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Gerardus Mercator foi um matemático, geógrafo e cartógrafo, nascido na Bélgica do século XVI. Coube a ele dar uma contribuição que, a despeito de se tornar unânime, é bastante controversa: o mapa múndi.
Para facilitar a navegação, Mercator transplantou o formato geoide da terra em um mapa plano, o que por sua vez levou a uma série de distorções, como uma Groenlândia maior do que a África (quando na realidade é 15 vezes menor).
Olhando para a projeção mais realista, uma ideia aventada pelo ex-presidente americano Donald Trump, que sugeriu comprar a Groenlândia, se torna um pouco mais razoável (não pelo tamanho, mas por sua localização).
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Como você pode conferir clicando aqui, o norte da Groenlândia não é exatamente a Antártida, como conta o mapa de Mercator, mas justamente a Rússia.
A Sibéria, o grande deserto de gelo russo, faz fronteira com o norte do Canadá, a Noruega, o Alaska (justamente um pedaço de terra vendido pela Rússia para os EUA em 1867), e a Groenlândia (pertencente à Dinamarca), tudo separado pelo oceano Ártico.
E, ao que tudo indica, essa deve ser uma das regiões de maior conflito geopolítico nas próximas décadas, uma vez que o aquecimento global torne o oceano Ártico navegável com o derretimento do gelo.
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Essa não é uma novidade na Rússia, que já expandiu e reativou o número de bases militares na região. São agora 17 locais de frente para o novo oceano que contam com pesada presença militar russa.
Nas próximas décadas, navios que hoje partem da Europa poderão chegar à costa leste americana sem passar pelo canal do Panamá, apenas subindo ao norte. Isso, claro, se os russos permitirem.
Sendo a 6ª maior economia em termos de paridade de poder de compra (à frente de Itália, Reino Unido e França), a Rússia voltou ao tabuleiro geopolítico com força total, e em boa medida por políticas adotadas por estes países na luta contra as mudanças climáticas.
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O país é hoje responsável por 43% do gás natural que abastece a Europa, uma fonte de energia considerada crucial para a transição energética. É menos poluente do que o carvão, ou o diesel, e não depende do clima.
A maneira como este gás chega até países como Alemanha, por exemplo, é uma das maiores dores de cabeça do mundo hoje.
O principal gasoduto russo que abastece a Europa passa diretamente pela Ucrânia e Polônia, servindo como fonte de renda para governos locais, mas de perturbação para a Rússia, uma vez que ela (ainda), não controla estas regiões.
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A invasão da Crimeia, parte da Ucrânia no Mar Cáspio, foi uma das inúmeras demonstrações russas de que pretende crescer sua zona de influência na região, e dominar por completo a cadeia de suprimento de energia na Europa.
Um projeto de gasoduto que passe pelos países nórdicos diretamente para a Alemanha, ao custo de US$ 11 bilhões, tem sido a alternativa que mais agrada aos próprios russos, mas preocupa outras potências europeias.
O projeto poderia dar à própria Rússia, além de dezenas de bilhões de dólares, poder sobre a Europa.
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E estas são apenas algumas das frentes sobre as quais Putin tem organizado sua estratégia para que a Rússia retome a relevância na política global.
Sua influência sobre ex-“repúblicas” soviéticas tem crescido ano a ano, como mostra o envio de tropas ao Cazaquistão em meio a protestos contra alta de preços de combustíveis.
Este, inclusive, trata-se de um ciclo que se retroalimenta.
Com políticas ocidentais cada vez mais restritivas para a produção e exploração de combustíveis fósseis e sua demanda continuando a existir, os preços tendem a subir, tornando países que não estão lá muito preocupados com essa agenda ambiental (como é o caso da Rússia) mais ricos e poderosos, ao menos por ora.
Ao mesmo tempo, a alta de preços de combustíveis se mostra um catalisador de problemas sociais, seja no Cazaquistão, ou mesmo na França dos coletes amarelos.
Combustíveis, em especial o petróleo, são parte essencial da nossa cesta de consumo. É impossível produzir e sobreviver sem energia, e até o momento, o petróleo é a principal delas.
De quebra, o aumento da influência de fontes como eólicas e solares, mesmo em países que não são sinônimo de dias ensolarados, como é o caso da Alemanha, tem ofuscado alternativas como a energia nuclear.
Desde 2010 a maior economia europeia anunciou que abandonaria essa fonte de energia, o que a torna ainda mais dependente de gás vindo da Rússia.
Os finlandeses, por outro lado, apostam no aumento da energia nuclear, o que os tornou menos suscetíveis a crises de flutuação de preços.
Tamanha bagunça ou falta de coordenação entre nações europeias têm fortalecido a outrora combalida Rússia.
Estima-se que cada dólar de aumento no preço do barril se converta em US$ 2 bilhões para a Rússia. Considerando que a exploração de petróleo está em mãos do Estado, são receitas direcionadas quase que inteiramente aos gastos públicos, como militares.
No caso do gás, a situação se torna ainda mais pró-Rússia. O país possui 32% das reservas globais, contra 15% do Irã, 7% do Qatar (que no momento se limita a gastar dinheiro com o PSG de Neymar e não com exércitos), e 3% dos Estados Unidos.
É um poder capaz de fazer da Rússia a maior superpotência energética do mundo, ao menos nas próximas décadas.