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De maneira discreta, o Banco Central brasileiro vem promovendo uma mudança na montanha de US$ 365 bilhões que mantém sob seu controle – suas reservas internacionais.
Criadas com o intuito de proteger o país de um ataque especulativo, as reservas são expressas em dólares americanos, mas não se limitam a ele.
Em 2021, por exemplo, o Bacen anunciou a compra de 62,3 toneladas de ouro. Pode parecer muito, mas foi uma mudança sutil, equivalente a US$ 3,5 bilhões na época. Outra mudança mais relevante foi a compra de Yuans, a moeda chinesa.
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As reservas em moeda chinesa saltaram de 1,29% para 4,99% do total detido por aqui. São cerca de US$16 bilhões.
Essas mudanças têm reduzido o peso do dólar na composição de reservas do país, chegando a cerca de 80,6%, o número mais baixo já registrado.
Segundo o Bacen, trata-se de um aumento da percepção de risco inflacionário nos EUA.
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De fato, os EUA estão na sua maior inflação desde a crise do petróleo em 1979, mas o dólar tem se valorizado frente a outras moedas.
E as razões para isso não são lá tão difíceis de entender. A economia chinesa deve registrar em 2022 o seu menor crescimento nas últimas três décadas. A Europa, dona do Euro, da Libra e do Franco Suíço, está em meio a uma crise energética que ameaça o poder de compra da população.
Na prática, a situação está ruim nos EUA sim, mas também está ruim em outros países. E neste caso, investidores tendem a investir nos EUA.
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Pode parecer ilógico, mas é o tipo de evento que vimos em 2008. A maior economia do mundo viu sua maior crise em oito décadas. O resultado é que os investidores correram para investir por lá.
Segundo Giscard: “Custa apenas alguns centavos para se criar uma nota de US$ 100, mas custa muitas horas de trabalho e bens equivalentes para os países obterem essa nota de US$ 100”.
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O privilégio americano data de 1944. O acordo de Bretton-Woods, que criou instituições como o Banco Mundial e o FMI, decidiu que os EUA guardariam o ouro do mundo (com uma Europa em plena guerra), podendo emitir uma moeda de dólar lastreada em ouro.
Na prática, cada US$ 35 poderiam ser trocados por uma onça de ouro (31,1g).
O padrão ouro, ou a escolha de uma moeda global, não é exatamente uma novidade no mundo.
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De fato, o nome “dólar” deriva de uma moeda de prata chamada “Joachimsthaler”, cunhada na boêmia no século 16. A moeda se tornou conhecida como “Thaler” na Escandinávia, “Daler” na Alemanha e “dollar” no Reino Unido.
No Reino Unido, “dollar” se tornou um dos nomes usados para expressar dinheiro.
Já a moeda espanhola, o Real de 8 (8 peças de prata), era conhecido como dólar espanhol. Foi dessa moeda que os americanos tiraram o nome da sua.
Em suma, o Thaler, o dólar espanhol, a Libra inglesa, já foram moedas globais. O que nenhuma delas foi é uma moeda sem limite de criação.
Desde 15 de agosto de 1971, o padrão dólar-ouro já não existe mais. Os EUA podem imprimir o quanto de dinheiro julgarem necessário, e espalhá-lo pelo mundo trocando por bens e serviços.
E isso tem sido feito em velocidade cada vez maior.
O grande problema é que, para fazer isso, o Banco Central americano coloca os dólares em circulação por meio da compra de títulos da dívida pública, financiando o déficit do governo.
Com isso, o governo americano se endivida cada vez que faz isso, prometendo recomprar os dólares.
Após a pandemia, a dívida americana atingiu incríveis 132,4% do PIB.
Com uma dívida neste tamanho, o Federal Reserve, o banco central americano, possui um enorme dilema a ser enfrentado: subir os juros e arriscar deixar a dívida explodir ou manter os juros baixos e continuar aumentando a oferta de dinheiro.
Ao longo da última década, testamos esse segundo modelo, o que ajudou a inflar investimentos em bolsa, mas também comprometeu a capacidade de se cuidar da inflação.
E inflação, claro, é o derretimento do poder de compra de uma moeda.
Na prática, o dólar tende a continuar perdendo valor, e será desafiado por outras moedas, como sempre foi. O que está em dúvida, porém, é a capacidade do governo americano de reagir a isso.
Contar com o fato de que há pouca confiança nas instituições financeiras chinesas, ou que a Europa não tem mais capacidade de liderar o mundo e se tornar referência monetária é contar com a sorte.
Há muitos rumores de que países como a Rússia podem começar a aceitar o Yuan como moeda em suas transações de petróleo, de forma permanente.
Há também uma prática desejada pelo PBOC, o banco central chinês, de expandir o seu Yuan Digital, facilmente conversível em qualquer moeda, expandindo o poder e controle do BC chinês sobre a moeda.
Ambas as questões serão vistas na próxima década como um desafio ao dólar e uma tentativa de suplantar o padrão monetário internacional.
A maior preocupação americana, entretanto, deveria estar na sua capacidade de se desalavancar. Reduzir o endividamento excessivo do país.
Para fazer isso, há duas maneiras. A mais difícil: via crescimento econômico.
É uma maneira complicada dada a demografia do país, cuja população entrando no mercado de trabalho é cada vez menor.
E a mais fácil: cobrando um imposto inflacionário.
Como o PIB é calculado a preços correntes, se os preços sobem o PIB sobe.
No caso americano, porém, é improvável que a inflação siga elevada por tempo suficiente para reduzir esse endividamento. Seria custoso politicamente em especial.
Isso gera uma pressão muito maior para que o Fed mantenha seus juros próximos à zero.
É uma forma discreta de espoliar os poupadores.
Com uma inflação em 4%, o governo americano conseguiria manter essa redução e garantir sua solvência. O problema está em convencer a população a aceitar 4% como novo normal.
Não é uma tarefa fácil convencer uma população acostumada a um elevado padrão de consumo a ver sua renda derreter. Ou seja, deve sobrar para o resto do mundo.