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Por Nathalia Helou Frontini*
“Se as necessidades humanas são o ponto de partida, a metodologia de design thinking rapidamente passa a aprender criando. Ao invés de pensar o que construir, construir para pensar. Protótipos aceleram o processo de inovação. Porque apenas quando liberamos nossas ideias para o mundo que começamos a compreender suas forças e fraquezas. Quanto mais cedo fizermos isso, mais rapidamente nossas ideias evoluem”. Esta foi uma das frases citadas por Tim Brown em sua palestra para o TED, que leva o nome “Designers – Pensem Grande”.
Tim Brown é CEO e sócio da IDEO — a maior consultoria de design do mundo. Designer por formação, Brown e David Kelley, professor de Standford e fundador da IDEO, foram responsáveis por disseminar a metodologia design thinking. Tal abordagem utilizada por eles na IDEO foi um processo essencial para promover a inovação em inúmeras empresas no mundo. Fundada na década de 1990 em Palo Alto, na Califórnia, a IDEO foi responsável por desempenhar grandes cases de design, como o primeiro computador portátil e o primeiro mouse (para a Apple), bem como transformações que vão de engenharia à saúde, de tecnologia à educação, e que vem solucionando os mais variados desafios.
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Para Kelley, a expressão design thinking era uma forma de explicar a maneira como os designers pensam para desenvolver projetos. É como se fosse um pensamento para o design. Para Braun, pensar como um designer pode transformar a maneira como as organizações desenvolvem produtos, serviços, processos e, até mesmo, estratégias de negócios. A abordagem reúne o que é desejável do ponto de vista do ser humano com o que é tecnologicamente e economicamente viável. Também permite que pessoas não treinadas como designers usem ferramentas criativas para enfrentar uma série de desafios.
Mas, afinal, o que é o design thinking?
Embora a metodologia tenha ficado conhecida por conta do trabalho da IDEO, a própria empresa faz questão de reforçar ao mundo de que não foi ela quem criou conceitos. No fundo, os conceitos e práticas adotados já existem há alguns bons anos.
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E vale reforçar que já estavam presentes na mais influente escola de design do século XX: a Bauhaus. A escola tinha uma visão holística para o processo criativo e valorizava a experimentação e as percepções sensoriais para auxiliar no processo de criação.
Ao contrário do que muitos pensam, a metodologia de design thinking não diz respeito exatamente a projetos de design em si, tampouco é feita para designers. Mais do que isso, trata-se de ajudar empresas e indivíduos a pensar de uma maneira diferente sobre opções estratégicas e impactos na sociedade. O que podemos dizer é que, no fundo, consiste em uma maneira de fazer as pessoas pensarem como designers, com processos iterativos e criativos.
A partir da visão da IDEO, os principais pontos que sustentam a metodologia são três: a empatia, a colaboração e a experimentação. No fundo, se observarmos as inovações de grandes pioneiros da sociedade, sem dúvida iremos identificar que algum dos pilares do design thinking esteve presente. Em um artigo escrito por Tim Brown para a Harvard Business Review (2008), ele destaca que a invenção da lâmpada elétrica de Thomas Edison poderia ser considerada um dos primeiros exemplos do que hoje é considerado design thinking.
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Apesar de a lâmpada ser considerada sua invenção mais importante, sem um sistema de geração e transmissão de energia elétrica ela não teria tanto valor e poderia sumir. Por isso, Edison criou uma indústria também. Foi capaz de prever como as pessoas gostariam de usar o que ele fez e, assim, projetou em direção a esse insight.
“Muitas pessoas acreditam que a maior invenção de Edison foi o moderno laboratório de R&D de métodos de investigação experimental. Edison não era um cientista totalmente especializado. Ele era um generalista com um forte senso de negócios. Em seu laboratório, ele se cercou de talentosos engenheiros, improvisadores e experimentadores. Ele quebrou o conceito do “gênio inventor solitário”, criando uma abordagem baseada em equipe para a inovação, segundo seus biógrafos. Estes descrevem seu processo com rodadas intermináveis de tentativas e erros, o “1% de inspiração e 99% de transpiração” na famosa frase de Edison de definição de gênio”.
