2023: o ano de gerar alfa

Dessa vez, diferentemente de anos anteriores, o ano no Brasil começou antes do Carnaval

Felipe Bevilacqua

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
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Após dois meses consecutivos de correção, o Ibovespa encerrou o primeiro mês do ano com performance positiva de +3,37%, impulsionado principalmente pela alta nas commodities, amparadas pela reabertura chinesa.

Para ilustrar, o índice de materiais básicos da B3 (IMAT) já sobe cerca de 6,50% neste início de ano. O Ifix (Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários), por outro lado, encerrou mais um mês negativo, impactado ainda pela alta na curva longa de juros, que resiste a ceder de forma mais significativa.

Veja abaixo o desempenho dos principais índices:

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Ao olhar para o mercado brasileiro, vemos valuations extremamente descontados, seja para Ações, Fundos Imobiliários, Ativos de Renda Fixa e até mesmo moedas. Isso é claro e até já virou consenso.

Mas os ativos baratos não irão se valorizar sem alguma mudança conjuntural. A meu ver, apenas duas coisas são capazes disso: (i) Política Local, e/ou (ii) Mercados Internacionais.

No mercado financeiro, tudo precisa de um trigger. E este, sem sombras de dúvidas, está na política. Quando e se acontecer de o governo dar indicações de manutenção da política econômica, mesmo que apenas em algumas variáveis-chave, isso será suficiente para destravar valor.

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O início de ano, de forma geral, foi bastante turbulento para o mercado local, com o escândalo da Americanas surpreendendo os investidores e, consequentemente, trazendo efeitos de segunda ordem em diversos segmentos, pesando principalmente sobre o setor financeiro.

Ainda é cedo para mensurar o tamanho do impacto em companhias que possuem ou possuíam exposição na empresa, seja por meio do equity e/ou da própria dívida, uma vez que as informações ainda são bem desencontradas e, de certa forma, muito bagunçadas.

De qualquer maneira, fatos como esse invariavelmente acontecem no mercado, ainda que de forma rara. Eles nos trazem lições importantes pela ótica da alocação de capital, sobretudo em relação à relevância da diversificação como ferramenta para mitigar riscos que não estão no radar.

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Dado o cenário, o risco de calote e contágio para outras empresas não nos preocupa. Ele é algo que sempre está na conta quando investimos em renda.

Todavia, um fato que merece atenção é o posicionamento tático do mercado. O desempenho negativo de alguns fundos High Grade de renda fixa pode levar a um valor alto de resgates, fazendo com que os preços dos ativos caiam, o que levaria a mais saques.

À vista disso, reduzimos nossa exposição em ativos High Grade, substituindo-os por títulos públicos e uma posição minoritária em ativos High Yield.

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O cenário macro, na nossa visão, ainda carrega bastante incerteza, especialmente pelo lado doméstico, em que o panorama negativo pela ótica dos gastos públicos parece estar bem materializado pelo mercado.

A partir de agora, esperamos um debate mais aprofundado em relação à recomposição de receitas, uma vez que se faz necessário, bem como potenciais impactos das medidas adicionais que serão implementadas pelo novo governo.

De todo modo, não acreditamos, ao menos inicialmente, que nada muito distante de 1,0-1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) de déficit primário deva acontecer este ano.

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Dito isso, a janela de juros altos no Brasil deve permanecer por um tempo mais longo, sem muitas chances de reduções antes do último trimestre de 2023. Para 2024, ainda vemos Selic em dois dígitos.

Como contraponto, e buscando trazer algumas alavancas que consideramos importantes para uma reprecificação dos múltiplos na bolsa local – ainda bastante comprimidos –, temos: o (i) mercado norte-americano, caso os reflexos da política monetária contracionista implementada no país comecem a dar resultados e, consequentemente, aumentem as apostas de fim do ciclo de aumentos e, mais do que isso, na possibilidade de reduções no curto prazo; (ii) do lado doméstico, um novo arcabouço fiscal acompanhado de alívio nos ruídos políticos, principalmente sobre temas mais sensíveis ao mercado, como a autonomia do Banco Central, meta de inflação e interferência política nas estatais.

