As instituições brasileiras estão funcionando – e este é o problema

Nos acostumamos ao longo dos últimos anos a promover uma defesa da "ordem institucional", o que nunca discutimos porém, é o nível das instituições que construímos por aqui, via de regra moldadas para favorecer uma pequena elite.

Felippe Hermes

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(Shutterstock)
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Divulgada pelo censo americano, a lista de “renda familiar por ancestralidade”, é provavelmente uma das questões mais curiosas quando o assunto é “o que torna um país de fato desenvolvido?”.

Encabeçando a lista não há qualquer oriundo de país europeu, mas Indianos. Na média, os americanos descendentes de indianos possuem uma renda familiar de US$ 135 mil, contra US$ 86 mil dos americanos descendentes de austríacos (o primeiro país europeu na lista).

No Top10, não há nenhuma nação europeia (de fato, a Áustria é o 11º), mas sim taiwaneses, filipinos, sul-africanos, paquistanes, iranianos e australianos.

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Caso você esteja se perguntando, brasileiros e descendentes possuem uma renda média de US$ 56.141 quando morando nos EUA, ou 4 vezes mais do que a renda daqueles que moram por aqui.

Esta lista, que você pode acessar completa aqui, é apenas uma dentre muitas evidências de que, quando o assunto é desenvolvimento, pouco importa sua cultura, raça, localização geográfica, clima etc.

Como os economistas Daron Acemoglu e James Robinson descrevem em seu já clássico “Por que as nações fracassam”, há um fator muito mais relevante para explicar o desenvolvimento de determinados países: as Instituições.

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Esqueça este papo eugenista fracassado de que tudo é uma questão de raça e cultura, ou aquela velha pérola que ainda se ouve na escola sobre “clima”, ou ainda, também da escola, o velho “colônias de exploração e colônias de povoamento”.

Instituições moldam a maneira como indivíduos se organizam e assim conseguem se tornar mais produtivos e ricos.

Para exemplificar isso, os dois resumiram as instituições em dois grupos: as inclusivas e as extrativistas.

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Em suma, Instituições inclusivas são aquelas que garantam igualdades de direito em áreas como direito de propriedade, acesso à justiça, educação e outras áreas envolvendo liberdades individuais.

Quando o assunto é Brasil, ou América Latina, porém, estamos falando de sociedades extrativistas, ou seja, aqueles onde os direitos variam em toda sociedade, a despeito do que digam as leis.

Sociedades extrativistas são aquelas nas quais um pequeno grupo se une para extrair a riqueza gerada por toda a sociedade, fazendo isso por meio da força do Estado, via de regra.

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Ao longo da história brasileira não é difícil identificar momentos onde criamos barreiras legais para garantir estes direitos.

Em 1850, por exemplo, aprovamos uma Lei de terras que impedia os estrangeiros de comprarem terras por aqui. Pode parecer um pequeno detalhe, mas tudo isso foi moldado e pensado por grandes fazendeiros que dominavam a política no país, e queriam garantir que os imigrantes que aportavam por aqui não representassem uma ameaça.

Em suma, nossa elite agrária, que dominava o poder político, passou uma lei que tornava quase inevitável que os imigrantes fossem induzidos a trabalhar em suas terras.

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A mesma lógica ocorreu em toda Argentina no período, onde o governo distribuiu lotes de terras aos grandes proprietários.

Nos Estados Unidos, entretanto, o governo aprovou pela mesma época o “Homestead act“, que garantia a qualquer cidadão o direito de comprar por uma ninharia as terras que ocupassem. Foi um processo de reforma agrária em cima de terras públicas que consolidou a expansão do território americano.

Há outros inúmeros exemplos ao longo da nossa história, como a própria escravidão.

Um estudo recente publicado por pesquisadores das universidades de Manchester, Bonn e FGV, concluiu que a escravidão foi um fator determinante em atrasar o processo de industrialização e desenvolvimento brasileiro.

Pode parecer uma conclusão lógica, afinal, desde o século 18, economistas como Adam Smith já demonstravam cabalmente como o trabalho escravo impedia o desenvolvimento de atividades produtivas (Smith agregou o argumento econômico ao já corrente argumento moral contra a escravidão, tornando assim o argumento abolicista mais robusto).

Por aqui, os pesquisadores avaliaram casos como a produção algodoeira em estados como Maranhão e Ceará, sendo o segundo caso feito por trabalhadores livres. A conclusão é a de que a produtividade no Ceará, com trabalhadores livres, cresceu acima da média do Maranhão, onde o trabalho era predominante escravo.

