“As Seis Lições” de Mises e a PEC Kamikaze

Para que boas ideias sejam difundidas, inclusive pelos membros do poder executivo e legislativo, é necessário o empenho dos eleitores para votarem adequadamente em representantes adequados.

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(Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
(Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

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Por Lucas Garcia Martins*

A Proposta de Emenda à Constituição, conhecida como “PEC Kamikaze”, foi aprovada pelo Congresso em julho deste ano, e permitiu que o custeio do Programa Auxílio Brasil e de outros benefícios sociais, estimados em R$ 41,25 bilhões, seja contabilizado fora da regra do Teto de Gastos de despesas públicas.

Embora exista uma distinção temporal de mais de meio século, os ensinamentos de Mises são aplicáveis às recentes relacionadas aos gastos do governo para custeio de programas sociais e a outras questões contemporâneas envolvendo aspectos sociais, políticos e econômicos. Por essa razão, as Lições deveriam ser ponderadas pelos brasileiros, tanto pelos representantes da população que atuam no executivo e no legislativo, como pelos eleitores que pretendem eleger representantes competentes.

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A obra “As Seis Lições” (1979), foi elaborada pela viúva de Ludwig Von Mises e trata de temas abordados pelo economista nas palestras ministradas na Universidade de Buenos Aires, em 1958, nas quais discorreu sobre: (i) Capitalismo; (ii) Socialismo; (iii) Intervencionismo; (iv) Inflação; (v) Investimento estrangeiro; e, (vi) Políticas e ideias.

  1. Capitalismo

Mises explica o surgimento do capitalismo moderno como solução para a situação social enfrentada pela Inglaterra, no século XVIII, quando parte significativa da população era formada por “indigentes a quem o sistema social em vigor nada proporcionava”. Algumas dessas pessoas se reuniram para estabelecer pequenos negócios e produzir bens para a classe baixa da sociedade. Daí surgiram as novas indústrias que, através da produção em massa, foram capazes de satisfazer as necessidades da população.

O capitalismo revolucionou o sistema de produção, aumentando e sua eficiência e possibilitando que as camadas sociais mais baixas passassem a ter acesso a artigos antes indisponíveis. Além disso, gerou a possibilidade de mobilidade social, inexistente no feudalismo (sistema anterior).

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Tanto é assim, que a pobreza no mundo vem diminuindo constantemente: “Entre 1990 e 2015, o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, com US$ 1,90 (R$ 7,90) ou menos por dia, caiu de 1,9 bilhão para 735 milhões. Isso significa que a parcela da população global considerada pobre, por essa definição, caiu de 36% para 10% no mesmo período[1].

As indústrias e o capitalismo, ao contrário do que afirmam os socialistas, não diferenciam o empregado do empregador, eis que servem para atender toda a população, em especial, os próprios trabalhadores. A precariedade do trabalho e a baixa qualidade de vida se relacionam à disponibilidade de capital, o qual é fundamental para que ocorram progressos sociais.

Portanto, a solução de problemas sociais está atrelada ao aumento de riquezas e à majoração da eficiência dos meios produtivos. Assim, as dificuldades enfrentadas em decorrência dos “efeitos do estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados” deveriam ser resolvidas através do aumento da produção de riquezas, o que não se alcançará com o “Auxílio Brasil”.

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  1. Socialismo

Mises relaciona o socialismo à restrição de liberdades, vez que o sistema é desenhado para restringir o poder de escolha da população, exercido integralmente pelo governo. O socialismo e as restrições de mercado não melhoram as condições de vida, tampouco a forma e a remuneração pelo trabalho.

Em sentido contrário, estimula a redução da produtividade e da geração de riquezas, pois retira o “cálculo econômico” das premissas de produção. Como prova disso, “o socialismo na Rússia não ocasionou, em média, uma melhoria nas condições do homem comparável à melhoria de condições verificada, no mesmo período, nos Estados Unidos”.

De igual modo, a medida assistencialista proposta pelo governo, além de aumentar o endividamento do estado, beneficiará, em detrimento de outras, pessoas que não produzem nem geram riquezas. “A pergunta que deve ser feita neste caso é: você, como indivíduo, se disporia a pagar mais por algo, digamos, um pão, se for informado de que o homem que fabricou tem seis filhos?

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  1. Intervencionismo

Mises aponta que o governo, em um sistema livre de economia de mercado, tem “o dever de proteger as pessoas dentro do país contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de defender o país contra inimigos externos”. Ao realizar medidas intervencionistas, o governo “não somente fracassa em proteger o funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere em vários fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juros e nos lucos”.