Em 2009, Tim Brown escreveu o livro Change by design – how design thinking transform organizations and inspires innovation, que, no Brasil, foi traduzido para Design thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. O livro apresenta tudo o que compõe sua essência — basicamente, tal ideologia focada em resolver problemas a partir de um olhar centrado no ser humano.
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Braun aponta que, ao longo do processo criativo, a inovação é alimentada por uma profunda compreensão, através da observação direta, do que as pessoas querem e precisam em suas vidas e o que eles gostam ou não. Por esse motivo, adota-se a empatia, pois ela diz respeito à atitude de se colocar no lugar do outro e ser capaz de observar suas reais necessidades. Dessa forma, as soluções que são criadas levam em consideração o que entrega valor para a necessidade do usuário, ao contrário do que se pensa que gera valor.
O processo de colaboração tem a ver com a importância de contar com pessoas multidisciplinares em uma equipe. Desse modo, a visão se torna mais ampla.
A experimentação é o processo de evoluir conforme se constrói. Aqui, podemos associar tal processo ao conceito de minimum viable product (MVP), desenvolvido por Eric Ries. É ao longo da experimentação que devemos errar o mais rápido possível para com os erros implementar as melhorias ao processo e ao produto. Um caso interessante de projeto liderado pela IDEO foi ter aplicado o design thinking na Cruz Vermelha. Entre as várias formas que a Cruz Vermelha americana proporciona ajuda humanitária, uma das mais importantes é a coleta de doação de sangue em grande escala. O principal desafio do projeto, então, era aumentar a porcentagem de doadores de sangue nos Estados Unidos de 3% para 4%. O mais interessante foi como o projeto se mostrou conduzido a partir de uma visão totalmente centrada nas pessoas. Apesar de muito ter sido pensado para proporcionar uma melhor experiência no momento da coleta, como uma sinalização melhor e assentos mais confortáveis, o detectado como mais relevante para as pessoas foi a motivação pessoal que fazia com que estas doassem sangue – a memória de um parente que havia partido ou o fato de alguém ter sobrevivido por conta da doação. Assim, o storytelling — que, inclusive, é uma das técnicas utilizadas no processo de design thinking –mostrou-se muito mais relevante e eficaz para apresentar a campanha de doação de sangue e criar um elo emocional com aquilo que motivava as pessoas a doar.
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Como se aplica o design thinking?
O mindset de design thinking adota diferentes frameworks (estruturas de trabalho) e está dividido por etapas que vão e voltam e evoluem ao longo do processo também chamado de iteração. Aqui, você vai encontrar a maneira como a consultoria Nielsen Norman Group aplica. Para lhe dar um breve panorama, esta consultoria foi fundada por Don Norman, que criou o termo user experience (UX) e é dedicada a oferecer orientações focadas na experiência do usuário para organizações líderes em todo o mundo.
A Nielsen Norman Group divide o processo em três grandes fases, as quais resultam em seis etapas:
- 1a fase — compreensão — em que ocorre a (1) empatia e a (2) definição.
- 2a fase — exploração — em que ocorre a (3) ideação e a (4) prototipagem.
- 3a fase — materialização — em que ocorrem os (5) testes e a (6) implementação.
A seguir, descrevemos um pouco sobre cada uma delas:
- Empatia: esta é uma etapa em que ocorrem análises e pesquisas, procurando-se levantar dados qualitativos sobre a persona ou o usuário. O objetivo é realizar entrevistas, observação, consultas e estudos para que se possa extrair uma compreensão das necessidades reais do usuário. O que tais usuários ou clientes fazem? O que dizem? O que pensam? E o que sentem? Estas perguntas fazem parte, inclusive, de um exercício que pode ser aplicado para liderar tais entrevistas e se chama Mapa da Empatia.
