque estamos impressionados com a beleza de um “império” que está em franco desfacelamento (União Europeia) justamente porque despreza a autonomia dos entes “confederados”.

A única solução razoável e adequada ao princípio federativo, para a tributação do consumo, é preservar o poder de cada Estado e Município cobrar seus tributos, vedando, apenas, as atuais baixarias praticadas no ICMS, de incidência plurifásica e de transferência de créditos da origem para o destino, nas operações interestaduais.

Nessa ordem de ideias, o mais prático seria simplificar o ICMS, para que ele seja cobrado monofasicamente, apenas as vendas a consumidor final, e com uma base de incidência mais ampla. Por isso, Congressistas, não inventem moda, e esqueçam esse papo de IVA: o negócio é abraçar o Tio Sam e dar copy/paste no Sales Tax.

Alexandre Pacheco é Professor, Palestrante e Consultor de Direito Empresarial e Tributário.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.