As seis lições de Ludwig von Mises que marcam o pensamento liberal

Obra "As seis lições" expõe em linguagem acessível um resumo conceitual e histórico do fracasso das políticas socialistas do último século.

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Por Victor Stabile*

Em 1958, o economista austríaco Ludwig von Mises foi convidado a ministrar uma série de palestras na Universidade de Buenos Aires, as quais mais tarde seriam transcritas por sua esposa e publicadas como o livro As Seis Lições em 1979.

Mises visitou a Argentina em um ano de bastante otimismo entre os liberais daquele país, pois marcava o fim da ditadura militar que derrubou o antigo presidente socialista Juan Domingo Perón em 1976.

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Sabemos hoje que o otimismo argentino duraria pouco, porém o livro que registrou tais palestras tornou-se a obra mais vendida do autor, em grande medida por sua linguagem acessível, influenciando até hoje o pensamento liberal em todo o mundo.

A primeira lição do livro é uma curta introdução histórica ao capitalismo, refutando as críticas mais comuns a esse sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção.

Segundo Mises, antes do desenvolvimento do capitalismo moderno, a sociedade caminhava para uma crise ao estilo malthusiano, devido à disponibilidade limitada de recursos naturais para sustentar uma população crescente e improdutiva.

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Neste contexto, o capitalismo surgiu como uma inovação necessária, que através da produção em massa e aumento de produtividade não apenas viabilizou o crescimento demográfico, mas também elevou a qualidade de vida de todas as camadas sociais.

Apesar de ter sido a solução para os problemas sociais e ambientais no século XVIII, o capitalismo é atualmente criticado por supostamente originar esses mesmos problemas na sociedade moderna. Embora a história já tenha nos mostrado as falhas nas críticas sociais de Karl Marx, a narrativa das questões ambientais é o foco da oposição ao capitalismo de livre mercado nos dias de hoje.

Em sua segunda lição, Mises expõe as falhas decorrentes do planejamento central que define o sistema socialista. Argumenta que as liberdades sociais são indissociáveis da liberdade econômica, visto que sem esta última as pessoas não podem buscar seus próprios fins. Sem a aprovação da burocracia estatal, não poderiam definir suas próprias carreiras, perseguir projetos artísticos, científicos e empresariais, como também poderiam ter seu acesso a meios de comunicação restringido e até mesmo serem isoladas geograficamente caso representarem ameaça ao regime.

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Este estado de coisas não é prejudicial apenas ao próprio indivíduo, como também ao coletivo, uma vez que priva a sociedade de inovações que só seriam descobertas em um sistema de livre experimentação. Infelizmente, ainda hoje há uma grande parcela da população que acredita que o Estado é capaz de solucionar todos os problemas, mesmo após décadas de observações contrárias.

Na terceira lição, sobre o intervencionismo, Mises demonstra como as reiteradas tentativas do Estado de controlar preços de bens específicos em um mercado de outra forma livre, resultam na escassez destes mesmos bens. Isto o obriga a estender o controle de preços ao próximo nível da cadeia de produção e assim sucessivamente, incluindo até mesmo os salários de quem nela participa, sendo impelido no limite ao socialismo.

Entre os exemplos citados na obra está o controle de aluguéis, que apesar de seu desastroso histórico foi novamente implantado pela prefeitura de Berlim em janeiro de 2020 para apartamentos construídos antes de 2014. Como resultado, surgiram dois mercados imobiliários distintos na cidade, o de imóveis antigos cujo preço foi reduzido, porém não se encontram mais unidades disponíveis, e o de imóveis novos, cujo preço subiu muito mais rapidamente que o de outras cidades do mesmo tamanho.

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O livre mercado dificilmente reverterá esse cenário, visto que foi criado um precedente perigoso que desincentiva investimentos em novos empreendimentos imobiliários. Deste modo, em setembro de 2021, a população votou em um referendo pela expropriação de mais de 200.000 unidades residenciais na cidade, caminhando na exata direção prevista por Mises.

A quarta lição diz respeito à inflação, definida como a expansão da base monetária de um país, que resulta em uma elevação de preços generalizada, ainda que não homogênea. Mises reforça que este fenômeno não é natural da economia ou inevitável, mas sim fruto de uma política premeditada para combater o desemprego no curtíssimo prazo em detrimento da estabilidade e equidade econômica nos médio e longo prazos. Não surpreenda que esta seja mais uma das lições do livro ainda ignorada pela classe política e suas bases eleitorais.

