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“Há algum tempo vem circulando a ideia de suposto plano B do ministro Paulo Guedes. Na sua entrevista de domingo para o Estadão, o assunto voltou a ter destaque, sob um novo nome: PEC do pacto federativo. Perguntado sobre o que, afinal, seria esse plano, o ministro disse:
“São os representantes do povo reassumindo o controle orçamentário. É a desvinculação, a desindexação, a desobrigação e a descentralização dos recursos das receitas e das despesas. Isso chegou até a ser veiculado como plano B, caso não fosse aprovada a reforma da Previdência, lá atrás, mas são dois projetos diferentes”
Ele explica ao longo da entrevista que seu objetivo é que os políticos tenham liberdade para alocar 100% do orçamento público, próximo a R$ 1,5 trilhão para a União.
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No Valor de ontem, o vice-presidente General Mourão endossa o pleito, de maneira que o Congresso recupere “um poder que hoje ele não tem, que é de realmente montar o Orçamento”.
Dizem que a entrevista do ministro animou o mercado. Isso teria ocorrido não só pela disposição do comandante em assegurar a quantia de um trilhão na previdência (como não poderia ser diferente), mas também pela defesa do tal do plano B.
Daí vem a pergunta de um milhão de dólares: o que é realmente esse plano?
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Antes de tentar responder, temos que esclarecer uma coisa. Em 2018, somente quatro itens da despesa concentraram 74% da despesa federal (correspondendo a R$ 994 bilhões, quase R$ 1 trilhão!). Em relação à receita líquida, esse percentual foi ainda maior, ficando em 81%.
Isso mostra que não se realiza ajuste fiscal sem que se atue individualmente sobre essas e outras despesas obrigatórias (e por isso a reforma da previdência é tão importante).
Ou seja, ainda que se dê “total liberdade” ao Congresso para alocar seu um trilhão e meio de reais por ano, os parlamentares não terão escolha, sem medidas adicionais, quanto ao pagamento do funcionalismo (R$ 298 bilhões em 2018) e aposentados (R$ 586 bilhões em 2018), para ficar somente em dois exemplos.
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Com isso, já dá pra perceber que o plano não pode ser uma coisa tão grandiosa para o ajuste fiscal.
Para piorar, a entrevista mostrou que, além não poder entregar muita coisa sozinho, esse plano está bastante confuso. Ele engloba adicionalmente a desvinculação também para estados e municípios, a descentralização de recursos (sem mostrar espaço fiscal na União) e ainda propõe um pacote de alívio fiscal de curto prazo, chamado de “Plano Mansueto”. Quase um plano dentro do plano.
Na falta de mais detalhes, cada um entende o quer. Para não alongarmos demais, vamos nos concentrar na esfera das contas federais.
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O cerne do plano B é desvincular e desindexar todo o orçamento da União. Mas isso por si só não ajusta, não cria superávit primário. A gente quer saber, no final das contas, onde vai ser o ajuste fiscal. Vamos ser mais específicos.
O termo desvincular está sendo usado como um saco de gato que abrange: (i) desvincular receitas, (ii) desindexar despesas e (iii) desobrigar despesas obrigatórias. O que tem de relevante em cada um dos pontos?
Começando pelo (iii), isso nada mais é do que cortar gasto obrigatório. Ou seja, não tem novidade, é o que o governo vem tentando fazer há algum tempo: reformando o seguro desemprego e o abono salarial e cortando subsídios, por exemplo. A própria reforma da previdência é um ajuste em gasto obrigatório.
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Se o plano é, portanto, anunciar que vai cortar despesa obrigatória, ele só começa a fazer sentido quando você aponta para qual despesa pretende cortar.
O ponto (ii) tem lógica similar. O plano é impedir que despesas obrigatórias cresçam segundo alguma regra predeterminada. Um exemplo diz respeito à regra do salário mínimo, que diz que ele é reajustado de acordo com o INPC do ano anterior e com a variação do PIB de dois anos antes. Outro exemplo se refere a despesas com saúde e educação, cujos mínimos passaram a ser reajustados pelo IPCA após a adoção do teto de gasto. Esses exemplos estão dentro do plano? Não se sabe.
Por último, temos o ponto (i), sobre a desvinculação de despesas de determinadas receitas. Quais seriam as despesas vinculadas a alguma receita, no nível da União, que seriam objeto da desvinculação? Onde estaria toda essa sobra de recursos a ser cortada? Até mesmo para que o mercado possa avaliar o plano, esses detalhamentos são importantes e, até agora, não foram fornecidos.
Vale notar que algumas dessas despesas vinculadas à receita curiosamente até ajudam no superávit primário (as que empoçam, por exemplo). Como vão para a conta única, mas ficam vinculadas, há até uma discussão importante sobre a desvinculação dessas para abatimento de dívida, como explorado pelo ex-ministro Eduardo Guardia, em seu capítulo no livro “A crise fiscal e monetária brasileira”, organizado em 2016 por Edmar Bacha. Mas é uma discussão que não tem a ver com o que vem sendo debatido nesse plano B do Paulo Guedes.
É importante deixar claro que nem estamos discutindo a importância ou não da vinculação, como no caso de saúde e educação, onde há um debate relevante sobre a necessidade ou não da destinação mínima. Por enquanto, queremos apenas entender o principal: onde, afinal, o governo vai ajustar? Vale lembrar que corte de gasto, vinculado ou não, obrigatório ou não, nunca é tarefa fácil.
Talvez a empolgação com o plano seja justamente o fato de prometer um ajuste forte, mas que, sem apontar onde serão de fato realizados os cortes, não tenha uma oposição articulada de início (ao contrário da previdência). Assim, daria a impressão de tratar-se de medida fácil, com pouco custo e muito ganho. Se é isso ou não, só o tempo irá dizer. Ou o ministro, na próxima entrevista.”
O artigo acima escrito pelo economista Guilherme Tinoco, especialista em finanças públicas.
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