Se você gostou do artigo ou tem alguma crítica a fazer, pode me encontrar pelo Twitter e pelo Instagram
Publicidade
Em 1894, numa conferência realizada na França, o barão Pierre de Coubertin propôs a criação de um evento que reuniria esportistas de todo o mundo, os “Jogos Olímpicos”.
No plano original, Paris sediaria a primeira edição das Olimpíadas em 1900. Porém, uma disputa política e a impaciência com a ideia de se esperar seis anos para a realização do evento, fizeram com que edição inaugural dos Jogos na era moderna ocorresse logo em 1896, em Atenas, na Grécia.
Mais de um século depois, Paris voltará a sediar uma edição das Olimpíadas, em 2024. O clima, entretanto, é completamente distinto.
Continua depois da publicidade
Ao contrário da euforia inicial, sediar as Olimpíadas deixou de ser um mérito, tornando-se um verdadeiro desafio político. Convencer a população a gastar vastas somas de dinheiro para organizar uma competição esportiva está cada vez mais complicado.
Pegue como exemplo a edição de 2008, na China. Foram ao menos 10 cidades do mundo disputando a honraria que foi dada a Pequim. Já na edição de Londres, em 2012, o número caiu para oito. Em 2016, no Rio, foram seis cidades. Em 2020, em Tóquio, três.
Já Paris, por sua vez, optou por “não disputar”. Foi firmado um acordo de cavalheiros com representantes de Los Angeles, sua única desafiante, que sediará os Jogos em 2028. Na realidade, a disputa para organizar os Jogos de 2024 contou inicialmente com seis cidades. Mas, ao final, sobraram apenas duas, pois as demais desistiram no caminho.
Continua depois da publicidade
Para a população de países como Itália ou Hungria, que desistiram da disputa, pesou a chamada “maldição dos Jogos”, a ideia (com cada vez mais comprovação) de que sediar grandes eventos esportivos significa assumir dívidas imensas e ter pouco ou nenhum benefício em troca.
A realidade tem sido essa em países como a Grécia, que gastou 9 bilhões de euros com os Jogos de Atenas-2004, o equivalente a 3% do PIB do país. O mesmo pode se dizer da Rússia, que, em 2018, gastou US$ 50 bilhões de dólares para sediar os Jogos de Inverno em Sochi (gastando 2,5% do seu PIB), ou do Brasil, que desembolsou US$ 14 bilhões na Rio-2016 (1% do PIB).
O que une todos esses países é o fato deles terem passado por crises fiscais severas nos anos seguintes.
Continua depois da publicidade
O exemplo não se limita às Olimpíadas, é claro. Rússia e Brasil também se dispuseram a sediar Copas do Mundo. Portugal, por sua vez, investiu bilhões para ser sede da Eurocopa em 2004, alguns antes de sua crise fiscal vir à tona.
Essa “maldição dos Jogos” possui bases estatísticas. Um estudo publicado pelos pesquisadores de Oxford Bent Flyvbjerg e Alexander Budzier mostra que sediar uma Olimpíada pode ter o mesmo impacto econômico de uma guerra ou uma catástrofe natural.
Segundo Flyvberg e Budzier, todas as edições olímpicas desde 1960 estouraram seu orçamento inicial. Na média, os gastos são 172% maiores do que o previsto inicialmente. No caso da Rio-2016, o valor final foi 352% acima do inicial.
Continua depois da publicidade
Os custos, claro, não consideram os gastos com infraestrutura urbana, que seriam na prática um “legado dos Jogos”.
Isso não significa, entretanto, que os Jogos sejam responsáveis pelas crises. Mas eles são um indicativo de que tanto o governo quanto a sociedade possuem pouco apreço pela responsabilidade fiscal e controle de gastos públicos, esse sim um sinal de crise iminente.
Os Jogos podem implicar melhorias para as cidades-sede. O caso de maior sucesso foi a Olimpíada de Barcelona, em 1992. A cidade viu seu fluxo de turistas aumentar de 1,7 milhão para 7,9 milhões de turistas nas duas décadas seguintes, em boa parte graças às melhorias urbanas realizadas para os Jogos.
Continua depois da publicidade
Investigar os casos de sucesso, porém, dá uma dimensão dos erros que cometemos por aqui.
Barcelona gastou apenas 10% do seu orçamento com equipamentos esportivos, contra 27% do Rio de Janeiro.
No exemplo mais esdrúxulo, o Rio reformou o Maracanã pela terceira vez em 10 anos, de olho nas Olimpíadas. Reformas já haviam sido feitas para o Pan de 2007 e a Copa do Mundo de 2014 (por sorte, ninguém propôs reformar o Maracanã para a realização dos Jogos Militares de 2011, que custaram R$ 2 bilhões).
Da mesma maneira, a cidade de Barcelona acertou ao revitalizar sua região portuária com a construção de uma Vila Olímpica, que passou, em seguida, a ser parte integrante da cidade.
No caso carioca, menos de 1 em cada 5 imóveis construídos para abrigar os atletas foram vendidos como moradia nos três anos seguintes aos Jogos.
A despeito dos custos elevados, é preciso considerar que as Olimpíadas, por se tratarem de um evento de proporções globais, também geram receitas. Para ser mais específico, as Olimpíadas no Rio de Janeiro renderam US$ 3,7 bilhões, entre patrocínios e direitos de transmissão.
A grana, porém, não foi para arcar com custos dos Jogos, que cabem aos países sede, mas para custear a burocracia de comitês e organizações olímpicas ao redor do planeta, o chamado “Movimento Olímpico”.
A exemplo da Fifa, a entidade máxima do futebol, esses comitês também possuem como regra uma rotatividade bastante baixa do quadro de dirigentes, além de custos de burocracia interna, como salários, bastante elevados.
Não é difícil, portanto, perceber que a honraria de sediar eventos globais permite ganhos de imagem para políticos e dirigentes e ônus para a população, que paga a conta por meio de esportes.
A emoção que o brasileiro, ou qualquer outro torcedor ao redor do planeta, sente com as medalhas, é legítima e contagiante. O custo, entretanto, não deve ser ignorado.
Os movimentos da sociedade civil que buscam frear a megalomania de eventos do tipo estão apenas começando – e sua motivação faz todo o sentido. Nos dias de hoje, é preciso cada vez mais agir com bom senso e pensar no impacto que tais eventos possuem.