- Definição: após toda esta etapa de observação, o foco é levantar qual é o problema que esse usuário enfrenta. Mais importante do que sair definindo as soluções, deve-se ter clareza do problema que afeta o usuário. O problema que o usuário possui vai ser o que seu time irá focar em solucionar, e aí entramos na próxima etapa…
Ideação: aqui, é o momento em que devemos considerar uma ampla variedade de ideias em um processo de brainstorming. Devemos gerar as mais variadas e possíveis ideias que atendam às necessidades não solucionadas do usuário. A liberdade é fundamental para que aqueles que participam do processo possam gerar o maior número de ideias. Nada é exagerado, e a quantidade deve substituir a qualidade. - Prototipagem: etapa em que as ideias começam a se manifestar e tomar forma. Aqui, podemos, inclusive, utilizar também o conceito de MVP em que podemos realizar protótipos mais enxutos com usuários finais. Vale reforçar que os protótipos só devem consumir o tempo, o empenho e o investimento necessários para que gerem feedbacks úteis para levar a ideia para frente. O objetivo da prototipagem não é criar algo funcional, mas, sim, dar forma à uma ideia para que se possa identificar seus pontos fortes e fracos, dando novos direcionamentos à próxima leva de protótipos mais evoluídos.
- Teste: neste momento, testamos os protótipos com os usuários para obter feedbacks. Devemos identificar se a solução desenvolvida responde às dores do cliente ou usuário.
Implementação: por fim, a partir dos feedbacks levantados, a ideia deve ser implementada. Agora, é a hora de materializar a visão do que se identificou ao longo do processo e materializar o que fará a diferença na vida das pessoas.
Como vimos, estas são as etapas para conduzir o design thinking na prática utilizadas pela Nielsen Norman Group. No fim das contas, no DNA do design thinking sempre estarão presentes a empatia, a colaboração e a cocriação, e cada empresa empregará à sua maneira. Um ponto bastante curioso e destacado por profissionais que aplicam é o fato de que o erro deve ser visto como uma parte integrante de tal jornada.
Há quem apresente contrapontos
Como toda metodologia, sempre haverá prós e contras ou, principalmente, críticas com relação à forma como o processo é aplicado. No artigo “Por que o design thinking precisa de uma reconsideração para os negócios”, escrito para o MIT Sloan Management Review (2017), os autores Martin Kupp, Jamie Anderson e Jörg Reckhenrich que, nos últimos anos ajudaram mais de 20 empresas a implementar mais de 50 projetos de design thinking, comentam que, para a metodologia alcançar seu potencial completo, ela precisa estar mais alinhada com as realidades e a dinâmica social das empresas estabelecidas.
Para os autores, foram poucas as vezes em que viram as empresas tirarem grande proveito da metodologia. Como a metodologia se propõe a trazer soluções de inovação, de acordo com a vivência destes autores a inovação é um processo inerentemente confuso, pois entra em conflito com processos, estruturas e culturas corporativas já estabelecidas. No entanto, entendendo os desafios, é possível evitar armadilhas comuns.
A raiz do problema está na desconexão que existe entre o design thinking e os processos de negócios convencionais. Muitas vezes, as empresas são resistentes às visões difusas, uma antipatia vinda desde o C-level até os funcionários. E os funcionários tendem a se esquivar dessas novas mudanças que também exigem novos hábitos.
Outro problema está ligado às equipes, pois a metodologia exige equipes igualitárias e autossuficientes, mas não é assim que a maioria das empresas trabalha. Segundo os autores, as equipes que eles vivenciaram tendem a ter proprietários de processos que, muitas vezes, são gerentes seniores que determinam as tarefas aos membros das equipes e são responsáveis por seus resultados. Isso sem contar com o fato de, muitas vezes, esses gerentes liderarem vários projetos de design thinking ao mesmo tempo. Isso traz eficiência para eles que estão liderando, mas tira a eficiência das equipes e prejudica o comprometimento do grupo, reduzindo o progresso. Eles ressaltam quatro fatores culturais que tendem a agravar tais limitações estruturais, como:
- Especialização: especialização faz com que certos departamentos executem apenas determinadas tarefas, e isso faz com que tais pessoas tenham dificuldades de se comunicar, devido a pontos de vista muito específicos. Além disso, essas pessoas acabam sofrendo com a falta do que David e Tom Kelley chamam de “confiança criativa”.
