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Por Sabrine Lowy*
Dale Carnegie, autor reconhecido mundialmente pelo seu best-seller Como fazer amigos e influenciar as pessoas nasceu em Maryville, uma pequena cidade americana no estado do Tennessee, no ano de 1888. Seus pais eram fazendeiros e a sua tarefa na infância era ordenhar as vacas todas as manhãs antes de ir para a escola. Dale nunca se contentou com a vida simples de sua família e trilhou seu caminho buscando se afastar da condição em que nascera.
Dale se destacou em oratória na escola, virou vendedor, cursou faculdade de Dramaturgia e passou a dar aulas de Oratória na Y.M.C.A. A partir disso, observou que o interesse por suas aulas de “discurso efetivo e relações humanas” disparava, atraindo desde estudantes até vendedores e executivos de grandes corporações. Então, passou a dar aulas para executivos de empresas do mundo inteiro. Em 1915, Dale transforma suas aulas em um livro, publicando-o com o nome de Public Speaking: A Practical Course for Businessmen e, já em 1936, publica o livro que se tornaria o seu maior sucesso: How to Win Friends and Influence People.
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Com a simples temática central de que “quando você é legal com as pessoas, é mais provável que elas sejam legais de volta”, Dale viu seu livro tornar-se um sucesso na época. Era 1936, fim da Grande Depressão, e a taxa de desemprego nos Estados Unidos era de 16,9%, ou seja, praticamente ninguém estava contratando. Quem tinha emprego, queria mantê-lo, e o livro de Carnegie incluía bons conselhos para quem não quisesse ser demitido. Com princípios simples e objetivos, ele oferece conselhos sólidos e ajuda seus leitores a alcançarem o melhor resultado de suas relações interpessoais, a superarem seus receios e medos e a estimularem sua autoconfiança. Indo mais longe, e analisando apenas sob uma ótica de negócios, a obra também fornece ao leitor ferramentas para se colocar em uma posição privilegiada em qualquer discussão/negociação.
De forma geral, os princípios expostos são elaborados de forma que, ao final da leitura, o interlocutor tenha ferramentas para: (i) tornar-se uma pessoa mais amigável; (ii) conquistar as pessoas para o seu lado; e (iii) mudar atitudes e comportamentos.
É possível dissertar por horas sobre cada tópico; Carnegie inclusive escreveu um livro com mais de 250 páginas apenas cobrindo um deles. Já traduzi-los para o contexto atual é uma tarefa um pouco mais complexa. Como podemos aplicar os mesmos conceitos (ou versões similares deles) em uma sociedade que emerge de um período longo de isolamento, pós-pandemia, com indivíduos mais imediatistas e imersos no mundo virtual nas esferas pessoais e profissionais, em que suas relações muitas vezes são construídas apenas no âmbito digital?
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Carnegie ensina as pessoas a serem “flexíveis e agradáveis”, a saberem se “enturmar”. São conselhos muito úteis e que, de fato, promovem um resultado. Entretanto, na hora de desenvolver relacionamentos de forma virtual, como, por exemplo, em reuniões através de videoconferências, “incentivar as pessoas a falar sobre elas”, “deixar a outra pessoa falar a maior parte da conversa “ e “tornar-se, verdadeiramente, interessado na outra pessoa” podem ser tarefas mais difíceis para alguém que já está incontáveis horas atrás de uma tela, sentado, com um fone de ouvido, falando com diversas pessoas ao mesmo tempo, mas sem nenhum contato físico verdadeiro com seres humanos.
Essa falta de presença física na construção de relações, além de não gerar bem-estar ao indivíduo (afinal, do ponto de vista biológico, o ser humano necessita de contato com seus iguais para desenvolver um “pertencimento”), dificulta a leitura de gestos e postura corporal, fatores fundamentais para que qualquer pessoa saiba como lidar e desenvolver relações humanas. A influência de gestos e postura corporal nas relações humanas é um tema tão importante que se tornou um campo de estudo para agentes americanos do FBI (Federal Bureau of Investigation). Um deles é o Dr. Jack Schafer, que traz em seu livro “Manual de Persuasão do FBI” os princípios utilizados por seus agentes para ter mais sucesso na construção de relações, fortalecimento da confiança com terceiros e na obtenção de informações sensíveis durante investigações.
