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Jacob Mincer nasceu na Polônia dos anos 20. Foi perseguido e preso pelos nazistas durante a adolescência, tendo terminado sua vida décadas depois sendo reconhecido por uma das ideias que você talvez mais defenda mesmo sem conhecer: o capital humano.
Sim, pode parecer estranho, mas até meados do século 20, a noção de que educação e desenvolvimento intelectual da população era parte crucial do crescimento econômico não era lá muito bem desenvolvida.
Veja bem, a noção de que especialização de um trabalhador, e consequentemente seu maior conhecimento, já estava presente em Adam Smith, e mesmo em Marx (a despeito deste considerar que a tal especialização ainda assim não impedia o trabalhador de ser explorado, pois serviria em último caso para gerar apenas mais retorno ao dono do capital). A grande contribuição de Mincer, em parceria com Gary Becker, foi mostrar que investir em educação ou saúde da população em geral, geraria retornos país o país como um todo.
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Em sua equação minceriana, Jacob aponta a relação entre mais anos de estudo e maior retorno em renda. Na prática, ele transcreve o que você já deve ter sacado: pessoas com maior nível de instrução terão salários e empregos melhores.
Isso porém, significa que o investimento em educação, para além do caráter de gerar autonomia e bem-estar aos indivíduos, também possui uma responsabilidade bastante relevante no crescimento e no bem-estar de toda sociedade.
As conclusões que se pode tirar dessas sacadas feitas pelos dois nerds da universidade de Chicago lá nos anos 50 são de fato revolucionárias.
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No Brasil, essa noção do papel da educação no desenvolvimento foi preterida durante anos, em favor de uma visão mais humanista. De fato, isso não é exclusividade nossa. Vários economistas também lá nos anos 50 e 60, se recusaram a adotar o nome “Capital humano”, por enxergarem nele um viés negativo.
Muitas pessoas presentes no debate se sentiram ofendidas com a ideia. As acusações variaram em torno de uma mesma ideia: não se pode comparar seres humanos a outras formas de capital como máquinas, terras ou tecnologias.
Para além dessa discussão histórica e já batida há algumas décadas, o fato é que hoje medimos desenvolvimento em fatores que incluem as ideias de Mincer. O IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, realizado pela ONU, considera 2 fatores cruciais do capital humano (anos de estudo e expectativa de vida), além de um terceiro fator decorrente destes, a renda.
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São considerados países mais desenvolvidos aqueles que equalizam essas questões.
Mas e o Brasil com isso?
Ocupando uma nada honrosa 73ª posição no ranking de Desenvolvimento humano, o Brasil ainda é uma prova viva de que ignorar a importância da educação, e principalmente, seu caráter enquanto gerador de riqueza, é um erro que custa bastante caro.
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Por aqui, a universalização do ensino básico ocorreu apenas nos anos 90. Isso significa dizer que passamos mais de 8 em cada 10 anos enquanto país independente, sem saber o que significa ter uma população com acesso à educação.
Ainda assim, os problemas persistem. De cada 10 jovens de 19 anos hoje, 4 não concluíram os estudos. Em muitos casos por abandonarem a escola para trabalhar.
Dos alunos que concluem o ensino médio, apenas 1,7% tem aprendizado considerado adequado em língua portuguesa. Piora. Desde 2009 não há avanços significativos no SAEB, o Sistema de Avaliação da Educação Básica.
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No ritmo atual, os alunos brasileiros levariam em média 75 anos para chegar ao nível de conhecimento em matemática de alunos de países ricos. Outros 260 anos, mais do que toda história do Brasil enquanto país independente, serão necessários para que se chegue ao nível de leitura (considerando o nível de avanço atual).
Sem conseguir educar seus jovens de maneira correta, o país manda para as universidades alunos com deficiências graves na capacidade de aprendizado. .
