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Por Daniela Villagra*
Nas eleições de 2022, o que está muito em pauta é a defesa da democracia. Tópico que ressurgiu com muita força no Brasil nos últimos anos. Em ambos dos lados, percebemos a preocupação com o respeito e proteção da democracia.
Antes de tudo, é preciso entender o que é democracia. É um regime de governo em que todos os cidadãos possuem direito igual à participação no sistema político, com a ideia de que a origem do poder está nas mãos do povo. Uma ordem eleitoral em que todos os cidadãos podem escolher seus governantes direta ou indiretamente. E alguns princípios fundamentais são: liberdade de expressão de opiniões políticas, multiplicidade ideológica, liberdade de imprensa, igualdade de direitos e alternância de quem está no poder.
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A democracia surgiu na Grécia Antiga, porém com alguns conceitos diferentes de como é entendida hoje. Nem todos os cidadãos podiam participar da vida política da época, então, Atenas era uma democracia limitada e excludente. Estimasse que 10% da população desfrutava de direitos democráticos.
À primeira vista, um sistema em que todos possuem os mesmos direitos políticos, em que os políticos são alterados, parece um modelo justo. E, com certeza, muito melhor do que ditaduras em que há autoritarismo e violação de liberdades. Diferentemente de monarquias ou ditaduras, a democracia limita o tempo de permanência do governante, com a possibilidade de governados escolherem seu governante.
Mas será que esse modelo realmente gera o desenvolvimento da sociedade de forma justa como o esperado? É o questionamento de Hans-Hermann Hoppe na obra Democracia, o Deus que falhou.
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A primeira provocação do autor é justamente se ter um governante temporário é, de fato, algo bom para a sociedade. Hoppe faz uma comparação com a monarquia nesse sentido, pensando mais em uma gestão privada do governo, pois o monarca possui não só o capital mais a sua governança é garantida no longo prazo. Ele a compara com a democracia, que seria uma gestão pública, com um governante que fica no poder temporariamente e precisaria agradar a massa de seus eleitores para garantir que seu mandato se renove e aumente sua permanência no poder. Hoppe chama esse segundo governante de “zelador temporário”, pois seu foco será sempre no curto prazo.
O zelador de uma gestão pública não possui os direitos do capital do Estado, portanto, não possui a mentalidade de ação ou investimento de longo prazo. Seu foco é como garantir um progresso, ou pelo menos uma ilusão de progresso, de curto prazo, que não será necessariamente interessante para o país no futuro, mas fundamental para a reeleição. São assim as políticas populistas que são prometidas sempre a cada 4 anos, tanto por políticos de esquerda quanto de direita.
Políticas populistas na América Latina se caracterizam por políticas públicas que irão beneficiar o mais pobre ou necessitado, de um modo que o político assuma a imagem de um líder carismático, e o Estado, um papel paternal. O populismo leva a um auxílio momentâneo, que nem sempre está focado em resolver a causa do problema, mas sim em remediá-la com um subsídio ao mais necessitado. Não há garantia de que essa dependência entre indivíduo e Estado será resolvida. Afinal, quanto mais o cidadão depende do Estado, mais o seu voto pode ser influenciado para próxima eleição. Portanto, Hoppe adota a premissa de que os estadistas não possuem incentivo para fazer com que os cidadãos possam ter qualidade de vida por conta própria, não precisando mais do Estado.
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E os gastos populistas e mau gerenciamento do capital público não são de responsabilidades do governante, ou do zelador temporário, mas sim das próximas gestões que terão que lidar com as consequências. E o próximo zelador terá que lidar com as consequências das políticas de curto prazo anteriores, com o mesmo nível de responsabilidade do antigo governante, e também com o interesse de ações de curto prazo a fim de disfarçar os problemas temporária e artificialmente.
Como, por exemplo, aumentar o salário mínimo. À primeira vista, parece ser uma atitude nobre e correta, pois ninguém quer miséria e fome. Porém, não leva em consideração o efeito que isso causa no mercado, de que muitas empresas e organizações não poderão bancar esse novo salário. Portanto, o mais necessitado, além de não conseguir ganhar mais conforme a lei populista, ainda tem chance de perder o seu emprego e toda a sua renda. Ou seja, ficando pior do que antes.
