WeWork, a ilha da fantasia e o IPO perfeito para shortear

Os habitantes da Ilha da Fantasia alegam que a empresa vale muito porque está crescendo muito rapidamente, algo digno de uma empresa de tecnologia. Mas WeWork não é uma empresa de tecnologia

Marcelo López

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Shutterstock)
(Shutterstock)

Publicidade

De volta ao mundo da fantasia, tivemos essa semana a notícia de que o IPO (oferta pública inicial) das ações da WeWork não deve mais acontecer. Isso é uma chateação, já que estou sempre à procura de ações de empresas que sejam negociadas a preços estratosféricos para poder shortear (vender a descoberto).

Em certo ponto, a WeWork chegou a ser avaliada pela Goldman Sachs em US$ 65 bilhões, e Masayoshi Son, CEO do Softbank, investiu mais US$ 2 bilhões na empresa esse ano a um valuation de “apenas” US$ 47 bilhões. No total, o Softbank já despejou ou se comprometeu a despejar quase US$ 11 bilhões na empresa. Agora, contudo, estão tendo dificuldades em fazer o IPO até mesmo em um patamar de US$ 10 bilhões.

Os habitantes da Ilha da Fantasia alegam que a empresa vale muito porque está crescendo muito rapidamente, algo digno de uma empresa de tecnologia. Mas WeWork não é uma empresa de tecnologia e seu modelo, amplamente divulgado pela Regus (e outras), tampouco é original. A única parte original é a cerveja/tequila e confesso que nunca ouvi falar na Regus ou nas suas concorrentes oferecerem álcool aos inquilinos.

Continua depois da publicidade

O modelo de negócio é muito simples: a WeWork aluga espaços em prédios comerciais e os subloca para potenciais empreendedores. Com um ambiente mais descolado e foco em startups, a empresa vem crescendo a taxas realmente impressionantes.

Mas eu vejo isso de maneira diferente: se você vender seu produto a um preço muito abaixo do custo, você vai vender muito – mas isso não quer dizer que o modelo seja sustentável ou que você deva fazê-lo. Imagina qual seria a demanda por BMWs se a empresa decidisse vender seus modelos a US$ 1?

A WeWork, que conseguiu ter um prejuízo de US$ 1,9 bilhão no ano passado, ante uma receita de US$ 1,8 bilhão, tem problemas para todos os lados. Além de nunca ter obtido lucro, não tem planos de conseguir atingir um nos próximos anos.

Continua depois da publicidade

Aliás, eu poderia até dissertar sobre a importância de não ter lucro. Uma vez que a empresa passa a ter lucro, ela é avaliada por um múltiplo desse valor. Se, por outro lado, ela só der prejuízo, métricas mirabolantes e criativas para avaliá-la são adotadas e disseminadas entre analistas – e isso serve a um propósito, justificar um preço.

Estatísticas não financeiras como número de acessos, de contas abertas ou de usuários passam a servir como referência em algumas situações. Em outras, opta-se por subir no DRE em direção a algum número que seja positivo, passando pelo EBITDA, lucro bruto, até chegar à receita.

Seu fundador, Adam Neumann, recebeu quase US$ 6 milhões há alguns meses por deixar a empresa usar a marca We (após a primeira tentativa frustrada de IPO, Neumann devolveu os recursos para a empresa).

Continua depois da publicidade

Ele também tem ações diferentes das do público, com poder de voto 20 vezes maior (essa atrocidade também foi renegociada na última semana e agora seu poder de voto é “apenas” 10x maior).

Mas o mais interessante, no meu ponto de vista, é que ele pegou dinheiro emprestado com a empresa para comprar imóveis que ele alugou para a própria empresa – obviamente, nenhum conflito de interesses aí.

Também, para facilitar o IPO e atrair mais deslumbrados investidores, agora o Conselho da empresa pode demitir o CEO, caso julgue melhor para a companhia – até a semana passada, não podia, ou seja, o Conselho não justificava sua existência.

Continua depois da publicidade

Ainda não sei se a WeWork é uma empresa de tecnologia sem tecnologia ou uma empresa imobiliária sem imóveis. Mas sei que a Regus vale GBP 3,6 bilhões na bolsa londrina, é lucrativa e paga dividendos.

A WeWork, ainda que viesse a bolsa a um valuation de US$ 15 bilhões (a última notícia é que viria a US$ 10 bilhões – menos do que o dinheiro que já levantaram até hoje), valeria 3 vezes mais que a concorrente. Pense sobre isso um instante, por que o Softbank e a WeWork seguiriam com um IPO desses por um valor 75% menor do que o estimado inicialmente?

Provavelmente o melhor caminho para o Softbank seja seguir com o IPO, já que o mesmo dará alguma liquidez para ele. Apesar do fundo ter que assumir um prejuízo de quase US$ 7 bilhões com o investimento, pelo menos terá liquidez e a empresa conseguirá levantar mais dívidas para manter esse castelo de cartas em pé por enquanto.

Continua depois da publicidade

Taxas de juros negativas distorceram totalmente o mercado financeiro e empresas como Tesla, WeWork, Pinterest e tantas outras não existiriam fora da Ilha da Fantasia dos bancos centrais.

Autor avatar
Marcelo López

Marcelo López tem certificação CFA, é gestor de recursos na L2 Capital Partners, com MBA pelo Instituto de Empresa (Madrid, Espanha) e especialização em finanças pela principal escola de negócios da Finlândia (Helsinki School of Economics and Business Administration). Atuou como Gestor de Carteiras e de Fundos em grandes gestoras internacionais, tais como London & Capital e Gartmore Investment Management.