Desde o início da atual pandemia, os bancos centrais de todo o mundo recorreram à expansão de suas bases monetárias para estimular suas economias, seja através de operações no mercado aberto para redução de suas taxas básicas de juros, mas também através da distribuição direta de renda com os chamados auxílios emergenciais. O resultado, também não surpreendente, foi o aumento de preços de bens de consumo, assim como um aumento ainda maior de preços de ativos financeiros e imobiliários, amplificando ainda mais a desigualdade econômica.

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Ainda que tecnicamente a inflação possa ser evitada como defende Mises, na prática os incentivos políticos parecem torná-la inevitável em uma democracia na qual o Estado detém controle sobre o dinheiro. Justamente para evitar a perpetuação deste estado das coisas, o Bitcoin foi inventado em outubro de 2008, não coincidentemente durante a última grande crise financeira, e se apresenta como um sistema monetário alternativo e livre de intervenção estatal.

O quinto capítulo é sobre investimentos externos, desenvolvendo a ideia de que a diferença de renda e padrão de vida entre diferentes países não resulta de atributos pessoais de seus trabalhadores, mas sim da diferença na disponibilidade de capital nestes países.

Segundo Mises, é o acúmulo de capital que torna os trabalhadores de um país mais produtivos e é a sua produtividade que lhes confere maior renda e melhor padrão de vida. Desde o século XIX, o investimento externo, especialmente de origem inglesa, tornou-se a ferramenta mais importante na aceleração do acúmulo de capital por outros países então menos desenvolvidos.

Entretanto, desde o período da Primeira Guerra Mundial, diversos países passaram a expropriar o capital estrangeiro neles investido, seja na forma de calote de dívidas, seja pela nacionalização de empresas estrangeiras em seus territórios. Este problema persiste até hoje e desestimula o investimento externo exatamente nos países onde ele é hoje mais necessário.

A sexta e última lição é sobre política e ideias, tratando da origem e evolução do sistema político partidário. Mises explica que este sistema nasceu baseado na premissa de que diferentes grupos, todos em busca do bem comum, discutiriam suas diferentes ideias entre si e com a sociedade, de modo a convencer a maioria absoluta de que determinado caminho seria o melhor para todos.

No entanto, era também suposto que o governo não poderia intervir nas condições econômicas do mercado. Ao se violar esta última premissa, tais grupos passaram a ser incentivados a representar não mais toda a nação, mas sim segmentos específicos da indústria e sociedade em busca de benefício próprio, tornando-se verdadeiros grupos de pressão.

Ao final, Mises explica a queda do Império Romano como consequência de políticas similares às praticadas em seu tempo e que persistem até hoje. Segundo ele, a inflação causada pela manipulação de sua moeda levou os romanos a intervir cada vez mais na economia, especialmente via controle de preços. Isto resultou em uma grave escassez de produtos, incluindo alimentos, forçando uma migração cada vez maior das cidades para o campo, onde a produtividade e padrão de vida das pessoas se deteriorou e levou ao enfraquecimento militar do império.

Em sua conclusão, Mises afirma que hoje podemos evitar esse destino, já que possuímos conhecimento sobre as consequências das medidas que levaram o Império Romano a ruir, cabendo apenas a nós evitá-las. Este é exatamente o objetivo atingido pela obra, ao expor em linguagem acessível um resumo conceitual e histórico do fracasso das políticas socialistas do último século. Apesar de seu conteúdo ter mais de 60 anos, sua leitura ainda é provavelmente a melhor introdução ao pensamento liberal voltada ao público em geral. Se este conhecimento fosse mais difundido, talvez haveria menos espaço para as políticas intervencionistas e inflacionárias ainda praticadas pelos governos de todo o mundo.

Victor Stabile é fundador e CEO da Liber, fintech que antecipa mais de R$ 2,5 bi por mês em recebíveis para fornecedores de grandes empresas. Formado em Engenharia Física pela Universidade Federal de São Carlos, tem 18 anos de experiência em desenvolvimento de software e empreende há 12 anos com tecnologia em diversos setores como educação, e-commerce, mídia e serviços financeiros

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