Mesmo esse argumento parecendo racional, ainda temos a ideia de que, nos últimos 200 anos, o mundo se desenvolveu como um todo, econômica e socialmente, com níveis maiores de riquezas e qualidade de vida. O índice de pobreza mundial caiu de 66% em 1981 para 42,9% em 2018 segundo a plataforma de pesquisa Macro Trends. Como também a taxa de livre comercialização aumentou de 58,5 em 1995 para 69,5 em 2022 segundo o Heritage Foundation. Ou seja, justamente quando passamos de um modelo de monarquia e feudalismo para o modelo de democracia. Porém, não foi apenas essa mudança que ocorreu no mundo. Também houve o capitalismo, a Revolução Industrial que possibilitou um aumento de produtividade nunca visto antes, impulsionando uma migração de milhares de pessoas que passavam fome nos campos da Europa para as cidades para trabalharem em indústrias e serem comerciantes.
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A pergunta de Hoppe é: será que o mundo cresceu por conta da democracia ou apesar dela? Note que uma correlação não significa uma relação de causa e efeito. O crescimento de qualidade de vida, tecnologia e inovação no mundo foi impulsionado quando as sociedades se democratizaram, porém, não significa que foi a democracia que causou essa melhoria.
Uma de suas principais críticas à democracia é que esse sistema leva invariavelmente ao assistencialismo. O assistencialismo, segundo Hoppe, é ajudar alguém que precisa de ajuda. Como o Estado não é um gerador de riqueza, e seus recursos são proporcionados por impostos, o que é feito, na prática, é tirar de uns para dar a outros.
Um exemplo de assistencialismo seria o de políticas de redistribuição de renda, ou seja, tirar dos mais ricos para dar aos mais pobres. Do rico que visou o acúmulo de capital a longo prazo, de quem soube investir e gerenciar os recursos para maior produtividade e lucro. Para aquele que não produz ou que não teve sucesso produzindo e satisfazendo o mercado. Para o autor, é a punição do sucesso de quem produz e a recompensa daquele que não produz de forma sistemática.
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Esses princípios e valores têm reflexos na cultura ou, melhor, na preferência temporal do cidadão, gerando uma preferência de consumo e investimento focado no curto prazo, levando consequentemente a piores escolhas, e, portanto, à maior necessidade de assistência do Estado. Além disso, gera menos incentivo a correr riscos, a estudar para tomar melhores decisões de longo prazo e a pensar no futuro.
E, para o Estado conseguir manter suas ações populistas, que cada vez mais são mais necessárias, é preciso de mais dinheiro, ou seja, aumento constante de impostos. Os dados de um estudo do BNDES confirmam: a carga tributária mundial amentou de 13,8% em 1947 a 32,4% em 2014.
O aumento de tributação leva ainda a menos incentivos a ser produtivo, e mais pessoas produzindo menos ou demonstrando antecipações ruins de mercado.
Sendo este o seu propósito ou não, o Estado de bem-estar social promove a proliferação de pessoas intelectualmente e moralmente inferiores. Para Hoppe, a civilização ocidental está em um curso de autodestruição e o Estado destrói a lei e a ordem. Para ele, o ideal não seria retornar à monarquia, mesmo ele sendo da opinião que um governo privado seria melhor que um governo público, por ter mais responsabilidade e, portanto, a mentalidade de longo prazo. Mas a solução para ele seria um modelo puro de propriedade privada que garantiria a ordem e a lei.
O autor faz uma comparação interessante entre Estado e uma empresa. Se fosse no setor privado, uma empresa jamais assinaria um contrato dando poder de certo serviço exclusivamente para outra. E que ainda essa outra é o que define o que é um serviço bom e qual preço deveria ser cobrado por ele, por exemplo, do serviço de segurança pública ou os tribunais. E que o contratado seria um monopolista, o Estado, que além de definir o preço que será pago, pode lhe punir com coerção caso fuja ou não queira mais o contrato. No setor privado isso seria inconcebível. Por que no setor público é aceito? E além de aceito, é moralmente defendido?
Concordando ou não com os questionamentos de Hoppe, uma coisa é certa: estamos cada vez mais aumentando a carga tributária, sem necessariamente fazer os mais necessitados serem independentes do sistema. De um lado, temos o capitalismo provendo benefícios e desenvolvimento para a sociedade, reduzindo a taxa de pobreza e aumentando o índice de livre comercialização. Mas também temos padrões de “mínimo” de qualidade de vida cada vez aumentando mais junto com a mentalidade de ser a responsabilidade do Estado garantir esse padrão de vida. Uma carga tributária crescente junto com uma dívida pública mundial também crescente, batendo US$305,3 trilhões no primeiro trimestre de 2022 segundo o Instituto Internacional de Finanças (IFF). Parece que estamos em uma corrida entre geração de valor vinda do capitalismo e aumento de dívidas públicas e impostos vindo dos efeitos de democracia.
Tendo estes pontos em vista, fica aqui a reflexão para o leitor: que rumos estamos seguindo como civilização? Se a história é determinada pelas ideias, que ideias devemos por em discussão?