Resenha de livro – “De Zero a Um”, de Peter Thiel

Tendo lido dezenas de livros sobre negócios e empreendedorismo, o livro De Zero a Um, autorado pelo co-fundador do PayPal Peter Thiel, é sem sombra de dúvida um dos melhores. São 2 os motivos: primeiro, o livro é autêntico, nada de mais do mesmo; segundo, o livro é objetivo, se o reduzissem ou aumentassem ele piorava. Na verdade De Zero a Um nem livro era pra ser. Nasceu das notas de um aluno que assistiu o curso sobre empreendedorismo ministrado por Peter Thiel em Stanford em 2012. Thiel planejou um curso prático, com verdades óbvias porém não ditas, e também heurísticas que desenvolveu para si próprio no seu dia a dia. O curso que fora desenhado para tal audiência, reservada e elitizada, lhe permitia uma exposição menos polida e mais direta ao ponto. O resultado foi um bestseller global, graças ao bendito aluno com o caderno bonito.

IFL - Instituto de Formação de Líderes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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O autor

Peter Thiel é uma personalidade de conquistas espetaculares. Seu primeiro grande triunfo foi co-fundar o PayPal, a startup que eventualmente se tornou o gigante de pagamentos online mas que nasceu do sonho anarcho punk de jovens nerds de “criar uma moeda nova na internet para substituir o dólar americano”. Num segundo momento, estando altamente capitalizado em virtude da venda do PayPal em 2002 por US$1.5b para o eBay, Thiel seguiu sua carreira como investidor de venture capital e em 2004 conseguiu acesso à primeira rodada de investimento externo no Facebook. Na ocasião, Thiel avaliou a startup de rede social em ~US$4.4m, comprando 10,2% por US$500k. Com o valor de mercado de ~US$530b (~100,000x maior que o valor da primeira rodada), estima-se que Thiel tenha obtido a impressionante marca de 4,000x retorno bruto no capital investido com a monetização de  US$1.2b e cerca de US$800m que ainda retém em ações do Facebook. No Brasil, Peter Thiel tem investimentos no Nubank, fintech de cartões de crédito, via o Founders Fund, seu braço de venture capital.

O livro

O livro gira em torno de 3 grandes idéias. A primeira está na capa.

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De Zero a Um, o salto infinito

Segundo o autor, nosso progresso como humanidade pode se dar de duas formas. Por meio do progresso horizontal, que significa copiar e melhorar o que já funciona (ir de 1 a n), ou por meio do progresso vertical, esse mais difícil de se imaginar, que significa criar algo novo (ir de 0 a 1).

Construir um avião maior, mais rápido, e mais econômico é progresso horizontal. Fazer uma bugiganga de madeira e de pano voar é progresso vertical. A dificuldade de um sobre o outro pode ser ilustrada pelo tempo que levaram para ser construídos. Atualmente há mais de 20 mil aviões em operação no mundo que foram construídos ao longo de 100 anos de história da aviação. Por baixo uma média de 200 aviões por ano. Da invenção da pipa na China em 300 a.C. até Santos Dumont voar o 14-bis em 1906, foram mais de 2000 anos. Por baixo, uma média de 0.0005 aviões por ano.

Sobre esse ponto, Peter Thiel humildemente comenta que “o paradoxo de ensinar empreendedorismo é que tal fórmula necessariamente não pode existir. Como cada inovação é original e única, nenhuma autoridade consegue prescrever em termos concretos como ser inovador.”

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O  universo é exponencial, inclusive as distribuições

A segunda grande idéia por trás de De Zero a Um é a exponencialidade.

No primário aprendemos soma e subtração. Então desde o primário sabemos que 99 (=100-1) é maior que 1 (=1-0). Isso remete a seguinte pergunta, como que de 0 a 1 pode ser matematicamente maior que 1 a 100? A resposta é que não devemos subtrair, mas sim dividir. Enquanto de 1 a 100 temos um crescimento de 100x, de 0 a 1 temos um crescimento, matematicamente, infinito.

Segue uma breve dedução da teoria de limites para explicar o crescimento infinito: se dividirmos 1 por 0,1 temos crescimento de 10x; se dividirmos 1 por 0,01 temos crescimento de 100x; 1 por 0,001 ? 1000x; e assim por diante. No limite em que o denominador se aproxima de zero (0,000…0001) o crescimento se aproxima do infinito (1000…000x).

