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O mês de outubro de 2014 deveria ter revelado um dado impactante para o país: pela primeira vez em 10 anos, a pobreza havia voltado a subir.
Deveria, claro, não tivesse neste mesmo mês uma disputa eleitoral. Para “evitar interferência no pleito”, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) adiou a divulgação dos resultados para novembro, após as eleições.
Em 2010, quando os dados eram positivos, o instituto não pareceu tão preocupado e divulgou queda na pobreza em meio às eleições.
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A decisão, hoje esquecida, fez parte de uma série de episódios lastimáveis do Brasil em termos de dados. Em outra ocasião, o mesmo Ipea engavetou um estudo que mostrava um aumento da concentração de renda do 1% mais rico do país, que havia aumentado de 40% para 44% do PIB entre 2006 e 2012.
Como já foi amplamente comentado por aqui, a maquiagem de dados foi parte crucial da construção da política econômica mais desastrosa já adotada na história brasileira e que terminou por nos levar à maior recessão da história entre 2015 e 2016.
Foi um período de fraudes contábeis (que receberam o nome carinhoso de “pedaladas”), maquiagem da inflação, uso de orçamento de estatais para esconder problemas em preços e assim por diante.
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Tamanha dificuldade em entender os dados, em especial a confusão entre o estágio no qual a economia está e a direção para qual ela está seguindo, foi crucial em criar confusão, especialmente entre os mais jovens.
Não é incomum ouvir por aí que “a crise brasileira começou em 2015”. Trata-se de uma questão falsa. Já em 2014 o país viu a pobreza subir, as contas públicas ficarem no vermelho e o crescimento econômico ir a 0.
A falsa memória de que as coisas iam bem não chega a ser estranha. Como o economista Daniel Souza mostra em seu livro sobre os 130 anos da República brasileira (que você pode conferir aqui), o nível de renda no país tradicionalmente cresce em anos eleitorais para cair no ano seguinte, quando a maquiagem do ano eleitoral se desfaz, o esforço de gastos públicos diminui e a realidade chega.
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Fato é que estamos em 2022. Após a recessão, passamos por um período de reformas, além de uma pandemia. Muita coisa mudou desde que Dilma Rousseff saiu da presidência.
Cabe, portanto, fazermos uma reflexão sobre para onde a economia está caminhando, especialmente pois vivemos em um momento turbulento em que os dados se confundem. O famoso “mas” volta à tona.
Os dados de 2021 prometiam empolgar. Algumas pessoas do mercado chegaram a dizer que “não deveria haver surpresa se o PIB chegar a 7%!”. O resultado, como sabemos, foi um número bem mais modesto, 4,6%, o suficiente para empatamos com a queda de 2020.
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Após o resultado ser divulgado, o vaticínio foi de que a crise hídrica surpreendeu (como se não fosse um fato do calendário brasileiro a ausência de chuvas entre setembro e novembro) e a instabilidade internacional foi maior do que a esperada.
Para os apoiadores do presidente, a turbulência interna foi pouco relevante e há muitos motivos para comemorar.
Para os críticos, o fato de termos perdido meses buscando um meio de furar o teto pesou ao criar incertezas.
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É um fato que as contas públicas estão melhores do que o esperado.
A arrecadação cresceu significativamente em 2021, com os estados gerando R$ 124 bilhões em superávit, o que reduziu o déficit do governo geral para o menor nível desde 2014.
Como também é um fato que a pressão por reajustes e o ano eleitoral devem ajudar a aumentar os gastos em 2022.
As contas públicas melhoraram, mas…
Noutro ponto relevante, é interessante destacar que o governo atual será o primeiro a ocorrer inteiramente (ou quase) sob a legislação do teto dos gastos para despesas ordinárias. Isso implica que pela primeira vez teremos um governo que terminará gastando menos do que gastava quando iniciou. É um feito importante a longo prazo.
Mas o apelo contra o teto de gastos, que limita o poder do presidente, segue crescente.
Em outro assunto, o câmbio deu uma aliviada, o que pode ajudar na inflação, mas… temos hoje a segunda maior taxa de juros do mundo quando considerada a inflação.
Saímos de uma taxa de 2% para possíveis 13,25% no final do ciclo de alta. Esse custo maior pesa para a decisão da tomada de investimentos, além de pressionar a dívida pública.
Em outras palavras, a dívida pública melhorou, ficando mais próxima de 80% do que dos 100% do PIB previstos antes. Mas, agora, seu custo voltou a subir.
A alta de juros pressiona os investimentos, o que, por sua vez, reduz a força da geração de empregos.
O país voltou a gerar empregos, com resultados surpreendentes, mas… os salários de entrada caíram. Quem volta a estar empregado hoje recebe menos e gasta mais na hora de ir ao mercado.
A inflação, um fenômeno global, assusta. Nossas fragilidades internas, como a questão energética no segundo semestre de 2021, ajudam a complicar o cenário.
No mundo, temos uma inflação oriunda da alta no preço da energia e dos alimentos, duas questões que pesam imensamente no bolso do trabalhador.
Um fato positivo nisso tudo é que temos um Banco Central autônomo. Pode parecer pouco, mas isso implica com que o presidente não possa manipular o crescimento econômico em detrimento da moeda e da inflação.
Com a redução de bandeiras tarifárias e a reorganização das cadeias de suprimento globais, é esperado que a inflação diminua. Mas, como aponta a Bloomberg, os choques em função da transição energética, pautada em fontes instáveis como eólica e solar, devem se tornar comuns.
O resultado é que, por onde quer que se olhe, é possível ver sinais positivos e grandes ressalvas.
E o motivo não chega a ser estranho.
Como também já discutimos por aqui em outras ocasiões, o Brasil está há quatro décadas com sua produtividade, a riqueza produzida por cada cidadão, estagnada.
Mudar a economia no longo prazo demandaria mudar essa situação.
E os caminhos para mudar de verdade essa situação são politicamente complicados.
Uma melhora no ensino enfrenta resistências sobre “métodos”, além de forte pressão por aumentos salariais por quem atua na área, um ponto comum, mas que sozinho não resolve a questão.
Hoje, é inviável sequer sabermos quanto custa um aluno ou avaliar o retorno de cada investimento em educação. Mais uma vez, nossos indicadores são falhos em apontar as perspectivas.
A reforma tributária, outro ponto crucial para melhorar a produtividade, esbarra no interesse político para sair do papel.
Nenhuma das esferas de poder quer “abrir mão” de arrecadação. Assim como alguns setores da economia se sentem confortáveis com a organização atual dos tributos.
Discutir mais tributos sobre renda e menos sobre o consumo, algo que parece óbvio para estimular a economia, também não é consenso.
Com tudo isso, a consequência mais óbvia da situação brasileira é que continuaremos a ser um país do “mas”, onde uma melhora significativa e consistente é inviável. Seguimos discutindo resultados quase exclusivamente focados no curto prazo.
Somos o eterno país do “mas”.