Em outros exemplos é perceptível o aumento do número de indústrias em localidades que se utilizavam menos do trabalho escravo e mais do trabalho livre. O capital humano, uma teoria que a economia incorporou no século 20, se mostrou mais relevante para o desenvolvimento.

A pesquisa por aqui segue a linha de pesquisadores americanos para justamente comprovar o quão relevante foi a ausência de trabalho escravo no desenvolvimento do norte do país em relação ao sul escravista.

Trata-se da mais relevante instituição inclusiva: o trabalho livre e a auto-propriedade, novamente se saindo melhor em desenvolvimento do que a instituição extrativista do trabalho escravo.

Essa discussão, porém, não é algo superado. O Brasil ainda é um país de Instituições fortemente extrativistas.

Somos um país fechado economicamente, com pouco comércio internacional, o que, por sua vez, favorece as empresas locais em detrimento do consumidor. Em suma, nossas empresas extraem renda da população ao se beneficiarem de barreiras comerciais.

Em outras vias, nosso acesso à educação e a saúde também constituem forte exclusão social.

O acesso à educação só veio a se tornar universal no país no final da década de 90. Ainda assim, até hoje 1 em cada 4 jovens abandonam o ensino médio.

Cerca de 42% dos trabalhadores brasileiros não possuem ensino médio completo, e por conta disso, possuem uma renda até 40% menor do que a média.

Um jovem de escola pública que pretenda cursar uma universidade também pública, terá uma chance de 1 em 700 de ser aprovado, contra 1 em 4 de um aluno de escola particular que preste o ENEM para uma universidade pública.

Nada disso entretanto nasceu ao acaso, ou como bem definiu Nelson Rodrigues: subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos.

Talvez o exemplo mais estarrecedor seja justamente nosso judiciário.

Há cerca de 710 mil pessoas presas no país. Sendo que 33%, de acordo com o CNJ, o Conselho Nacional de Justiça, aguardam julgamento. Em suma, 1 em cada 3 presos no Brasil não foram sequer condenados.

A despeito disso, a discussão que tomou conta do STF nos últimos anos tratava da prisão em segunda instância.

Enquanto o país mantém quase 200 mil pessoas presas sem condenação, nosso judiciário discute se 2 condenações seriam condição suficiente para prender alguém.

Há discordâncias na corte, com boa parte dos ministros apontando que a prisão só pode ocorrer após o último recurso.

Recorrer ao Supremo, como vimos nessa semana, é também um privilégio de uma elite que pode se dar ao luxo de promover batalhas jurídicas em cima de vírgulas na lei.

O resultado é que cadeia e punição também são distintas de acordo com seu nível de renda e pertencimento a essa elite extrativista.

Essa, porém, não é uma elite qualquer. É uma elite que se perpetua no poder e através dele.

Como Acemoglu e Robinson mostram, em países onde imperam instituições extrativistas, a própria burocracia se constitui em uma elite.

Ainda que não sendo econômica, essa elite concentra poder em benefício próprio, criando regras que só valem para ela e distintas daquelas às quais estão sujeitos todos os demais cidadãos.

Toda esta descrição é o que forma a chamada “Nova Economia Institucional”, caracterizada por uma visão histórica sobre o processo de formação das sociedades nos mais distintos países.

Não deixa de ser irônico, portanto, quando vemos um alvoroço sobre quebra da ordem institucional. Quando nos damos conta que “nossas Instituições não estão funcionando”. Oras, é evidente que isso é preocupante, mas também é, ou deveria ser, aquilo que significa nossa normalidade Institucional.

Nosso cotidiano é repleto por acordos entre os poderes. Deveria ser inaceitável manter essa “ordem”. O que ocorre normalmente porém, é justamente o oposto.

Um outro exemplo sobre como nos acostumamos com o absurdo está na atuação do STF.

Nossa Suprema Corte julgou em 2018 cerca de 125 mil processos. Ali no norte, nos Estados Unidos, foram 82 processos no mesmo período. Já na França e Alemanha, foram 156 e 6133 respectivamente.

A própria ideia de judicialização em excesso que fazemos por aqui, é reflexo das nossas leis incertas e feitas para favorecer grupos de interesse.

Criamos dificuldades para favorecer aqueles que possuem os meios de se sobrepor a elas.

O resultado de tudo isso pode ser medido economicamente com um empobrecimento do país, mas é acima de tudo moral, ao excluir boa parte da sociedade daquilo que porventura consideramos o essencial para uma vida produtiva.

Devemos, por óbvio, defender uma ordem institucional, mas não podemos jamais ignorar a discussão sobre quais instituições queremos construir e preservar.

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Felippe Hermes

Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com