Pacote de corte de gastos provou que Lula não acredita em problema fiscal

Algumas medidas são importantes, mas temas essenciais foram esquecidos, como as alterações no seguro-desemprego e a reforma administrativa

Evandro Buccini

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Não tem como escapar do assunto do momento: o tímido plano de corte de gastos do governo acompanhado de um anúncio superficial de reforma do imposto de renda. Em substituição ao teto de gastos, este governo propôs um novo arcabouço que permite que as despesas cresçam junto da arrecadação de impostos. O óbvio aconteceu: houve um aumento recorde de receita, além de crescimento na mesma medida de despesas. Agora que está mais difícil aumentar impostos, o governo precisa cortar gastos para cumprir aquilo que prometeu. O presidente não gostou, pediu para cortar menos e incluir alguma boa notícia no anúncio.

O arcabouço já havia perdido credibilidade com a mudança das metas de resultado das contas públicas para os próximos anos. Afinal, se é tão fácil mudar as metas, elas não são muito críveis. A vontade do governo de aumentar gastos exigiu aumento de receitas: a arrecadação cresceu 4% em 2023 e 12% até  outubro de 2024; já as despesas nos mesmos períodos cresceu 12% e 10%. A dívida bruta do governo passou de 71,7% do PIB em dezembro de 2022 para 78,2% em outubro de 2024, com expectativa de continuar crescendo.

Em um primeiro momento, a decisão do Executivo de anunciar um programa de gastos parecia auspiciosa – teria o ministro da Fazenda convencido o presidente que para manter o arcabouço vivo e evitar ainda maior dano para as expectativas era necessário um ajuste fiscal? Ainda mais na segunda metade do mandato, em que os políticos querem gastar pensando na eleição que se aproxima? Os economistas do setor privado estimavam que, para cumprir as metas auto impostas pelo governo, deveria haver um corte da ordem de R$70 bilhões para 2025 e 2026.

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As discussões sobre o ajuste fiscal levaram algumas semanas, aumentando a impressão de que havia uma discussão aprofundada e que poderia ser um pacote significativo. Mas, na véspera do anúncio, adiado algumas vezes, vazou a notícia de que o presidente gostaria de colocar queijo ralado na feijoada. Confiando no seu instinto político,  Lula pediu para Haddad fazer um pronunciamento em cadeia nacional, o que não é muito comum, e anunciar o cumprimento da promessa da isenção imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais. Não vou entrar no mérito da medida tributária, mas a tentação de incluir uma “boa notícia” junto do pacote de “maldades” era muito grande e foi um desastre.

O que havia vazado do corte de gastos era aquém do que se imaginava e ainda tinha o corte de impostos junto. Na manhã seguinte, seis ministros apareceram muito cedo – para os padrões de Brasília – para tentar explicar a construção e os impactos das medidas. Só o ministro da Fazenda falou e não conseguiu acalmar os ânimos.

As principais medidas são: limitar crescimento do salário mínimo aos parâmetros do arcabouço, focalizar o abono salarial para quem ganha até 1,5 salários mínimos em 15 anos, fazer “pente-fino” no benefício de prestação continuada e Bolsa Família, acabar com supersalários e com alguns privilégios de militares, e limitar concessão de subsídios enquanto houver déficit. Há outras medidas mais orçamentárias,  como alterar regras do FUNDEB e prorrogar novamente a DRU. Temas importantes foram esquecidos, como as alterações no seguro-desemprego e a reforma administrativa.

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Algumas medidas são muito importantes, principalmente o fim dos supersalários e privilégios. Uma parte delas, as que controlam fraudes em políticas públicas, que não são exatamente corte de gastos, mas parte da obrigação do governo, não precisavam estar em um pacote como esse. Este ano o governo já havia prometido economizar dezenas de bilhões com esse tipo de controle e está entregando muito menos do que o anunciado. As estimativas de consultorias especializadas indicam uma redução de despesas nos próximos dois anos da ordem de R$30 a R$40 bilhões.

O aumento da isenção do Imposto de Renda para cinco mil reais vazou horas antes do pronunciamento do ministro. Apesar de logo o governo também vazar que haveria compensação e não perda de arrecadação, o leite já estava derramado. Provou que o presidente não acredita em problema fiscal, em necessidade de corte de gastos. A reforma tributária é um assunto complexo, que foi usado aqui para tentar confundir as pessoas. O envio do projeto este ano para discussão no ano que vem já era esperado, mas a confusão pode ter enterrado o tema, pelo menos por alguns meses.

O corte de gastos abaixo do esperado e o anúncio atabalhoado são a prova de que o governo fará apenas o mínimo necessário para garantir o cumprimento das metas pouco ambiciosas do arcabouço. A dívida pública está muito elevada e deve, pelo menos, parar de crescer. Para isso, o resultado das contas públicas precisa ser muito melhor do que está previsto nas metas para os próximos anos.

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Ao contrário da maior parte das medidas anunciadas, os efeitos devem ser sentidos por todos nos próximos meses: o dólar passou de 5,8 reais para 6,08 reais e deve em breve encarecer os produtos importados, alimentos e commodities e a taxa de juros futura esperada para o começo de 2027 passou de 13,3% para 14,8%, com a SELIC precificada na curva chegando a 15,5% para conter a inflação e tentar controlar as expectativas. O assunto ainda vai demandar mais um texto, já que as medidas precisam ser aprovadas pelo Congresso e podem repercutir em mudanças ministeriais em 2025.

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Evandro Buccini

Sócio e diretor de gestão de crédito e multimercado da Rio Bravo