Cash is king

A importância de ter liquidez nos dias de hoje, buscando oportunidades quando a bonança vier

Felipe Bevilacqua

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
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Fevereiro se mostrou um mês contrário às expectativas de janeiro, com perspectivas de maior inflação e dificuldade do Federal Reserve (Fed) em reduzir as taxas de juros.

Se em janeiro a tônica do mercado foi de uma tese de inflação menor nos EUA com um provável corte de juros, que fez os mercados acionários subirem, em fevereiro vimos um movimento contrário, com perspectiva de mais inflação e de que o Fed não irá conseguir reduzir os juros tão cedo – e pode até ter que subir mais.

O resultado foi um janeiro positivo e, na contramão, um fevereiro negativo. Esse tema será o mais importante ao longo dos próximos meses no cenário global.

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O mês de fevereiro foi negativo para o mercado de ações, não só no Brasil, mas no mundo todo. Por aqui, o Ibovespa fechou em queda de -7,49% e o dólar em alta de +2,82%.

Veja abaixo o desempenho dos principais índices:

Cenário político: novo arcabouço fiscal é a bola da vez no Brasil

Debates sobre novo arcabouço fiscal, incertezas nas taxas de juros e Bolsa volátil

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O mercado local segue repleto de incertezas, principalmente relacionadas ao lado político e suas consequências. Essas incertezas devem resultar em juros altos por mais tempo, deslocando a janela de redução dos juros para frente.

O debate interno sobre o novo arcabouço fiscal se faz necessário no curto prazo, o que deixa o ambiente de Bolsa ainda bastante volátil e, naturalmente, requer uma continuidade de um tom de cautela nas estratégias de alocação.

O Banco Central foi bastante duro em seu último comunicado, alertando sobre o perigo de ausência de sinalização para um fiscal robusto que poderia, em tese, antecipar o fim do movimento de alta de juros e abrir caminho para reduções ainda neste ano.

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A economia local começa a dar sinais importantes de desaceleração. Afinal, quem se alavancou quando os juros estavam a 2,00% agora sofre com as consequências de uma escalada agressiva da Selic, que volta ao seu patamar de dois dígitos, e da instabilidade política, que tem derrubado, dia após dia, a confiança do produto e do consumidor.

Mesmo com esse cenário, vemos as empresas sendo negociadas por valuations extremamente descontados. Mas, como disse na última carta, os ativos baratos não irão se valorizar sem alguma mudança grande na dinâmica do ambiente político (ou por alguma alteração estrutural nos Mercados Internacionais, que não deve ocorrer).

Ainda que o Brasil se beneficie, em parte, do cenário global atual (reabertura da China, condições econômicas melhores do que o esperado na Europa e o carrego dos juros), o país está longe de fazer o seu dever de casa.

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Os mercados, que outrora se estressaram com as indicações dos ministros e a nomeação de Aloizio Mercadante para o BNDES, agora enxergam com cautela os ataques das alas mais à esquerda do governo, incluindo o próprio líder do Executivo, ao Banco Central e sua autonomia, com críticas centralizadas ao seu atual presidente da instituição monetária, Roberto Campos Neto.

Consideramos que tais ataques, extremamente autodestrutivos, tendem a elevar o prêmio de risco, estressar a curva de juros, desvalorizar a moeda e dificultar ainda mais reduções de juros, uma vez que a imprevisibilidade aumenta exponencialmente nesse triste cenário hipotético.

“Cash is king”

Liquidez nos dias de hoje, buscando oportunidades quando a bonança vier

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Desde o último trimestre de 2022, temos realizado ajustes nas estratégias para um cenário mais desafiador, que tem se tornado realidade, com forte proporção de ativos de Renda Fixa.

Estruturalmente, temos aumentado a exposição em ativos pós-fixados, principalmente em ativos do tipo %CDI. Já em relação aos ativos do tipo CDI + %, temos observado uma baixa disponibilidade, apesar de gostarmos desse indexador. Em função disso, nossa alocação está menor para a classe no momento.

Sobre prefixado, vou me estender no comentário. Estamos aumentando gradualmente a exposição em ativos pré-fixados com vencimento mais curto, principalmente os com vencimento entre 2 e 3 anos.

Começamos a enxergar uma possibilidade (mesmo que pequena) de ocorrer uma queda na Selic ainda em 2023. Por mais errado que esse movimento seja, e temos deixado isso claro de forma recorrente, algumas variáveis-chave devem fazer com que o governo, cada dia mais populista, coloque pressão para que isso ocorra.

Com o índice de confiança em forte declínio, uma atividade econômica mais fraca e crédito secando, teremos uma forte pressão para a redução dos juros, principalmente no segundo semestre.

Caso esse cenário venha a acontecer, o preço será pago no futuro, com a elevação das perspectivas de juros futuros de longo prazo, gerando um aumento ainda maior da inclinação da curva de juros como resultado.

Quanto aos ativos ligados à inflação, estes continuam em um bom momento de alocação, principalmente os de médio prazo.

De uma forma geral, em Crédito Privado, temos feito um movimento de Flight to quality, ou seja, estamos alocando em ativos de extrema qualidade e mais seguros.

Na nossa opinião, consideramos apertado o retorno adicional dos ativos mais High Yield comparado com os ativos High Grade, levando em conta o risco associado. Dessa forma, não justificam uma relação de risco x retorno. Por isso, preferimos ativos com um pouco menos de retorno, mas que nos proporcionam uma segurança muito maior.

