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No Brasil de 1940, mais ou menos na época em que Stefan Zweig escreveu seu “Brasil, o país do futuro”, vivíamos em uma sociedade essencialmente agrária.
Meros 30% da população vivia em zonas urbanas. Número que passaria a acelerar após 1956 e o processo de industrialização forçada por Juscelino Kubitschek.
Por volta dos anos 1960, atingiríamos mais da metade da população vivendo em cidades, número que em 2015 chegaria a 84,72%.
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Tamanha mudança e, em especial, pela agilidade com que as coisas mudaram, levou ao inchaço das zonas urbanas.
Nossas cidades passaram a ter cada vez mais habitantes, sem uma contrapartida de investimento em infraestrutura.
Levar as pessoas do campo para as cidades era uma política de interesse nacional na época.
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Naquele período, a simples mudança de uma pessoa do campo para a cidade e ir trabalhar numa fábrica era um fator relevante no aumento de produtividade e, consequentemente, na riqueza do país.
Os incentivos de sucessivos governos para que as pessoas migrassem eram, por razões óbvias, bastante elevados.
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Construir estradas, portos e outras obras de infraestrutura para escoar a produção era o essencial naquele momento.
É nesse contexto que surge uma nova ideia: criar uma poupança compulsória para financiar habitação e infraestrutura urbana – o PIS e o FGTS.
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De fato, o país possuía uma legislação que garantia estabilidade aos funcionários com mais de 10 anos de empresa, o que tornava a demissão algo caro e, muitas vezes, inviável.
Demitir alguém significa instaurar uma investigação para averiguar se havia justa causa. Havendo razão, o empregador precisaria pagar dois meses de salário por ano trabalhado pelo funcionário.
Por esse motivo, muitas empresas promoviam um provisionamento de recursos de um mês de salário ao ano (8% do salário ao mês), caso o funcionário fosse demitido antes de estar apto a estabilidade.
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Se alguém porventura fosse demitido com nove anos de empresa, seria indenizado em nove meses de salários.
Ciente dessa questão, e sabendo que as carências urbanas aumentariam, a ditadura militar promoveu uma reforma trabalhista que extinguiu a estabilidade no setor privado, mas tornava lei esse provisionamento de salário, em forma de fundo.
O fundo, claro, passaria a ser gerido pelo governo.
Ao contrário do cenário anterior, as empresas passaram a ser obrigadas a contribuir com o valor, que passaria a ser do próprio funcionário, mas que só poderia ser mexido em caso de demissão.
Nesse meio tempo, o funcionário receberia juros, mas muito menores do que a inflação.
Era um excelente negócio para o governo, que havia arranjado uma forma de financiar saneamento e habitação sem precisar arcar com isso. Mas era ruim para os empregadores, que deixavam de receber uma remuneração adequada pela poupança provisionada. Ruim também para o empregado, que receberia ao final um valor corroído pela inflação e não mais um mês de salário por ano trabalhado.
Salvo raras mudanças, esse arranjo permanece até hoje.
Em 2020, o FGTS era um fundo com R$ 405 bilhões em caixa e que investia em empresas (FI-FGTS) e dívida pública, além de emprestar recursos para obras de saneamento e habitação.
A remuneração abaixo da inflação, porém, fez com que os trabalhadores deixassem de receber R$ 622 bilhões.
Se estivessem completamente alocados em títulos da dívida pública, os trabalhadores brasileiros poderiam ter mais do que o triplo dos recursos que possuem hoje.
Mas para quem foi esse dinheiro? A resposta é difícil de determinar. Afinal, como o FGTS empresta recursos para a habitação, é possível dizer que os bancos que se utilizam desses recursos subsidiados para emprestar, como a Caixa, tenham embolsado parte da diferença no chamado “spread” (a diferença de custo de captação e empréstimo).
Outros casos, como os contratos de financiamento para saneamento, costumam ter juros menores do que a inflação, o que, por sua vez, torna o prejuízo com os financiamentos compartilhados por todos, assim como os benefícios de investimentos em saneamento.
Essa é uma escolha de política pública. Financiar habitação e saneamento é uma pauta importante para a qualidade de vida. Essa é a função do FGTS hoje.
O fato de o trabalhador poder receber parte do valor em caso de demissão é um “problema” que o fundo tem de lidar. Não se iluda, a proteção ao trabalhador é um custo para o fundo.
Diante disso, a questão mais relevante sobre o FGTS nesse cenário segue sendo: é razoável que o trabalhador seja chamado a subsidiar moradias (muitas delas para a classe média) e infraestrutura urbana?
A resposta para isso é dúbia: talvez.
Essa é uma escolha de política pública que gera seus custos e benefícios. O grande problema, entretanto, é que o custo não está exatamente explícito.
Criamos uma ideia de que o FGTS é um benefício, sem custos, um “direito”. E isso cria uma noção bastante ruim. Afinal, existem custos muito claros e eles são pagos anualmente pela população com carteira assinada.
Como em inúmeros outros casos, seria mais razoável que o subsídio estivesse explícito no orçamento, para que todos soubessem que subsidiar saneamento custa X, subsidiar financiamento agrícola custa Y, subsidiar habitação custa Z e assim por diante.
Precisamos diminuir a complexidade com que a economia brasileira funciona, com recursos que saem de um lugar para outro sem prestar contas. Ao menos, devemos ter clareza da situação, sem criarmos um subsídio que estará escondido na sua conta de luz, água ou telefone.
Nesse sentido, uma revisão do FGTS seria bastante bem-vinda, ajudando a tornar as escolhas mais compreensíveis. Se esse ajuste se dará com redução da alíquota ou, em um cenário utópico, com o trabalhador podendo escolher onde alocar os seus recursos, é uma questão política cuja discussão parece apropriada atualmente.