- Choque com a velocidade humana: gerentes de departamentos como jurídico e assuntos regulatórios tendem a ver sua posição com um foco em impedir que as coisas aconteçam. As pessoas desses departamentos devem adotar uma atitude positiva e concentrar suas energias criativas na exploração de como outras coisas podem ser feitas. É preciso um tipo especial de liderança para permitir essa cultura de suporte em domínios funcionais tradicionalmente conservadores e avessos ao risco.
- Foco nos resultados monetários: muitas vezes, o foco está nos resultados monetários quando o foco deveria estar concentrado no aprendizado, e não no resultado. Ao focar no resultado, o processo pode eliminar a criatividade que, a longo prazo, trará os resultados lucrativos.
- Fobia por falhar: muitas empresas punem o fracasso, e reduzir o risco pessoal de fracasso acaba por reduzir a chance coletiva de sucesso.
Por que utilizar a metodologia
Assim como o scrum dá diretrizes para executar a gestão de projetos com agilidade e eficiência, o design thinking contribui para a criação e a inovação de produtos e serviços que solucionem os problemas presentes em nossa sociedade sob uma visão centrada nas necessidades humanas. Além disso, tal metodologia dá um norte para as equipes e abre um leque de oportunidades que podem ser identificadas.
Mesmo diante de desafios e limitações que, logicamente, vão existir ao longo do processo, ainda segundo os autores (Martin Kupp, Jamie Anderson e Jörg Reckhenrich) existem cinco etapas que ajudam a tirar proveito ao máximo de um processo de implementação do design thinking. Veja a seguir:
- Encorajar gerentes superiores a incentivar iniciativas como o design thinking: é importante que eles deem atenção à proatividade, participem e acompanhem o processo para impulsionar as ideias dentro da organização.
- Os times devem ser balanceados com departamentos diversos: é importante os membros reconhecerem e apreciarem a diversidade de suas experiências e habilidades.
3. Definir regras básicas: as equipes no processo de design thinking precisam de muita autonomia para funcionar bem, e definir algumas regrinhas básicas irá contribuir para que o processo flua, evitando que os membros tenham que pedir permissão para dar pequenos passos. - O design thinking deve ser visto como um processo integrado ao desenvolvimento de um projeto ou produto: não deve ser visto como um processo paralelo ao desenvolvimento.
- Redefina as métricas: as equipes não devem focar no lucro, mas no aprendizado.
Como este tema ajuda a sociedade em ser pioneira
Da revolução industrial à revolução tecnológica, vimos surgir inúmeras inovações que foram e são capazes de transformar não só desafios presentes na sociedade, mas também na maneira como nos relacionamos. No entanto, o processo de inovação não deve se sustentar apenas da tecnologia. Ele deve também olhar para as necessidades das pessoas e para os grandes problemas da atualidade.
Como o próprio Tim Brown reforça em seu livro, precisamos de novas escolhas – novos produtos que equilibrem as necessidades dos indivíduos e da sociedade como um todo; novas ideias que lidem com os desafios globais de saúde, pobreza e educação; novas estratégias que resultem em diferenças que importam; e um senso de propósito que inclua todas as pessoas envolvidas.
Para contarmos com uma sociedade pioneira, capaz de desenvolver projetos, produtos e iniciativas que ajudam a solucionar os grandes problemas presentes na sociedade, metodologias como a de design thinking podem ser transformadoras e auxiliar em nossa jornada.
Bibliografia
Brown, Tim. 1954 – Design thinking – uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias / Tim Brown com Barry Katz ; tradução Cristina Yamagami. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
https://sloanreview.mit.edu/article/why-design-thinking-in-business-needs-a-rethink/. Acesso em: 29 maio 2020.
https://hbr.org/2018/09/why-design-thinking-works. Acesso em: 29 maio 2020.
https://hbr.org/2008/06/design-thinking?referral=03759&cm_vc=rr_item_page.bottom#comment-section. Acesso em: 29 maio 2020.
https://www.ted.com/talks/tim_brown_designers_think_big?language=pt-br. Acesso em: 29 maio 2020.
*Nathalia Helou Frontini é Designer de Produto e Empresária na consultoria de Digital, Marketing & Branding – Allidem.