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Por trás dessa dedução matemática (ultra simplificada) está o conceito de crescimento exponencial, àquele que se multiplica ao invés de se somar. São exemplos de crescimento exponencial:

– juros compostos em que juros compõe em cima do principal e do juros acruado anteriormente;

– crescimento celular em que cada célula realiza mitose se multiplica por duas levando em 9 meses um zigoto a um bebê;

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– crescimento populacional em que cada casal tem na média mais que 2 filhos repondo e somando sobre a morte dos pais e assim crescendo exponencialmente a população do planeta;

– lei de Moore que observa que computadores ficam duas vezes menores e mais rápidos a cada dois anos (vide nossos telefones celulares);

– explosões nucleares em que a fissão de um átomo de urânio produz neutrons que por sua vez causam a fissão de átomos de urânio a sua volta, produzindo mais neutrons e desencadeando uma explosão exponencialmente devastadora;

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– tempo para se quebrar uma senha aumentando de 11 segundos para 4 dígitos numéricos para 22 séculos ao se adicionar aos 4 dígitos mais uma letra minúscula, uma letra maiúscula, e um caracter especial — nesse caso o crescimento também é conhecido como explosão combinatória

Moral: vivemos num mundo exponencial, e temos uma tendência de esquecer isso.

O autor portanto explora uma das implicações da exponencialidade do mundo, as distribuições exponenciais. Distribuição exponencial é aquela que, por exemplo, o primeiro teria 2x mais renda que o segundo, que teria 2x mais que o terceiro, que por sua vez teria 2x mais que o quarto, e a assim por diante. Para esse exemplo, no caso de um universo de 10 pessoas, seria como se o décimo ganhasse R$1k/mês e o primeiro ganhasse R$ 512k/mês, 29 vezes mais que o décimo.

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Vejamos agora as curvas acumuladas da distribuição da renda e da população lado a lado.

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Nesse exemplo, o primeiro e o segundo mais ricos ganham juntos 75% da renda. Ou seja, os 20% mais ricos ganham 80% de toda a renda.1

Isso remete a algo?

Pelo menos para mim, me recordo da regra do 80-20, também conhecida como o princípio de pareto. Afirmo: isso não é uma mera coincidência. O princípio de pareto é na verdade uma heurística que descreve a natureza das distribuições exponenciais.

Explicado o básico sobre distribuições exponenciais, Peter Thiel observa que o mundo do empreendedorismo também respeita essa distribuição. As melhores empresas crescem e lucram ordens de magnitude mais que suas concorrentes, e que isso se deve ao fato de elas, e somente elas, serem realmente inovadoras, ou seja, àquelas que resolvem um problema único ou de forma única, que vão de 0 a 1. Enquanto tais empresas realmente inovadoras têm lucros exorbitantes, todo o resto, ou seja àquelas empresas que resolvem problemas que todos sabem resolver, que vão de 1 a n, caem na armadilha da competição, e portanto tem lucros pequenos, virtualmente nulos.

  1. Os monopólios, aqueles que escapam da competição, mentem

No começo do livro o autor traça um paralelo entre duas indústrias: companhias aéreas e serviço de busca online.

Em 2012, companhias aéreas americanas tiveram US$160 bilhões de receita porém apenas U$286 milhões de lucro líquido. Ou seja, com base no preço médio de US$178 por passagem aérea, o lucro médio por ticket foi de apenas 37 centavos de dólar.

No mesmo ano, o Google, a maior empresa na indústria de busca online, teve US$50 bilhões de receita dos quais US$10.5 bilhões foram convertidos em lucro, uma margem líquida de 21%.

Ilustrado pelas duas indústrias acima, Peter Thiel faz a seguinte analogia:

“Tolstoy começa a obra Anna Karenina observando: ‘Todas as famílias felizes são parecidas; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira’. Empresas são o oposto. Todas empresas de sucesso são diferentes: cada uma ganhou seu monopólio resolvendo um problema único [de 0 a 1]. Todas empresas que falharam são iguais: elas falharam em escapar a competição.”

Encurtando a história, o autor atribui a diferença de rentabilidade das indústrias ao fato de uma ser monopolista e a outra ser comum, comoditizada, ultra competitiva. Ao monopolista dentro de sua própria indústria ele explica que “cada monopólio é único, mas que em geral todos eles compartilham da combinação das seguintes características: tecnologia proprietária, efeitos de rede, economias de escala, e marca/branding”.

