Selic está muito mais alta do que gostaríamos, mas corretamente ajustada ao momento atual

Problema não está nas críticas de Lula ao BC. A falta de coordenação entre as políticas fiscal e monetária é indesejável e exige excesso nos juros

Evandro Buccini

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Publicidade

Após a repercussão negativa causada pela decisão dividida da penúltima reunião do Copom, quando o Comitê de Política Monetária cortou a Selic em 0,25 ponto percentual para 10,50% ao ano por um placar apertado de 5 votos a favor e 4 votos para um corte maior, de 0,50 p.p., o resultado do encontro de junho não poderia ser melhor, dada a atual situação.

De forma unânime, o Banco Central manteve estável a taxa de juros e foi realista com a inflação, que não está convergindo para a meta e com a política fiscal piorando. Ainda mais importante foi o tão aguardado – e atrasado – decreto que alterou a meta de inflação e foi de certa forma confirmada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no fim do mês. As boas notícias do lado monetário, entretanto, não foram suficientes para reverter a perda de credibilidade da política econômica, refletida na curva de juros e na taxa de câmbio.

Quando comunicou a decisão unânime de manter a taxa de juros estável, o Copom justificou: “A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador demandam serenidade e moderação na condução da política monetária.”

Continua depois da publicidade

A inflação acumulada de 12 meses está acima do patamar de 4% há um ano, lembrando que a meta é de 3%. Os preços de serviços sobem ainda mais, entre 4,5% e 5%, e a expectativa de inflação para 2025 medida pelo Focus saiu de 3,5% em abril para 3,9% no início de julho. No mercado, a inflação implícita medida pela diferença entre os títulos indexados à inflação e os prefixados é ainda maior.

Há um ano, o ministro da Fazenda anunciava que o CMN havia decidido por uma alteração aparentemente sutil, mas muito importante no regime de metas de inflação: a partir de 2025, a meta seria contínua, não mais anual. Seria necessário um decreto para alterar as regras vigentes, que foi divulgado apenas no último dia útil de junho. O atraso levou a uma situação bizarra em que o Banco Central já está primordialmente ajustando a política monetária visando a inflação de 2025, devido aos atrasos usuais dos seus instrumentos, mas sem saber como seria a meta.

A boa notícia – é bom contar, pois são poucas ultimamente – é que o decreto não piorou o sistema atual. A alteração é marginal e permite mais flexibilidade para acomodar choques, por lado, e por outro obriga a divulgação de uma carta e de um plano após seis meses de descumprimento das bandas superiores da meta. É possível uma interpretação de que a mudança abre margem para que o BC estenda o horizonte de convergência para a meta depois de um choque de inflação, o que deixa a escolha do próximo presidente da entidade ainda mais importante.

Continua depois da publicidade

A reação dos preços dos ativos foi praticamente nula após essas duas boas notícias. Os juros futuros até caíram um pouco, mas a taxa de câmbio se mantém em patamar elevado, o que indica que os problemas não estão na política monetária. Nesse período, o cenário externo não teve grandes alterações, apesar de ser ainda desafiador, como diz o BC. A explicação também não está nas entrevistas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dedica a criticar o Banco Central. Todos já aprendemos, em boa medida, a não ouvir os tantos ruídos gerados em Brasília. O problema não é o que falam, mas o que fazem. Este governo está aumentando impostos em velocidade impressionante e mesmo assim está entregando déficits públicos preocupantes.

Fiscal estimula PIB e inflação e piora dívida

A dívida publica brasileira é uma das maiores entre os países emergentes, e ela está crescendo mesmo enquanto o país cresce mais do que o esperado. A relação dívida/PIB cresce quanto mais alta a taxa de juros, maior o déficit fiscal e menor o crescimento do PIB. A taxa de juros relevante não é apenas a Selic, mas a taxa que o Tesouro paga nas emissões. Com toda a volatilidade recente causada pelo governo, os títulos soberanos prefixados e indexados estão com retornos muito mais altos, encarecendo a dívida.

O superavit primário necessário para estabilizar a dívida pública é muito maior do que o governo promete entregar nos próximos anos, e mesmo assim o governo alterou para baixo a previsão de resultado das contas públicas dos próximos anos com antecedência recorde, poucos meses depois de aprovar o chamado arcabouço fiscal. Além de piorar a dívida, o resultado fiscal pior estimula a economia e a inflação, ao mesmo tempo que o BC luta para controlá-la.

Continua depois da publicidade

A taxa de juros está muito mais alta do que gostaríamos, mas está corretamente ajustada para o momento da economia brasileira. Crescimento forte, desemprego muito baixo, inflação acima da meta, resultados das contas públicas insuficientes e piorando, taxa de câmbio depreciando e cenário externo desafiador. A falta de coordenação entre a política fiscal e a monetária é indesejável e exige excesso nos juros, mas quem precisa se ajustar à realidade são os gastos do governo.

Autor avatar
Evandro Buccini

Sócio e diretor de gestão de crédito e multimercado da Rio Bravo