A ilusão das soluções fáceis

Em meio à escalada da inflação, a ideia de que a Petrobras pode resolver tudo de forma simples volta a ser discutida. A realidade, porém, é um pouco mais complexa.

Felippe Hermes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Rodrigo Soldon/Flickr)
(Rodrigo Soldon/Flickr)

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Construída entre 1969 e 1974, a sede da Petrobras (PETR3;PETR4) na Avenida Chile é um marco na história brasileira.

Trata-se de um ícone da arquitetura brutalista erguido ao custo de US$ 80 milhões (US$ 649 milhões em valores de hoje), o que o torna possivelmente o prédio mais caro já erguido no Brasil.

Para além do custo elevado, a obra também se tornou famosa por marcar a entrada de uma nova empreiteira no mercado nacional: a Odebrecht.

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Antes uma empresa regional, a companhia teve no Edifício Sede da Petrobras a sua primeira obra de porte nacional.

A boa relação com o presidente da estatal, o general Ernesto Geisel, pavimentou o caminho da empreiteira em outras grandes obras, como o aeroporto do Galeão e a usina de Angra I.

Angra, por sua vez, se tornaria a primeira obra a levar a Odebrecht para o banco dos depoentes de uma CPI, em 1981, mas essa é uma outra história (que você pode conferir no excelente A Organização, a biografia da empreiteira escrita pela jornalista Malu Gaspar).

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Muito mais do que marcar a entrada de players que viriam a compor os noticiários brasileiros nas últimas décadas, a Petrobras foi responsável por definir os rumos da política nacional, e da economia, uma capacidade derivada do seu tamanho.

No auge, em 2010, a estatal respondia por ao menos 13% do PIB brasileiro, direta e indiretamente.

Não sem surpresa, boa parte dos desafios que enfrentamos hoje possuem uma forte ligação com a empresa.

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Em 1997, o monopólio criado em 1953 por Getúlio Vargas foi derrubado, levando a Petrobras a competir com players privados, o que por sua vez forçou a empresa a se tornar mais eficiente.

O resultado foi um aumento de 153% na capacidade de produção de petróleo no Brasil, número que cairia pela metade após nova intervenção em 2008, quando o governo estabeleceu um novo marco regulatório para o pré-sal.

Com a descoberta da viabilidade de se explorar o pré-sal, a Petrobras conduziu o país para uma forte guinada de intervenção do estado na economia.

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O caso coincidiu com a crise de 2008, e pautado em boa medida por investimentos da estatal, o governo expandiu crédito e adotou uma política fiscal e monetária expansionistas.

Em 2011, após a saída Henrique Meirelles do BC, o entendimento da equipe econômica era de que a economia brasileira possuía “preços errados”. O câmbio estava muito baixo e os juros muito altos.

Uma pressão do governo levou o Banco Central a cortar os juros para “impulsionar a economia”.

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Lembre-se que juro é o nome que se dá ao preço do dinheiro no tempo, logo, o BC possui o poder de definir quanto custa o elemento chave em toda a economia. Ao definir que o dinheiro custa pouco, espera-se que o consumo aumente.

O problema, claro, está no fato de que, se o dinheiro custa pouco, mas é muito demandado (para cobrir o déficit do governo, por exemplo), então os preços em toda a economia tendem a reagir com alta.

Cortar os juros sem reduzir a demanda por crédito vinda do governo é uma receita certa para elevar a inflação. E foi o que de fato ocorreu.

Certo de que a inflação seria um problema, o governo novamente colocou a Petrobras para resolver a questão.

Enquanto obrigava a empresa a realizar investimentos bilionários para expandir produção,  o governo também determinou que ela vendesse seu produto a um preço mais baixo.

Na prática, a inflação é medida por um índice que inclui dezenas de produtos.  Se um produto sobe 100% e ele representa 10% do índice, ele irá contribuir com mais 10% de inflação.

Ao obrigar a Petrobras a bancar os preços caros e vender por um valor menor, o governo manipulou a inflação, pois o preço ao consumidor não subia, a despeito de continuar sendo pago.

O mesmo foi feito no setor elétrico, e em ambos os casos, o resultado foi um prejuízo que superou R$ 100 bilhões cada.

Milhares de acionistas foram prejudicados pois investiram em uma empresa que agora vendia seu principal produto por menos do que ele custava (lembre-se que em 2010 a Petrobras fez a maior capitalização do mundo buscando recursos para investir no pré-sal).

Pode-se dizer que este é o custo de se investir em uma empresa estatal, cuja direção é dada pelo governo. De fato, é o preço que se paga (ou se deixa de pagar uma vez que estatais são negociadas por valores menores em Bolsa justamente por este risco).

O problema está em uma empresa de tamanho poder indicar que a política do governo é ter prejuízos.

Como se fosse pouco, a manipulação do índice de inflação criou incertezas, restringiu o investimento e gerou problemas que levariam o país a entrar em recessão.

O governo gastava e tentava convencer as pessoas e empresas a gastar, ao mesmo tempo em que gerava incerteza e inibia investimentos.

Essa combinação surrealista combinou com uma estatal entre as empresas mais endividadas do mundo e a maior recessão da história do país.

Outros tantos prejuízos incalculáveis,  como a refinaria de Abreu e Lima, que deveria custar US$ 2,3 bilhões e terminou por custar US$ 19 bilhões, também colaboraram.

Relembrar este passado de intervenção e desastre patrocinado pela estatal é crucial para refletir sobre o papel que se espera da Petrobras nos próximos anos.

É nítido que o aumento de combustíveis é um problema. E para piorar, mesmo com aumentos constantes, a estatal continua cobrando menos do que no mercado internacional.

Neste momento, o preço da gasolina cobrado pela empresa está em R$ 3,80. No mercado internacional o preço gira em torno de R$ 5,18.

Essa defasagem indica que um aumento é iminente.  E há pouco o que fazer, ao menos por parte da empresa.

Se há um aprendizado que podemos tirar das intervenções do passado é o de que qualquer política pública deve ser feita através do orçamento.

É preferível que o governo pague um auxílio às pessoas do que jogar o custo para debaixo do tapete e maquiar a inflação.

Colocar a empresa para pagar o valor certamente seria a preferência do governo, atual ou futuro, mas seria ampliar o engano.

Maquiar índices importantes como inflação é criar um risco sistêmico e de longo prazo.

É preciso encarar que nossos problemas não serão solucionados por uma empresa estatal, em especial uma empresa ligada a combustíveis fósseis.

Precisamos, em resumo, aprender com os problemas do passado.

E espaço para isso existe. Como divulgou a Petrobras, a empresa pagou R$ 70 bilhões em impostos, royalties e participações no primeiro trimestre deste ano, praticamente o dobro do seu lucro.

Um recorde cujo valor equivale a quase 10% de todos os recursos de que os governos estaduais e federal dispõe.

Resta saber quando iremos pelo caminho mais difícil de cobrar o governo.

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Felippe Hermes

Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com