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Desde o início do governo atual, todos prestávamos muita atenção no que aconteceria no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Fonte de muita distorção – para dizer o mínimo – durante todos os mandatos do PT, os pessimistas pareciam ter acertado quando Aloizio Mercadante foi nomeado presidente do banco e o conselho foi indicado não só por indicados dos sindicatos, tanto patronais quanto de trabalhadores, mas também por por economistas flagrantemente heterodoxos.
A hiper expansão do banco entre 2008 e 2015, capitaneada por Guido Mantega e Luciano Coutinho, não resultou em mais investimentos nem ganhos de produtividade. Os subsídios tiveram impactos nas contas públicas, e a intervenção em setores importantes da economia levou a efeitos não esperados muitos anos depois, como a greve dos caminhoneiros. Mas quase nada aconteceu. Até agora.
A Câmara dos Deputados aprovou um projeto que parece inofensivo: a criação das Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCD), instrumento de captação para o BNDES e outros bancos de desenvolvimento, com isenção para o comprador. Mas o texto que foi para o Senado tem detalhes capazes de permitir a reedição de horrores do passado. Ele altera a lei 13.483/2017, que criou a Taxa de Longo Prazo (TLP) e racionalizou o uso dos recursos do BNDES.
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Na mudança proposta, o Conselho Monetário Nacional (CMN) será responsável por determinar a taxa de remuneração dos principais passivos do BNDES – o maior deles é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cujo objetivo é promover a geração de empregos e a qualificação profissional e representa 55% do passivo total. Seus recursos pagam o seguro-desemprego, e uma parcela significativa é aportada no BNDES, que deveria remunerá-la.
Entre 2012 e 2017, o resultado do FAT foi tão ruim que o Tesouro Nacional precisou fazer aportes ao fundo. Antes da criação da TLP, o fundo era exatamente remunerado por uma taxa definida pelo CMN (órgão composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central), como propõe o projeto que cria a LCD. Deu no que deu.
A missão de um banco de desenvolvimento não é oferecer crédito mais barato a um setor que os bancos comerciais já atendem bem. É permitir acesso a empréstimos a pessoas, empresas e projetos que de outra forma não aconteceria – e o ideal é quando acontece o crowding in, quando há envolvimento também do setor privado. Outra forma de ver isso é que os bancos de desenvolvimento deveriam focar em projetos com grandes externalidades. Durante boa parte da década passada, o BDNES financiou e comprou participações em grandes empresas como Petrobras (PETR3; PETR4), Vale (VALE3) e JBS (JBSS3), que tinham pleno acesso a crédito bancário e ao mercado de capitais no Brasil e no exterior.
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O financiamento à infraestrutura é um clássico de bancos de fomento ao redor do mundo. No Brasil, o BNDES sempre foi importante para o setor, mas com atenção limitada pela atenção em outras atividades, o que deixou o país muito atrás dos pares em quantidade e qualidade de infraestrutura. Nos últimos anos, além de maior foco do banco, seus executivos e técnicos apoiaram a criação e a popularização de instrumentos de mercado de capitais para o financiamento de longo prazo a projetos. Um exemplo de como o banco pode ser um catalisador da participação do setor privado em setores antes ignorados.
Repetir o que aconteceu na década passada no BNDES será muito difícil, ainda bem. A sociedade está muito mais atenta ao que acontece no banco e muitas das manobras que o governo usou para crescer o balanço do banco foram declaradas ilegais pelos órgãos de controle. Exatamente essa constante atenção que nos obriga a falar, divulgar e pressionar o Congresso a não aprovar o Projeto de Lei 6.235 de 2023.