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Foi em 19 de setembro de 2017 que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf, colocou fim a uma discussão de dois anos que atormentava o país: afinal, Crocs são sandálias ou calçados?
Iniciado em junho de 2015, o processo foi levado ao conselho pela fabricante do calçado (sandália, segundo conclusão do Carf), incomodada de ter de pagar uma tributação distinta para garantir a venda do seu produto.
Não bastasse as sandálias enfeiarem os pés de quem se atrevesse a usá-las, os compradores ainda eram coautores de um atentado à indústria nacional, pois havia ali uma prática de dumping, segundo auditores fiscais.
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De volta à normalidade, os 216 conselheiros do Carf, cuja remuneração é de módicos R$1,8 mil por dia de trabalho, puderam voltar a vigiar aqueles que se distanciam da norma tributária correta, em nome do contribuinte.
Tudo ia bem até abril de 2019, quando, ignorando uma decisão do STF, o mesmo Carf decidiu que o ICMS deve fazer parte do cálculo para pagamento do PIS/COFINS. Ou em outras palavras: é correto cobrar impostos sobre impostos.
Tudo isso pode parecer uma maluquice (de fato é, mas vamos fingir manter a calma por um instante), mas a causa não poderia ser mais banal.
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Todas as discussões como essas, ou como lembrou a economista Zeina Latif, o fato de termos quatro tributações distintas para a tradicional feijoada, residem em um emaranhado tributário que leva não apenas você a não fazer ideia de quais impostos está pagando, como também empresários a tomar decisões com base não em como produzir, mas em como maximizar seu ganho diante dos impostos de cada setor ou produto.
Resolver tudo isso não é uma tarefa fácil. Há no horizonte uma proposta que prevê mudar tudo isso que está aí, no melhor uso da expressão, a PEC 45.
O resultado até aqui, porém, tem sido muita articulação e lobbies poderosos, que produzem argumentos capazes de engambelar até mesmo liberais quando, na verdade, o objetivo é defender esse ou aquele setor.
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Para fugir dos discursos fáceis, resumo aqui os pontos que você precisa saber antes de discutir a reforma tributária. E, principalmente, o que você tem a ver com isso:
1) O nível de emprego no país depende desta reforma
Sim, eu sei, você provavelmente já está cansado de ouvir falar em promessas de emprego a cada nova reforma, correto? Mas, sejamos sinceros, em boa parte isso é também culpa nossa, da população em geral.
Somos obcecados com o nível de emprego. Julgamos o mercado de trabalho como o mais relevante de todos, o que tem sua razão de ser, mas oculta questões importantes. Por vezes, chegamos a ser permissivos em relação à inflação desde que o país continue gerando empregos.
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A principal razão para esse enfoque parte do fato de sermos um país pobre (não adianta tapar o sol com a peneira e falar em “renda média”; para a imensa maioria das pessoas que aqui vivem, este ainda é um país pobre), com uma maioria da população desprotegida em casos de turbulências na economia.
Sob esse mantra de “mais empregos a qualquer custo”, porém, esquecemos as razões pelas quais os empregos existem, e principalmente, a sua qualidade.
Por décadas, cometemos más alocações de recursos, seja por crédito subsidiado (talvez você ainda se lembre da bolha dos caminhões, ou quem sabe da nossa “indústria naval”?), seja por distorções tributárias.
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O fato é que, no longo prazo, aquilo que realmente deveria nos importar acima de qualquer discussão política momentânea, um país que possa gerar empregos, e principalmente empregos de qualidade, depende de uma boa estrutura institucional para sustentar investimentos.
Ao vivermos em um país onde um governo pode editar uma MP e bagunçar o setor elétrico, ou ainda, aumentar impostos sobre este setor para garantir uma melhora na arrecadação, criamos incertezas, e estas afastam investidores.
Mas e o que a reforma tributária tem a ver com isso? O ponto-chave de qualquer reforma, seja a PEC 45 em discussão na Câmara, ou de mudanças que venham a ser gestadas pela discussão no parlamento ou negociadas com o executivo, é a redução no poder discricionário dos governantes, ou em outras palavras, uma uniformidade nos impostos.
Você talvez ainda se lembre quando Eduardo Cunha reuniu o congresso para votar uma MP que garantia benefícios especiais ao setor avícola, correto?