O autor cita exemplos dos riscos e da ineficiência do intervencionismo, como o caso do imperador Diocleciano e da Revolução Francesa. A definição do preço de um produto para maior disponibilização à população, por exemplo, reduz a rentabilidade, produção e disponibilização deste. Isso implica a intervenção no preço dos insumos, a fim de que o produto volte a ser produzido. A escassez se repete em relação ao insumo, implicando em sucessivas intervenções, até chegar em um ponto que o governo controla “todos os preços, padrões salariais, taxas de juros, em suma, tudo o que compõe o sistema econômico é determinado por ele. E isso, obviamente, é socialismo”.

Assim como a intervenção nos preços, a imposição de medidas como o pagamento do “Auxílio Brasil” desconsiderando o “Teto de Gastos” poderá implicar, a longo prazo, de forma negativa à economia. Tanto é assim, que antes mesmo de ser aprovada, a medida implicou no aumento do dólar e na queda da bolsa[2].

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  1. Inflação

Mises demonstra a ocorrência da inflação com exemplo nos quais foi disponibilizada uma maior quantidade de moeda em circulação. “Se a quantidade de dinheiro aumento, o poder de compra da unidade monetária diminui, e a quantidade de bens que pode ser adquirida com uma unidade desse dinheiro também se reduz”.

Apesar de gerar uma sensação momentânea de aumento de poder de compra benefícios para determinados grupos, a inflação gera prejuízos, como a redução do poder de compra e falta de estabilidade econômica. A solução para as situações em que as receitas do estado são menores do que as despesas, é o aumento da tributação – o que muitas vezes não é realizado por ser pouco populista.

No atual cenário vivenciado pelo Brasil, em sentido contrário ao aumento das despesas públicas e pagamento do “Auxílio Brasil”, uma solução mais adequada seria a redução de outros gastos, o que poderia ser feito através de Reforma Administrativa, da redução de fundos eleitorais e/ou dos diversos auxílios e benefícios concedidos aos membros dos três poderes.

  1. Investimento Externo

Mises afirma que a diferença no padrão de vida não é relacionada à qualidade dos trabalhadores, empresários ou equipamentos das fábricas de cada país, mas à “disponibilidade de capital” – que deve ser alcançada através da produção de riquezas. Se a indústria for mais efetiva, terá maior receita e margem para aumentar o salário dos trabalhadores: sendo este último reflexo dos dois primeiros, e não o contrário como tentam impor os sindicatos.

O requisito fundamental para que haja no mundo uma maior igualdade econômica é a industrialização”, a qual depende de capital. O investimento de capital estrangeiro sempre foi importante para a implementação de indústrias, motivo pelo qual deve ser bem-visto pelos governantes, em especial, de países em desenvolvimento, que deverão evitar medidas que reduzam o interesse de investidores.

  1. Políticas e Ideais

Mises entende que o sistema constitucionalista partiu do pressuposto de que todos buscariam o bem-estar das nações. Em teoria, o governo não interferiria nas condições econômicas do mercado: filosofia social e econômica que o intervencionismo veio a suplantar.

Ocorre que, os partidos políticos acabaram se tornando “grupos de pressão” formados por pessoas que desejam obter privilégios às custas dos demais, o que gerou o aumento dos gastos públicos e reduziu o poder das nações/parlamentos para resistir às ações de tiranos. O intervencionismo se relaciona à inflação, vez que os defensores de determinado grupo não permitem alterações/restrições de investimentos do estado para beneficiar os seus representados.

Mises conclui afirmando que, muito embora existam diversas ideias contrárias à evolução da sociedade, atualmente, há espaço para discussão das diferentes formas de pensar, o que traz esperança e motiva a propagação de boas ideias.

Para que boas ideias sejam difundidas, inclusive pelos membros do poder executivo e legislativo, é necessário o empenho dos eleitores para votarem adequadamente em representantes adequados. É provável que, caso a PEC Kamikaze tivesse sido analisada com base nas Lições de Mises, o governo teria concluído que a medida é inapropriada. Como ponderou Grover Cleveland, quando do veto do pagamento de auxílio à comunidade necessitada: “É dever do cidadão manter o governo, mas não dever de o governo manter os cidadãos.

*Lucas Garcia Martins é Associado do IFL-SP, sócio das áreas de Startup Hub e Trabalhista do Souto Correa Advogados e especialista em Direito Empresarial pelo Insper.

[1] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50077214 Acesso em 12/09/2022.

[2] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/10/21/licenca-para-furar-teto-por-auxilio-brasil-desagrada-mercado-entenda.ghtml

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