Segundo o Instituto Paulo Montenegro, um número impressionante de 38% dos universitários brasileiros poderiam ser enquadrados na categoria de “analfabetismo funcional”, o que significa dizer que compreendem pouco do que leem, além de terem dificuldades em operações básicas de matemática.
O fato é que com bem lembra Nelson Rodrigues “subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos”.
Mais de um século de educação de base falha, com acesso negado a imensa maioria da população, cobram seu preço.
Em uma expansão tardia, nosso sistema educacional ganhou escala sem se preocupar com métodos de gestão e ensino. O sistema cresceu de maneira desorganizada.
Ainda hoje cerca de 95% das escolas brasileiras não possuem infraestrutura adequada, e com nosso envelhecimento populacional, é provável que nunca tenhamos uma geração significativa de alunos estudando em uma escola de qualidade.
Mesmo criando falsas narrativas de que “no tempo dos nossos avós as escolas eram de qualidade!”, o fato é que acumulamos mais de um século de desleixo em educação, mantendo o que existia restrito a uma pequena elite.
A educação do tempo dos nossos avós não era pra todo mundo.
As universidades brasileiras
Ainda seguindo a lógica de Mincer, é possível que o Brasil entre 1992 e 2018 aumentou sua média de anos de estudo de 5,8 para 9,2 anos. Um avanço e tanto.
Considerando em termos de renda, percebemos que no Brasil, terminar o ensino fundamental significa um aumento de 38% na renda das pessoas, enquanto a conclusão do ensino médio agrega 66%. E as universidades? Concluir o ensino superior agrega 243% de renda.
O problema fica maior ainda quando você percebe que nada menos do que 59% dos alunos em universidades públicas brasileiras estão entre os 20% mais ricos. Em resumo: os 20% mais ricos são boa parte daqueles que irão se beneficiar massivamente deste ganho de renda.
E o custo de tudo isso pesa. Gastamos R$14,7 bilhões com aposentadorias e pensões de funcionários de universidades públicas, ou 50 vezes mais que a verba destinada a reduzir o analfabetismo que atinge 7,2% dos brasileiros.
Por qualquer aspecto que se olhe, nossas universidades são caras. Investimos por volta de US$14 mil em cada aluno do ensino superior, ou 93% do nosso PIB per capita, valor similar ao de países ricos. Enquanto isso, os jovens do ensino médio contam com apenas $2,3 mil, menos de ⅓ da média dos países ricos.
Criamos um abismo gigantesco entre o ensino médio e as universidades, favorecendo aqueles poucos que conseguem atingir o ensino superior.
E neste momento, o mais provável é que você esteja pensando “Ok, é uma situação ruim, mas todos pagamos impostos, então é justo que eu possa cursar um ensino superior custeado pelos impostos que paguei”.
Se você um pouco mais radical à esquerda, pode ser que já esteja praguejando e pensando que estou aqui para defender o fim da universidade pública e outras fantasias neoliberais.
Ao contrário destes dois casos, não creio que seja você receber tamanha quantia de recursos vinda de impostos, apenas por quê isso é um “direito” seu.
Discordo, educadamente, que você tenha direito de usufruir de um privilégio. Não tem. Ninguém deveria ter. Um sistema como o ensino superior brasileiro, pretensamente meritocrático no sentido de que lhe dá direito a um benefício dado seu esforço para passar em uma prova, é uma ilusão, e tudo bem.
Não devemos nos prender a estes dogmas. Deixemos a meritocracia para locais onde ela ainda é um modelo útil, nas empresas ou no governo (onde pessoas em uma mesma função e condições entregam resultados distintos, merecendo ser valorizados pelo que agregam a mais), e voltemos a vida em sociedade.
Começamos pelo básico: a probabilidade de um jovem pobre estar entre os 5% de melhores notas é de 1 em 600. A chance de um garoto rico estar na mesma posição, é de 1 em 4.