Na prática, Cunha havia gerado um benefício específico para um setor (motivado por uma bela propina da JBS, conforme descobrimos depois), e assim tornado a decisão de investimento em toda cadeia menos eficiente.
A regra aqui, muito além de promessas de empregos que serão gerados, é bastante clara. Menos distorções no mercado irão garantir segurança para que os Investimentos ocorram.
2) Se você é empresário, deverá gastar menos tempo e dinheiro tentando entender os impostos
Pode parecer bobagem, mas você já parou para pensar no quão difícil é entender os impostos que você paga? Ainda que você terceirize isso para um contador, o custo de estar em conformidade com a lei certamente lhe impacta.
Segundo o Banco Mundial, não apenas pagamos uma carga tributária alta, como também pagamos um imposto disfarçado, o tempo.
São ao todo 2600 horas por ano para estar em dia com os impostos. Quando colocamos em perspectiva, estamos falando de mais do que o dobro do segundo colocado, a Bolívia (1080 horas/ano), e quase dez vezes mais do que o nosso vizinho rico, o Chile (291 horas/ano).
O custo de tudo isso? R$ 60 bilhões por ano, valor superior ao PIB de oito dos 26 estados brasileiros. Na indústria, o custo da burocracia supera 1,2% do faturamento.
Gastamos mais com isso do que o valor destinado pelo MEC para manter todas as suas universidades federais (R$ 49,6 bilhões), ou ainda o dobro do gasto com os 12 milhões de beneficiários do Bolsa Família (R$ 30,5 bilhões).
Pouco importa qual a reforma você acredite ser a melhor, ou que você ache que precisamos cobrar impostos sobre isso ou aquilo, o fato é que nosso sistema tributário não pode continuar como está.
3) O seu salário também pode ser afetado
Se você é ou pretende ser pai um dia, cabe aqui um desafio. Chame seu filho para uma conversa e explique a ele como se formam os salários.
Sim, eu sei, não é uma tarefa nada fácil, mas convenhamos, caso você seja bem sucedido, seu filho já estará melhor preparado para a vida do que boa parte da população adulta brasileira, e especialmente nossos universitários.
Entender que salários não dependem da boa vontade política, e que por melhor intencionados que sejam, nossos políticos não podem elevar o salário geral em uma canetada, é um passo relevante para discutir o porquê, a despeito de sermos um dos países que mais cresceram ao longo do último século, ainda somos uma nação onde boa parte da população luta para sobreviver.
O fato é que entender a importância da produtividade na renda da população nos pouparia de desgastes populistas, e permitiria finalmente avançarmos em agendas importantes.
Quer um exemplo? Imagine que um engenheiro formado em uma universidade pública, ao custo de R$ 250 mil dos nossos impostos, esteja trabalhando como motorista de Uber. Independentemente das escolhas e razões pessoais, você concorda que algo saiu errado?
Com nossa tributação como está, isso ocorre reiteradamente dentro das empresas. Recursos são alocados de maneira ruim, buscando benefícios tributários.
No exemplo mais clássico: a moto 0 km vendida no Brasil é aquela com maior quantidade de kms rodados no mundo. Isso porque as peças são produzidas em São Paulo, a moto é montada em Manaus, para usufruir dos benefícios da Zona Franca, e em seguida é trazida de volta para ser vendida em São Paulo. O custo logístico menor do que os impostos a serem pagos é que banca o desperdício.
O resultado de tudo isso são produtos de qualidade menor e preços muitas vezes mais altos.
Na soma geral, quando colocadas todas as empresas e suas espertezas tributárias, a coisa muda de figura. Não há hipótese de que um país enriqueça ao escolher ser menos produtivo. Ou em resumo, não há como garantir melhores salários para a população em geral se escolhemos produzir de maneira torta.
Colocando em números, nossa produtividade em relação aos Estados Unidos, país já rico e portanto de menor crescimento em teoria, é menor do que há 40 anos.
Significa dizer que, mesmo com todo o avanço tecnológico das últimas décadas, não conseguimos pular a barreira que separa os países pobres dos ricos.
Lutamos para incluir pessoas em programas sociais e ignoramos a maneira como se paga por eles.
4) O quanto você paga em alguns serviços pode mudar drasticamente
Talvez pelo que leu até agora você esteja certo de que reformar a tributação no Brasil é uma boa ideia, mas sendo o mais franco possível, isso irá significar enfrentar uma barreira quase intransponível: o seu autointeresse.