Dessa forma, trazendo-se os ensinamentos de Dale para o contexto atual, “Despertar emoções e um forte desejo na outra pessoa”, “dramatizar as ideias” e até mesmo “sorrir” são princípios que, por mais que tenham certa capacidade de influenciar como os indivíduos irão se sentir do outro lado de uma tela, não terão a mesma eficácia que se fossem praticados entre duas pessoas em um mesmo ambiente físico, onde é possível visualizar o corpo inteiro dos participantes. O agente que promove a fala/ação pode até tentar passar emoções e sentimentos através da escolha de palavras e entonação da voz, mas não conseguirá despertar emoções e sentimentos possíveis apenas por sinais corporais e gestos sutis.
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Por fim, um fator que pode ser discutido sobre a obra de Carnegie e sua fidelidade e aplicação ao contexto atual são os exemplos usados para ilustrar cada um dos princípios. O livro de Carnegie é um compilado de estudos de caso de grandes homens e suas realizações, tais como Benjamin Franklin, Abraham Lincoln e Lloyd George, primeiro-ministro da Grã-Bretanha durante a Primeira Guerra Mundial. De forma geral, ele escreve que os verdadeiros líderes andam com suavidade; fazem perguntas e nunca dão ordens; tecem elogios aos colaboradores e nunca insistem em seus erros; são discretos e encorajadores, jamais cruéis. Eles são autoritários, mas gentis.
Tais características, de fato, tornam líderes pessoas mais respeitáveis e contribuem para que outros se sintam inclinados a segui-los. Porém, em um mundo onde as figuras e reputação dos líderes são construídas não apenas através de suas ações e falas, mas também através de sua presença virtual em redes sociais e demais canais digitais, os exemplos utilizados por Carnegie podem não despertar o mesmo senso de validação dos conceitos no leitor.
O leitor do século XXI se encontra em uma realidade onde figuras como o atual presidente Jair Bolsonaro constroem a sua rede de apoio através de sua presença em diversos canais digitais e notícias veiculadas pela mídia. Também faz parte desse cotidiano líderes como o empresário Elon Musk, quem difunde as suas ideias, aspirações e feitos através de posts no Twitter. Não só Musk lidera hoje o ranking de pessoas mais ricas do mundo, como também foi eleito como a personalidade do ano pela revista Time em 2021 e, sem sobra de dúvidas, considerado um business influencer de imensurável alcance.
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Além de ter uma sólida reputação, para liderar no ambiente de trabalho atual é preciso aprender a desenvolver equipes remotas, tendo cada colaborador dentro de sua própria casa, onde claramente vários outros fatores “externos” podem interferir em seu desempenho. Adicionando a isso, com o trabalho cada vez mais remoto, os líderes têm que aprender também a lidar com equipes multiculturais, uma vez que alguns colaboradores podem estar trabalhando do outro lado do mundo. Acredito que teria sido muito difícil para os líderes expostos por Dale Carnegie entenderem como é possível um líder nos Estados Unidos desenvolver um produto com uma equipe de programadores de software ucranianos, vendê-lo para clientes na América Latina, tendo o pós-venda baseado na Índia.
Em resumo, por mais que a obra de Carnegie ainda possa ser válida e largamente aplicável para as interações humanas no século XXI, no mundo pós-pandemia em que vivemos atualmente existem algumas situações e comportamentos humanos que sofreram drásticas mudanças. Portanto, a sociedade não se beneficiará da mesma forma que no passado com os princípios de Dale Carnegie. O mesmo vale para os exemplos que o autor utiliza para ilustrar e validar esses princípios.
É preciso que os pensamentos sábios e atemporais do autor sejam transcritos de forma a refletir com maior acurácia a realidade da sociedade atual. Fica aqui a provocação para a elaboração de uma releitura de Dale Carnegie: “Como fazer amigos e influenciar as pessoas em um mundo pós pandemia.
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*Sabrine é graduada em engenharia de produção pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, Brasil) e atualmente Associada de Venture Capital na Mindset Ventures. Apaixonada por esportes e ex-atleta profissional de nado sincronizado, Sabrine iniciou sua carreira em uma boutique de Fusões e Aquisições e teve passagens ao longo de sua carreira por instituições de ensino, como Saint Paul Escola de Negócios (São Paulo, Brasil) e Universidade de Stanford (Califórnia, Estado Unidos).