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Francisco Bilbao Barquín foi um escritor e político socialista chileno, a quem se atribui o primeiro uso de fato da expressão “América Latina”. Proposto por Bilbao em 1856, o termo já havia sido cogitado anos antes por Michel Chevalier, escritor francês, para quem haveria no continente americano duas Américas, uma delas de cultura “Latina”.
A expressão, oriunda da palavra “latim”, o idioma falado em Roma, nomeia os povos no sul da Europa.
Para Bilbao, a ideia era importante para demonstrar que havia certa distinção com a outra América, a anglo-saxã. E o contexto da época não poderia ser mais claro.
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Em 1856, o presidente americano Franklin Pierce cogitava reconhecer o governo de William Walker e de um grupo de americanos que havia tomado o poder na Nicarágua, ampliando a política expansionista americana que, anos antes, havia sido responsável por anexar boa parte do território mexicano.
Bilbao propunha demonstrar a distinção entre ambos e, com isso, apelar às potências europeias para frear os interesses dos Estados Unidos na região.
Cerca de seis anos mais tarde, em 1862, o imperador francês Napoleão III se utilizaria do termo para justificar sua conquista do México, uma vez que França e México eram ambos “latinos”.
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A ideia contrasta com a própria origem da expressão “americano” para designar quem nasce nos Estados Unidos da América.
Para os revolucionários locais, se utilizar da expressão “americano” era uma forma de se opor ao domínio dos europeus na região. E essa foi uma grande campanha de marketing que funcionou. Afinal, os nascidos nos Estados Unidos da América hoje são conhecidos por “americanos”.
Da mesma maneira que os nascidos nos Estados Unidos Mexicanos são conhecidos como “mexicanos” e os nascidos no antigo Estados Unidos do Brasil eram conhecidos como “brasileiros”.
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Origens históricas à parte, a América Latina se tornou conhecida no último século por possuir uma outra grande distinção em relação aos seus “irmãos” da América Anglo-Saxã (EUA e Canadá): suas instituições.
Como Daron Acemoglu e James Robinson detalham em seu “Por Que As Nações Fracassam”, países desenvolvidos e subdesenvolvidos possuem uma distinção clara em termos de estrutura.
No caso dos países desenvolvidos, há instituições “inclusivas”. Isso pode significar um Judiciário que funcione de forma isenta e independente do nível de renda, maior mobilidade social, direitos de propriedade assegurados, tributação transparente e acesso à educação.
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No caso dos países desenvolvidos, a regra são as instituições “extrativistas”: em suma, a elite local assume o poder político e utiliza ele para extrair renda da população.
Na América Latina, tal modelo supera divergências políticas e pode ser visto em ambos os espectros políticos.
Por aqui, quem detém o poder político detém o poder econômico ou, ainda, o poder sobre a economia.
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Esse fato histórico na região é o que torna o poder político tão instável por aqui, levando a golpes, ditaduras e espasmos de democracia.
Também por esse motivo é comum vermos atitudes populistas que rifam o futuro para assegurar o poder no presente.
Se o poder é algo instável, não há incentivo razoável para governantes pensarem a longo prazo. Menos ainda para planejarem um futuro em que não serão eles a controlar a economia.
O resultado são os mais mirabolantes planos econômicos possíveis.
E, ao que tudo indica, boa parte destes incentivos estranhos estão tomando forma até mesmo nos EUA.
Joe Biden, presidente americano, tem empreendido uma campanha para terceirizar a culpa pela maior inflação no país nos últimos 40 anos.
Do jeito que as coisas estão, não será estranho ver Biden mencionar que “infelizmente, toda vez que colocamos dinheiro na economia para ajudar as famílias os preços sobem”, como declarou Alberto Fernández, presidente da Argentina.
Para Biden, a culpa é da margem de lucro das empresas e de ações de potências estrangeiras.
Só há um problema: Biden comanda a maior economia do mundo, responsável por emitir a moeda global, o dólar.
E emitir dólares tem sido a regra. Cerca de 43% de todos os dólares existentes no mundo foram criados desde 2020.
Auxílios de US$ 2 mil foram enviados pelos correios para cada família americana. Biden ainda anunciou um plano de US$ 3,5 trilhões em obras. Um grande PAC, com uma pegada ambientalmente correta.
Claro que não é possível culpar apenas Biden pelo estágio atual da economia dos EUA, em especial pela dívida americana ter atingido 130% do PIB. Afinal, os EUA vivem há décadas gastando mais do que arrecadam, sendo subsidiados pelo resto do mundo.
Nos últimos 51 anos, desde que o padrão dólar-ouro foi extinto, os EUA tiveram breves períodos de superávit nas contas públicas (em especial durante o boom da internet nos anos 1990), seguidos de déficits recorrentes.
Mas é notório que a administração Biden parece atordoada pelas consequências da pandemia. Mas, principalmente, pelo resultado de suas próprias políticas econômicas.
Jerome Powell, presidente do Banco Central americano, declarou em entrevista recente que o cenário atual mostra “o quão pouco sabemos sobre a inflação”.
Sim, o homem que define o preço do dinheiro no mundo (a taxa de juros do dólar) diz estar surpreso sobre a forma como funciona a inflação.
O resultado deve ser penoso, como já tem antecipado o mercado.
É possível que os EUA encarem uma recessão para controlar a inflação. Em outras palavras, é possível que a economia americana tenha de demitir pessoas e gerar uma crise para controlar a alta de preços causada pela política monetária frouxa de anos anteriores.
Famílias enfrentarão problemas graças a essa longa jornada de aprendizado do Fed, o banco central americano – e não apenas as famílias americanas.
Enquanto isso, o governo americano seguirá consternado na busca por novos culpados. Como em uma boa república de bananas, o mais provável é que vá culpar os estrangeiros. Quem sabe os chineses? É possível.
Da mesma maneira, é possível que novos planos e subsídios seguirão sendo criados para aliviar as contas das famílias, mesmo que às custas de mais endividamento e do consequente enfraquecimento da moeda.