Desejar um país melhor é um clichê, claro. Mesmo a mais estúpida das decisões que nos trouxe até essa crise contava com essa ideia (mesmo que tenha servido de autoengano aos governantes de plantão).
O fato é que mudar toda nossa estrutura econômica demandará uma boa dose de paciência na espera dos resultados.
Pela reforma que está aí, a PEC 45, as coisas podem ser um pouco complicadas, afinal, se hoje há distorções imensas na maneira como as coisas são produzidas, significa que, ao mudar, os preços serão afetados, certo?
A resposta é sim, alguns setores irão pagar mais impostos, outros menos. Setores como streaming e outros serviços (como a escola do seu filho ou seu plano de saúde) podem ter aumentos de carga tributária (claro, isso ainda dependerá de como as negociações irão ocorrer no Congresso).
O motivo de isso ocorrer, porém, tem sua razão de ser. Vivemos hoje em um país onde aqueles que ganham até dois salários mínimos pagam mais impostos do que aqueles que ganham cinco ou dez salários mínimos.
Trata-se, sem meias palavras, de uma indecência. Não há como fugir desta realidade e negar que as coisas estão erradas também nisso.
Mesmo diante de alguns aumentos específicos, porém, alguns outros setores devem ser menos tributados, como comunicação, energia e combustíveis, que hoje são discriminados pelo governo dada a facilidade de arrecadação (produtos essenciais e poucos fornecedores para fiscalizar).
É portanto difícil determinar se você individualmente irá pagar mais ou menos impostos, mas isso não deveria importar.
O que você deve saber é que isso é apenas parte do que ocorrerá. Como dizia Frederic Bastiat, existe aquilo que se vê, e o que não se vê. O que você talvez não consiga enxergar, e é plenamente normal, é o contrafactual.
Em suma, como seria sua renda caso não houvesse reforma? A resposta, de maneira generalista é: menor. Viver em um país improdutivo é a certeza de que sua renda será sempre menor do que poderia.
5) Seus investimentos podem sofrer forte impacto
Se você esteve por aqui no último ano, ou por que não dizer nas últimas décadas, já deve ter sacado que a previdência social não irá lhe garantir a tranquilidade na velhice que você espera e merece.
Pensando nisso, o mais prático que você pode fazer no momento é planejar seu futuro e começar a investir. Com a queda nos juros, que se espera ser sustentável, e não mais fruto de populismos do passado, isso implica tomar riscos (ainda que estes sejam menores do que simplesmente não poupar e não investir).
Uma reforma tributária tem, em qualquer cenário, o potencial de alavancar as empresas brasileiras, e portanto, o mercado de capitais.
Supondo que a PEC 45 seja aprovada no plenário, seu ponto mais relevante para as empresas, além da simplificação da tomada de decisões, será a desoneração de investimentos.
Sim, caro leitor, pela primeira vez na história deste país há a possibilidade de que você não pague uma grana ao governo para gerar empregos.
O potencial desta decisão é revolucionário, sem meias palavras. Estamos falando aqui de permitir que empresas possam crescer, gerar empregos, produzir bens e serviços no melhor arranjo possível, sem mais o peso dos impostos na compra de máquinas que aumentem sua produção por exemplo.
Pense por um instante. Caso seja um gestor de uma empresa brasileira, você pode escolher entre duas opções. Pagar impostos para investir ou distribuir seus lucros aos acionistas.
O resultado de tudo isso é que, com custo menor do dinheiro, via juros mais baixos, as empresas brasileiras terão condições favoráveis para investir, o que por sua vez gerará um ciclo virtuoso.
Com empresas mais produtivas, sem amarras tributárias e em uma economia mais livre para crescer, o resultado é positivo para os acionistas, e portanto favorável aos seus investimentos.
Cabe lembrar ainda que, por este ano ou mais tardar no próximo, nosso bônus demográfico irá acabar. Isso significa dizer que nosso crescimento futuro dependerá única e exclusivamente de ações que fortaleçam nossa produtividade.
Independentemente da previsão mágica de empregos que serão gerados com essa reforma, ou de crescimento do PIB (não se apegue a elas), o fato é que seguiremos um caminho melhor.