Em suma, ainda que os riscos estruturais para o Brasil sigam intactos, com desafios importantes para consolidarmos um crescimento mais robusto de longo prazo e visão mais otimista e construtiva, o fato é que o país tem se beneficiado neste início de ano por ser uma alternativa, dentre os emergentes, relativamente mais barata e factível que seus pares, com um diferencial importante, a atratividade no carrego dos juros.

Isso se traduz também pela própria apreciação do real frente ao dólar americano, fechando o primeiro mês do ano sensivelmente abaixo do patamar dos R$ 5,10.

Dessa vez, diferentemente de anos anteriores, o ano no Brasil começou antes do Carnaval.

Ajustes são sempre necessários

Teses mudam, cenários mudam, setores mudam, ainda mais se tratando do Brasil.

Como é fato, a preocupação fiscal e o fato de os juros provavelmente permanecerem altos ainda pelos próximos 12 meses, e olhando o “índice sharpe”, que mede relação risco x retorno, vemos ainda fazer sentido ter posição relevante nas carteiras em renda fixa pós-fixada e com vencimento curto. O longo prazo já é naturalmente incerto e, no contexto doméstico e mundial, está ainda mais incerto que seu normal.

Por essa razão, desde o final do ano passado temos feito esse balanceamento mais conservador e prudente em nossas estratégias, ainda com forte proporção de ativos de renda fixa.

Com o novo cenário e uma expectativa de inflação maior, aumentamos a exposição em ativos pós-fixados do tipo %CDI. Além de atrativos, são uma excelente forma de proteger nosso investidor em um cenário de manutenção/aumento da Taxa Selic comparado com ativos “CDI + %”.

Ativos com “CDI + %” são interessantes em momentos de redução de juros. Afinal, “CDI + %” quando a Taxa Selic estava em 2,00% a.a. pode ser bem diferente de quando a Selic está em 13,75% a.a.

Os ativos Pré-Fixados têm mostrado uma boa atratividade, principalmente nos vencimentos mais curtos entre janeiro/25 e janeiro/26. Julgamos haver uma excelente relação de Risco x Retorno para os ativos.

Para essa estratégia, é interessante buscar ativos com vencimento superior a 24 meses, isso em função do Imposto de Renda (IR) que é regressivo. Lembrando que, a partir de 24 meses, o IR será de 15% sobre o rendimento obtido no período e será retido diretamente na fonte.

Para títulos mais curtos, utilize sempre LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e LCA (Letra de Crédito Agrário), que são isentas de impostos. Lembrando sempre que se deve considerar a taxa com gross up a fim de compará-los com ativos não isentos.

Quanto aos ativos ligados à inflação, eles, sem dúvida, estão em um momento muito bom de alocação, e o mercado está propiciando boas oportunidades. A postura atual do governo, de aumento nos gastos públicos, tem elevado a percepção e a expectativa que teremos uma inflação maior nos próximos anos. Com isso, o retorno desse indexador também aumenta. A alocação em ativos ligados à inflação protege o poder de compra do nosso investidor, além de obter um bom retorno.

De uma forma geral, estamos reduzindo o duration das estratégias, além de não vermos tanto valor nos ativos mais longos agora.

Já quando o assunto é Renda Variável, nossa visão é que 2023 será um ano muito bom para geração de alfa. Além disso, acreditamos que uma parte relevante das ações que compõem o índice Ibovespa possui algumas ‘travas’ para o ano, sejam de origem micro ou macro.

Isso faz com que o processo da escolha das ações ganhe ainda mais peso do que no passado. Ao longo de 2023, observaremos uma dispersão maior dos retornos das ações que fazem parte do principal índice da Bolsa brasileira. Nossas estratégias de ações já começaram a se aaproveitar desse momento.

Já em Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs), a hora é de seguir com nomes estritamente de alta qualidade. Seguimos apreciadores da tese em FIIs, dado seu carrego atrativo em termos de yield e pricing, principalmente considerando reposição. No tático, porém, a Selic segue prejudicando melhor avaliação dos ativos, que carecem de uma metodologia mais adequada e madura no Brasil.

Da mesma forma que falaram que a Renda fixa tinha acabado quando os juros caíram, falam que a Bolsa acabou quando os juros subiram.

