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Em 7 de setembro de 2012, a então presidente da República, Dilma Rousseff, apareceu em rede nacional para anunciar os efeitos da MP 579, que reduziu em 20% o valor das contas de luz.
Na prática, o governo pretendia antecipar o fim das concessões de usinas hidrelétricas que se encerrariam em 2015. Com isso, novos contratos seriam celebrados a custos menores.
O argumento era simples. Durante as concessões nos anos 1990, as usinas propuseram um preço elevado de venda de energia para financiar investimentos e os valores pagos em outorgas. Já em 2015, não haveria necessidade de bancar estes valores, uma vez que os investimentos já haviam sido feitos.
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Sendo assim, o governo propôs renovar o prazo de concessão, pagando apenas o valor de manutenção e operação das usinas.
De imediato, a conta de luz caiu 20%. O problema, claro, foi que, em 2013, o país passou por uma crise hídrica sem precedentes, que se arrastou pelos anos seguintes.
As usinas passaram a ser obrigadas a entregar uma quantidade de energia que não conseguiam produzir. Para isso, recorreram ao mercado livre de energia. Em outras palavras, compraram energia de outras usinas.
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As térmicas foram ligadas, saindo de 2,9 mil MWh em 2011 para 15,8 mil MWh em 2015. Como se sabe, térmicas a gás, carvão ou diesel custam mais caro.
As usinas, claro, não arcaram com o prejuízo. Você pagou, por meio de aumento na tarifa concedido pela Aneel, que chegou a subir 53% em 2015.
Hoje, estima-se que o prejuízo da MP tenha atingido R$ 200 bilhões.
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Mas o prejuízo indireto pode ser ainda maior.
Esse cenário ocorre pois há, tipicamente, dois tipos de preços em uma economia: os preços livres (alimentos, vestuário, aluguel etc) e os administrados (aqueles que o governo controla, como energia e planos de saúde).
Em 2011, quando assumiu o governo, a equipe econômica de Dilma possuía um diagnóstico de que os preços da economia (câmbio e juros) estavam “errados”. Para contornar o caso, o governo fez o Banco Central reduzir a Selic, a taxa básica de juros da economia, de maneira artificial.
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Com o dinheiro custando menos (dado que os juros são o preço do dinheiro), o consumo aumentou e a oferta de dinheiro idem. Então, a inflação saiu de controle.
Durante os anos Dilma, nos acostumamos com a ideia de que a inflação estaria dentro da meta, mas no seu topo dela. Uma ideia perigosa, já que, invariavelmente, significa desrespeitar a meta em si.
Para contornar essa questão, o governo pesou a mão nos preços administrados.
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Ainda que sem nunca ter feito um decreto, o governo conseguiu com que a Petrobras parasse de repassar aumentos no preço do barril para a gasolina.
Na teoria, isso reduziu a inflação. Na prática, nem tanto.
Isso ocorre pois o índice de inflação (em outras palavras, o termômetro da inflação), é uma média dos preços cobrados ao consumidor.
O índice oficial, chamado de Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), se utiliza da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), feita pelo IBGE, para estimar uma cesta de consumo das famílias brasileiras.
Suponha que, em média, as famílias brasileiras com renda de até 40 salários mínimos gastem 20% dos seus ganhos com a conta de luz. No índice de inflação, portanto, a conta de luz irá representar 20% do peso. O mesmo ocorre em todos os demais setores.
Com essa lista de compras do brasileiro médio em mãos, o IBGE literalmente vai ao mercado e ao posto de gasolina e verifica os preços. Coloca tudo na ponta do lápis e calcula quanto subiram os preços em média.
Assim, o IBGE calcula a inflação que você ouve no jornal.
Mas e se antes de chegar ao posto de gasolina alguém pagar parte do custo da gasolina? O posto irá mostrar um preço menor e, consequentemente, o IBGE dirá que os preços subiram menos.
Foi assim que, por um bom período, a inflação (o índice) foi controlada por aqui.
Veja, se o governo paga uma conta com o seu dinheiro, o preço final não sobe e o índice aponta inflação menor. Se a Petrobras pagar a conta, o mesmo ocorre.
Na prática, você está pagando. Na teoria do índice, porém, é como se este aumento de preços não existisse.
Apenas em combustíveis, o prejuízo foi de R$ 100 bilhões, pagos pela Petrobras.
Mas o custo disso, como já dito, é perigoso por ser indireto. Os agentes econômicos passam a sistematicamente trabalhar com uma inflação que não é a real.
Um caso similar está ocorrendo agora.
Independente da sua posição política ou do argumento que se utilize para reduzir o preço final, é fato que existe um custo (questionável) de impostos sendo pagos pelo próprio governo de maneira temporária.
Esse custo da ordem de R$ 40 bilhões está saindo do seu bolso, por meio de um aumento na dívida pública (não se esqueça que dívida é um imposto futuro).
Com a redução, os preços ao consumidor final de combustíveis têm caído, o que levou o setor de energia a ter uma deflação de 4,4% em julho, refletindo em uma deflação de 0,68% no total, por conta do peso da energia no índice.
Isso nos levou à menor inflação da série histórica. No mesmo mês, porém, os alimentos tiveram alta de 1,3%. Em suma, a inflação continua a pesar, ainda que o governo tenha se proposto a pagar parte do aumento de preços.
Se prolongada, essa política pode implicar em efeitos danosos à economia, mascarando o índice que serve de baliza para investimentos e outras questões relevantes do país.
O próprio orçamento do governo em 2023 será afetado. Por mais irônico que seja, o governo está gastando dinheiro em 2022 para reduzir o IPCA, que, por sua vez, define o quanto de gastos o governo poderá ter a mais em 2023, graças ao Teto de Gastos.
Uma queda de 1-2% no índice, graças a estes gastos, implicaria em R$ 50 bilhões a menos para o governo poder gastar em 2023.
A exemplo de manipulações passadas, a atual pode servir de base para se construir melhores práticas.
Se as manipulações no governo Dilma renderam juros mais realistas em empréstimos públicos (com a TLP) e uma política de preços menos intervencionista na Petrobras, a atual poderia suscitar um debate importante.
É imoral que os governos cobrem mais impostos sobre itens básicos como combustível, energia ou telecomunicações apenas porque é mais fácil cobrar (afinal, cobrar imposto uma vez na refinaria é mais fácil do que cobrar de milhares de pequenos estabelecimentos).
O caso nos leva invariavelmente à discussão de uma reforma tributária, que simplifique a cobrança e torne menos burocrático o processo tributário.
E dessa discussão não há como fugir em 2023.