Para os ativos de Renda Variável, o cenário de aumento das incertezas impacta diretamente no preço dos ativos. Ademais, acreditamos que uma relevante parte das ações que compõem o índice Ibovespa possui algumas “travas” para o ano, sejam de origem micro ou macro. Isso faz com que o processo da escolha das ações ganhe ainda mais peso do que no passado.

Empresas defensivas, como as exportadoras que conseguem surfar nesse ambiente de juros altos e ainda possuem ampla vantagem competitiva, ganham a nossa preferência na alocação de recursos.

Todavia, oportunidades de curto prazo acabam aparecendo e, eventualmente, entendemos que faz sentido entrarmos com uma parcela minoritária da nossa alocação de risco.

No momento, continuamos com a máxima “cash is king”, ou seja, ter liquidez nos dias de hoje para buscar oportunidades quando a bonança vier.

Abaixo, comento um pouco da nossa visão para EUA, China

EUA

O cenário se deteriorou nos EUA nas últimas semanas. Diante de índices de preços mais elevados, mercado de trabalho ainda bastante apertado e vendas no varejo acima do consenso, o Fed acabou por endurecer mais uma vez sua fala, reforçando que o aperto deve continuar.

Da nossa parte, nenhuma grande surpresa. Afinal, o Fed admitir a taxa acima de 5% era uma questão de tempo.

Na última semana de fevereiro, a inflação ao consumidor (PCE) reforçou nossa percepção de uma demanda interna muito forte, apresentando alta de 0,6% (m/m) no mês de janeiro, acima do 0,5% esperado pelo mercado.

Ainda que o Banco Central dos EUA estenda a janela de juros altos no país, nosso cenário base nesse momento, não acreditamos que a meta de 2% seja alcançável sem penalizar duramente a economia americana, provocando, fatalmente, uma recessão.

Resta agora entender se a meta é de fato o objetivo máximo do Fed ou isso deverá ser ponderado pelos riscos de desaceleração econômica grave.

Na nossa opinião, alcançar os 2%, diante da atual conjuntura, traria à tona o lado mais grave que havíamos mencionado anteriormente e, consequentemente, o mais desafiador para ativos de risco, que seria aproximar os juros nominais nos EUA dos 6%.

Juros próximos aos 5,5% não nos parece fora do radar, principalmente agora que os dados recentes atestaram o quão forte continua a economia norte-americana, o que permitiria um combate mais contundente da inflação com efeitos relativamente controlados na desaceleração econômica.

O mercado agora tem como consenso: (i) aumento de 25 bps em março (4.75% – 5.00%); (ii) alta de 25 bps em maio (5.00% – 5.25%); (iii) elevação de 25 bps em junho (5.25% – 5.50%); e (iv) início de cortes ao final de 2023.

Ponderamos que, de fato, a inflação tem cedido em praticamente todos os itens nos EUA, com menores taxas de crescimento na comparação anual para gasolina, utilities, transportes, eletricidade, alimentação e carros (usados e novos).

Ainda assim, apesar do discurso um pouco mais leve no início do mês, o Fed tem afirmado e reforçado categoricamente que ainda há muito trabalho a ser feito e, ao menos neste momento, o mercado parece ignorar este movimento, tentando prever a queda dos juros, ainda precocemente.

Em suma, o tradeoff entre aumentar ainda mais os juros ou não fortalece a dicotomia entre pouso suave e recessão.

Nossa visão para ações americanas é de um cenário desafiador, principalmente porque acreditamos que o ciclo de aumento de juros tem um risco considerável de ser um pouco maior que o mercado – e, caso não seja maior, será possivelmente mais longo. Tal fato faz com que nossa exposição em ações americanas seja menor que a nossa média.

Além disso, avaliamos que os resultados das empresas que começam a ser divulgados devem ser abaixo das expectativas, principalmente em companhias de tecnologia.

China

Como é sabido, a China vem passando por uma grande turbulência desde o início da pandemia de Covid-19. Vimos, no ano passado, a expectativa de crescimento do PIB chinês, que era de 5,5%, atingir somente 3%. Dessa forma, o país reviu as expectativas para sua economia, colocando uma nova meta de crescimento de 5% do PIB para o ano de 2023.

Apesar desta nova meta ter sido rebaixada, devido ao temor de uma recessão global iminente, a China se figura como um outlier, pois é um dos únicos países prevendo um crescimento de 5% em 2023.

Sendo assim, acreditamos que com o fim da política de lockdown e a reabertura econômica chinesa o cenário é de otimismo, com a demanda da China por matéria-prima crescendo.

A partir da concretização desse panorama, vemos o Brasil como um grande player que pode se beneficiar, em especial com o minério de ferro, pois o mercado imobiliário chinês depende significativamente destas commodities brasileiras.

Outro ponto importante a se destacar é a retomada das exportações de carne bovina, já que praticamente está descartada a possibilidade de contaminação pelo vírus da Vaca Louca, comprovando assim que o caso registrado no Brasil é isolado. Portanto, nos próximos dias, a exportação de carne para a China deve ser retomada e a demanda voltará ao normal.

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Felipe Bevilacqua

Gestor da Levante Asset, fundou em 2017 o Grupo Levante, onde já foi chefe de Análise da Levante Ideias e CEO da Levante Corp. É formado em Economia pela FEA-USP