Nem a Renda Fixa acabou e nem a Bolsa acabou.

Abaixo, comento um pouco da nossa visão para EUA, Europa e China.

EUA

O primeiro mês do ano foi de alta para os índices dos Estados Unidos, impulsionados principalmente por uma expectativa de redução na intensidade do aumento de juros.

O recuo se materializou no primeiro dia de fevereiro com o Federal Reserve (Fed) aumentando em 0,25 ponto percentual a taxa de juros dos EUA. Agora, a faixa da taxa está entre 4,50% e 4,75% ao ano.

O que mais chamou a atenção foi uma leve mudança no tom da tradicional entrevista coletiva concedida após a reunião por Jerome Powell, presidente do Fed, que aumentou as expectativas de que o órgão governamental deverá desacelerar a alta dos juros ou até mesmo interromper o processo na próxima reunião.

Na nossa visão, a economia dos EUA vive uma dicotomia bem clara entre “pouso suave” ou recessão.

A dualidade que pouco se falava um mês atrás vai ganhar força ao longo dos próximos meses. Notícias e dados que indiquem um “pouso suave” da economia terão o poder de deixar o mercado animado. Mas se elas indicarem recessão… bom, vocês já devem imaginar o que deve acontecer.

Mas a situação por lá é um tanto quanto delicada. Afinal, inflação não é algo tão comum em grandes economias, consolidadas e estáveis, quanto é para nós. A realidade é que a inflação não está controlada e o aumento do custo da mão de obra segue mostrando resistência. A solução para essa inflação seria, obviamente, mais juros.

O trade-off entre aumentar ainda mais os juros ou não fortalece ainda mais a dicotomia entre “pouso suave” e recessão.

Nossa visão para ações americanas é de um cenário desafiador, principalmente porque acreditamos que o ciclo de aumento de juros tem um risco considerável de ser um pouco maior que o mercado. Caso não seja maior, será possivelmente mais longo.

Tal fato faz com que nossa exposição em ações americanas seja menor que a nossa média. Além disso, avaliamos que os resultados das empresas que começam a ser divulgados devem ser abaixo das expectativas, principalmente em companhias de tecnologia.

EUROPA

A Europa tem feito o seu dever de casa ao buscar medidas para controlar a inflação, com um Banco Central mais duro e o objetivo de controlar o aumento generalizado dos preços.

Além do juízo, ela conta com a sorte: o inverno europeu veio bem mais brando do que os dos últimos anos. Isso ajudou a segurar o preço do gás por lá – e liberar mais energia para o setor industrial.

Essa era uma grande preocupação, em função dos conflitos geopolíticos da região. Um inverno forte poderia ter sido ser catastrófico.

Estruturalmente, nossa visão nunca é muito positiva para a Europa. Particularmente, tenho um pé atrás. Vejo com muito cuidado o futuro do continente daqui algumas décadas. O crescimento negativo da população, aliado à mudança estrutural de costumes, pode fazer com que a economia mude consideravelmente.

Mas, desta vez, começamos a ter um olhar um pouco mais positivo para as ações do continente. Assim, podem surgir boas oportunidades.

CHINA

A rápida reabertura da economia no pós-Covid surpreendeu os mercados e foi um vetor de grande importância para o resultado positivo deles em janeiro, principalmente para as commodities, em um primeiro momento.

Para entender o que pode acontecer na economia chinesa na reabertura, basta olhar os jornais brasileiros de 2021/2022: o consumo deve aumentar, principalmente com a população gastando o dinheiro acumulado no período em que praticamente ficou trancada na quarentena.

O mercado imobiliário de lá também pode se beneficiar, como aconteceu aqui, o que seria de suma importância, visto que o mercado imobiliário chinês vinha em uma situação complicada antes do lockdown.

Nossa visão é positiva, mas o mercado observará bem de perto os números da retomada da atividade chinesa.

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Felipe Bevilacqua

Gestor da Levante Asset, fundou em 2017 o Grupo Levante, onde já foi chefe de Análise da Levante Ideias e CEO da Levante Corp. É formado em Economia pela FEA-USP