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Desde 2014, o Brasil agoniza uma crise interminável. Quando vem um alívio, alguma esperança, uma luz no fim do túnel, chega outra crise.
De 2015 a 2016, o PIB cai aproximadamente 7%, a renda do brasileiro se deteriorou e o desemprego explodiu. Tivemos o impeachment, e uma esperança com Temer.
Em seu curto, mandato, Temer trouxe avanços importantes, como a reforma trabalhista e a PEC do teto dos gastos. Além disso, estava tudo certo para a aprovação da reforma da Previdência. Com isso, o mercado projetava um PIB na casa 2,5% a 3% em 2018.
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Mas aí novamente os fatos venceram a esperança. Veio o “Joesley day” e a reforma da Previdência ficava para o próximo governo. Mesmo assim, sem reforma da Previdência, ainda havia otimismo. Até que veio a greve dos caminhoneiros e o crescimento mais uma vez fica para depois.
Depois de tantas de duchas de águas frias, finalmente chegamos às eleições. Bolsonaro vence e monta uma equipe de craques. Paulo Guedes, Moro, Tarcísio, entre outros. Nomes que tinham (e têm) todo apoio da população e agradam o mercado.
Certamente, nomes que emprestaram apoio e força política para Bolsonaro inclusive passar uma reforma duríssima, a da Previdência. Certamente, a pressão popular e de setores da sociedade junto ao Congresso Nacional foi fundamental para a aprovação da Nova Previdência.
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Com sua aprovação, o risco fiscal foi mitigado, gerando uma grande expectativa de retomada dos investimentos e do crescimento do PIB finalmente a passar os 2%.
Até então chegar algo inesperado, que não estava nos planos: a covid-19. O vírus coloca a economia mundial de joelhos, diante das medidas de contenção. A paralisação da economia e as medidas emergenciais trazem um risco adicional para o país: uma crise fiscal.
Com a paralisação da economia, estima-se que a economia brasileira poderá cair de 5% a 10% em 2020. Na prática, isso significa perda de arrecadação do governo federal. A menor arrecadação, combinada com o aumento dos gastos dos emergenciais, acarreta em aumento do déficit fiscal.
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Para cobrir esse déficit, o governo precisa se endividar ainda mais com a sociedade brasileira. Com isso a relação dívida/PIB poderá chegar a 90%. Nos EUA, esse patamar não seria um problema, diante da credibilidade e capacidade de financiamento da economia americana a juros baixíssimos. Mas no Brasil, uma economia emergente, com graves problemas estruturais, a situação é muito delicada.
Mesmo antes da Covid-19, já estávamos numa situação fiscal muito complicada. Agora, com o aumento inevitável do endividamento, o país não terá mais chance para errar, como bem destacou o economista Marcos Lisboa na Live do Lide Ceará.
Aliás, neste evento, que também contou com a participação do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, e o senador Tasso Ribeiro Jereissati, todos foram unânimes em apontar os grandes desafios fiscais e de crescimento que o Brasil tem pela frente (aqui).
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Acontece que eles já demonstravam preocupação num evento que ocorreu ontem (23), antes mesmo da demissão de Sérgio Moro do ministério da Justiça. Imagine hoje…
Com a saída de Moro, o que já era difícil ficou quase impossível. Moro emprestava apoio popular ao governo Bolsonaro dada a sua reputação anticorrupção. Além disso, sua saída pode abrir um precedente que mais ministros peçam demissão, como, por exemplo, Paulo Guedes.
Vale dizer que, dentro da área econômica, existem diferentes visões sobre a condução do pacote emergencial. De um lado, a turma de Guedes e Mansueto, que acredita que a retomada deve ser via estímulos ao setor privado, de outro, a ala militar desenvolvimentista, que defende a maior participação do Estado na retomada do crescimento do país.
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Divergências à parte, o ponto é que, com a saída de Moro, Bolsonaro perde apoio popular e, portanto, capacidade de aprovar reformas junto ao Congresso Nacional. Se a aprovação de medidas juntamente ao Congresso já era complicada, imagine agora com um presidente mais enfraquecido, com a perda de um dos seus principais ativos.
Mais do que isso, a saída de Moro traz um grande clima de incerteza para o país. A forma pela qual ocorreu a exoneração do diretor da PF foi muito estranha, para dizer o mínimo. No pedido, constava a assinatura de Sérgio Moro; no entanto, o ex-ministro da justiça nega ter assinado o documento. Tal fato pode indicar crime de falsidade ideológica.
Em suma, vivemos uma crise na saúde, na economia e, agora, na política. Bolsonaro cometeu suicídio político. Resta saber se como iremos juntar os estilhaços desta bomba na reconstrução do país. Mas como dizem por aí: “a esperança é a última que morre”.
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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós-graduação.