Por exemplo, o algoritmo de busca do Google retorna resultados melhores e mais rápido, e ainda por cima de graça. Além da tecnologia proprietária de ponta e do melhor preço do mercado, o Google ainda tem a seu favor o efeito de rede (e.g. empresas otimizando SEO e comprando AdWords) e as economias de escala (e.g. dados coletados no Gmail sendo utilizados para aperfeiçoar resultados da busca). As companhias aéreas por outro lado vivem num mercado ultra competitivo em que todos os aviões são iguais (e.g. majoritariamente dos fabricantes Boeing ou Airbus) e os seus serviços de bordo parecidos. Para maioria dos clientes, o real diferencial entre companhias é o preço/custo benefício. Como em geral mais de uma companhia compete num mesmo trecho, a competição por preços é comum corroendo as margens de ambas companhias. No fundo, companhias aéreas não fazem nada que suas concorrentes não sejam capazes de fazer, fazem mais do mesmo, com outras cores e seu próprio programa de milhagem.

A análise acima, apesar de interessante, é bastante evidente. Como disse no começo do artigo, o autor faz muito disso: diz verdades óbvias, incontestáveis. Mas a parte mais interessante vem em seguida, quando o autor descreve como cada empresa descreve a si própria.

“Não monopolistas exageram sobre sua distinção ao definirem seus mercados como sendo a intersecção entre vários mercados pequenos”. Do resultado do 3Q17 da Latam, segue:

LATAM Airlines Group is Latin America’s leading airline group with one of the largest route networks in the world […], has one of the youngest and most modern fleets in the world, […] is the only airlines group in Latin America and one of three worldwide to be part of the Dow Jones Sustainability ‘World’ Index.3

“Monopolistas, por outro lado, disfarçam seu monopólio definindo o seu mercado como a união de vários mercados grandes”. Do relatório anual de 2016 da Alphabet (vulgo Google):

Google is not a conventional company. We do not intend to become one. […] Alphabet is a collection of businesses – the largest of which, of course, is Google. It also includes businesses that are generally pretty far afield of our main Internet products such as Access, Calico, CapitalG, GV, Nest, Verily, Waymo, and X.3

“Monopolistas mentem para se proteger. Eles sabem que ficar se exibindo sobre seu grande monopólio atrai escrutínio, auditoria, e ataque público. Já que eles querem que seus lucros monopolistas continuem fluindo, eles tendem a fazer o que puderem para esconder seu monopólio.”

Em suma, o livro constrói a seguinte narrativa:

Apenas empresas que vão de Zero a Um, ou seja, que resolvem um problema único ou de forma única, se beneficiam da distribuição exponencial dos lucros pois apenas elas detém vantagens competitivas difíceis de ser replicadas escapando da competição e auferindo lucros monopolísticos. Portanto, como empreendedores ou investidores de sucesso, seus alunos devem buscar construir monopólios.

Considerações e provocações finais

É inevitável não terminar o livro com uma visão sobre monopólios diferente da que começou. Tanto pelos exemplos de monopólio que o autor descreve, e.g. empresas incríveis com produtos incríveis como Google, Apple, Facebook, quanto pelas vantagens que uma empresas monopolista gera aos seus clientes.

Clientes beneficiados por monopólios? Sim. O autor comenta que para uma empresa “dinheiro é importante ou dinheiro é tudo. Monopolistas podem se permitir pensar em coisas além do dinheiro; não-monopolistas não tem o mesmo luxo. Numa perfeita competição, empresas estão tão focadas na margem de hoje que não conseguem sequer planejar o longo-prazo. Apenas uma coisa permite empresas de escapar da batalha diária de sobrevivência: lucros monopolísticos”. Logo, todos os benefícios de inovação que o Google nos oferece como clientes são possíveis, e somente possíveis, pois ele ganha tanto dinheiro com busca online que pode perder um pouco em projetos excêntricos como prover internet via balões 4, fazer entregas com drones5 ou desenvolver lentes de contato que monitoram a glicose de pacientes diabéticos.6

A parte da história que não fecha é – por que temos tanta repulsão da palavra monopólio? Como disse antes, monopólios mentem para proteger seus lucros monopolísticos, então parte da justificativa é evidente: a inveja. O mundo está cheio de invejosos, que não gostam quando alguém ganha mais que eles próprios. Mas será que isso explica tudo?

Eu não me considero invejoso, muito pelo contrário, sou louco de admiração e gratidão por empresas como o Google. E tendo a acreditar que muitos leitores terão a mesma instância. Por que será então que temos tanto asco à palavra monopólio?

Pensemos nos monopólios que não gostamos (ou que são no mínimo muito criticados):

– Petrobrás: por que pagamos mais na gasolina que o preço do barril lá fora? Como foi que a Petrobrás se tornou a empresa mais saqueada da história da corrupção brasileira?

– Correios: combinação de serviço ruim a preço alto, você sabia que muitas agências não vendem envelopes? E ainda dão prejuízo à federação tapando buraco com dinheiro de impostos.