Cerca de 85% dos fatores determinantes do resultado podem ser atribuídos a fatores sócio-econômicos externos.
É evidente portanto que a data do ENEM não irá alterar as questões, afinal, elas são estruturais. Nossos jovens tem condições bastante distintas, e o “topo da pirâmide”, apenas amplia isso.
Mas de volta ao outro ponto, o de que a educação é um direito e portanto deve ser custeada pelo Estado, somado ao argumento derivado deste de que “cobrança de mensalidades é privatização da educação”.
Trata-se de uma questão na qual Mincer pode colaborar bastante. Como você leu ali em cima, os ganhos de renda de alunos que concluem o ensino superior são bastante expressivos. Estamos falando de um abismo que se cria entre os 15% de brasileiros que possuem ensino superior e os demais.
Como resolver essa questão? Este deveria ser um debate constante, afinal, parte de uma questão que esquerda e direita deveriam concordar. O Estado não deve aprofundar desigualdade.
Como Mincer mostra, o investimento em educação básica gera efeitos muito mais difusos na sociedade. Enquanto o investimento em ensino superior, aponta para ganhos individuais expressivos.
Se temos um dado claro de que o ensino superior gera ganhos individuais enquanto o ensino básico gera mais ganhos sociais, qual questão deveria ser maior prioridade para a educação brasileira?
Por parte de um Estado que se propõe a criar condições para seus cidadãos, o esperado seria um enfoque muito maior em educação básica. Infelizmente porém, não é o que ocorre no Brasil.
Nosso ministério da educação destina R$2 de cada R$3 para as universidades federais que possuem 1,7 milhão de alunos, e o restante para os 45 milhões de alunos dos demais níveis de ensino.
Claro que neste ponto cabe lembrar que escolas são responsabilidade de Estados e Municípios, e que só há 1 colégio de ensino médio sob responsabilidade da União, o colégio Dom Pedro, cujo orçamento é de R$45 mil por cada aluno (contra R$5,7 mil da média das escolas estaduais). O problema deste argumento é a realidade do orçamento brasileiro. Nada menos do que 70% dos gastos públicos são feitos pela União.
E como sair dessa enrascada? Certamente a solução não passa por “federalizar a educação básica”, como propõe alguns. Centralizar decisões é via de regra a pior das decisões.
Há alguns meios, e que passam longe da ideia de cobrar mensalidade diretamente, o que seria uma ideia pouco prática.
A Austrália, a despeito de suas particularidades, dá um bom exemplo. Das 47 universidades do país, 46 são públicas. Não há cobrança de mensalidades, mas a maior parcela dos recursos destinados pelo governo vai para pesquisa, não para o dia a dia.
A maneira como eles mantém as universidades públicas por lá, é criando um imposto diretamente sobre os cidadãos graduados, que varia de acordo com sua renda.
Em suma, os australianos perceberam que a educação superior gera ganhos individuais, logo é importante que quem se beneficia das universidades repasse a elas parte destes ganhos, aliviando assim a cobrança do restante da sociedade que não usufrui diretamente.
É um sistema essencialmente justo, que diminui os custos da sociedade e dá aos indivíduos benefícios de cursarem um ensino de qualidade sem custos durante a graduação, e pagarem por isso apenas quando atingirem ganhos acima de 40% do salário mínimo do país (de cerca de $5 mil).
O problema neste modelo porém, está na responsabilidade que as universidades possuem.
Trata-se de abrir mão do conforto do dinheiro dos impostos caindo todo mês, e buscar se empenhar em qualificar seus alunos para o mercado de trabalho.
Não se trata portanto de uma questão fácil de lidar, afinal, educação é provavelmente um dos temas mais relevantes do debate público, envolvendo viés sentimental em muitos casos. Mas não podemos abrir mão de debates difíceis, e começar por consensos é uma boa maneira de encará-los. Nossos jovens merecem um futuro promissor e um país com menos privilégios.
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