– Cartórios: R$7 para reconhecer uma firma? R$5 para fazer uma cópia autenticada? Por que tenho que fazer registro civil neste cartório se tem um que é a 100 metros de casa?

– Detran: “fui multado indevidamente e estourei minha CNH; recorri à multa, perdi”. O que fazer agora? A quem recorrer?

Esses são alguns exemplos de uma lista interminável de monopólios que mal tratam o consumidor. Há outros menos óbvios como: o dinheiro — por que não podemos transacionar em dólares no Brasil? — ou as indústrias reguladas — por que eu não posso abrir meu banco e sair emprestando dinheiro? — ou as indústrias censuradas — por que eu não posso criar uma escola e optar por não seguir o currículo básico do MEC?

A verdade é que há monopólios que gostamos e monopólios que não gostamos, e que portanto o conceito de monopólio ou está mal definido ou não pode ser algo nem bom nem ruim. É como facas: facas são usadas para comer ou para matar. Facas por si só não são boas nem ruins, são apenas facas.

O que há de diferente entre monopólios que gostamos e que não gostamos? O que há de comum em monopólios que não gostamos? Segue a minha resposta:

Não gostamos de monopólios que são criados e garantidos pelo governo. Nesses somos mal servidos  e pagamos mais caro, e não temos sequer uma alternativa competitiva ou alguém para recorrer sobre tanta injustiça. Nós gostamos, por outro lado, de monopólios livres. Nesses somos bem servidos e a preços mais baratos, e se um dia cansarmos ou mudarmos de opinião, mudamos para o competidor melhor e mais barato. A real definição de monopólio é um privilégio (de venda, uso, etc) garantido pelo estado por meio da sua força de coerção estatal.

Por fim, Peter Thiel foi brilhante em sua analogia de Zero a Um, ele capturou em uma frase uma verdade óbvia porém não dita com frequência. Foi brilhante também em identificar que monopólios mentem. Com isso, deixo minha última provocação.

Muito é dito sobre diminuir o tamanho do estado, e esse artigo não é diferente. Defendo a diminuição do estado a fim de reduzir o número de monopólios ruins que destroem valor a todos. Mas isso é fácil, é como ir de 1 a n, só que ao contrário.

A raiz do todo monopólio nasce do maior monopolista de todos, o próprio estado. E o que ele monopoliza? O estado monopoliza a violência. Apenas ele pode roubar propriedade alheia (e.g. impostos), limitar a liberdade alheia (e.g. encarceramento), e inclusive matar (e.g. guerras). O estado monopoliza a violência, e com o monopólio aufere lucros monopolísticos por meio da exploração do seu povo.

O autor nos deu a dica sobre como identificar se o que digo é verdade. Monopólios mentem. Se o estado é de fato monopolista, ele está fazendo de tudo para esconder tal monopólio. Dois breves questionamentos: por que funcionários públicos pagam impostos, se o dinheiro sai de um bolso e entra no outro? Por que todos os políticos, de esquerda ou direita, dão tanta importância para a democracia e querem o seu voto

Como explicou o autor, o difícil é ir de 0 a 1. Por que não ao invés de buscar o estado mínimo, 1, não buscamos o melhor e mais difícil que é o estado nulo, 0? Por que não De Um a Zero?

Marcelo Castro Barbosa é engenheiro pela Escola Politécnica da USP e associado do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP).

Notas

1/ O exemplo ilustrativo pode parecer absurdo. Mas imaginemos algo mais plausível. Se ao invés de 10 tivéssemos 7 bilhões de pessoas, e ao invés de um crescimento de 2x tivéssemos um crescimento minúsculo de 1.000000002x. Começando no mais pobre, que para simplificar ganharia R$1 por mês, o mais rico ganharia R$3.8 milhões por mês, R$111 milhões por ano, R$820 milhões ao longo de 7.4 anos. Ou seja, o mais rico seria simplesmente alguém tão rico quanto o Neymar. Parece tão absurdo assim que nesse mundo uns vivem com R$1/mês e outros com a abundância do Neymar?

2/ Disponível em <http://phx.corporate-ir.net/External.File?item=UGFyZW50SUQ9Njg0NTQyfENoaWxkSUQ9Mzk0NDU1fFR5cGU9MQ==&t=1 >

3/ Disponível em <https://abc.xyz/investor/pdf/2016_google_annual_report.pdf >

4/ Project Loon

5/ Project Wing

6/ Google Contact Lens

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O Instituto de Formação de Líderes de São Paulo é uma entidade sem fins lucrativos que tem como objetivo formar futuros líderes com base em valores de Vida, Liberdade, Propriedade e Império da Lei.