Funcionário público paga mais, mas gera maior déficit na previdência

Embora o setor privado, em termos absolutos, seja o maior responsável pelo rombo previdenciário (75% do total),  o déficit per capita do funcionalismo público (RPPS) é bem maior (R$129.000 para militares, R$61.429 para servidores públicos civis e R$8.053 para aposentadorias do INSS), trazendo necessidade de ajuste das regras para eles também.

Alan Ghani

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Fila de pessoas aguardam atendimento no INSS
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A reforma da previdência é um tema polêmico em qualquer lugar do mundo. No Brasil não é diferente. Com o envelhecimento da população, se as regras atuais de aposentadoria não mudarem, o sistema irá colapsar. Ou toda a sociedade faz um sacrifício agora, ou pagaremos um preço muito alto daqui alguns anos.

A ideia de que a reforma deve ser para todos não é uma questão política, mas sobretudo econômica. Todos os setores são responsáveis pelo déficit previdenciário, conforme tabela abaixo.

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Embora o setor privado, em termos absolutos, seja o maior responsável pelo rombo previdenciário (75% do total),  o déficit per capita do funcionalismo público (RPPS) é bem maior (R$129.000 para militares, R$61.429 para servidores públicos civis e R$8.053 para aposentadorias do INSS), trazendo necessidade de ajuste das regras para eles também.

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A distorção decorre da disparidade de regras entre um setor e outro, principalmente para os funcionários públicos estatutários que ingressaram na carreira antes de 2003. Para esse grupo, recolhe-se 11% em média sobre todo o salário (a alíquota pode variar de acordo com a função, estado e município), e o servidor público se aposentará com o seu último ordenado. Após a aprovação da EMC 41/03, a princípio, um funcionário que entrou para a carreira pública após 2003, se aposentará com a média dos seus 80% maiores salários.

Um argumento geralmente utilizado pelos servidores públicos civis estatutários na defesa de suas aposentadorias maiores é que eles recolhem contribuições para a aposentadoria sobre todo o salário, e não apenas sobre o teto do INSS, como ocorre para trabalhadores da iniciativa privada ou os funcionários públicos celetistas.

Assim, por exemplo, se uma pessoa no setor privado que ganhou em média se R$ 10.000, recolhe R$642,29 (11% x R$5.839) e se aposentaria com R$5.839 a valores constantes. Já o servidor público que ganhasse na média R$10.000, irá recolher R$1.100, mas se aposentará com os R$10.000 (média dos seus salários, e não o último salário). Embora o servidor público recolha mais, o déficit gerado por ele é substancialmente maior. Um exemplo ajuda a elucidar a questão.

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Um trabalhador do setor privado terá contribuído a valores constantes (sem o efeito da inflação) com R$292.242 ao longo de 35 anos (R$642 de contribuição x 13 salários x 35 anos). Já um servidor público, no mesmo período, terá contribuído com R$500.500. Baseado na expectativa de vida média do IBGE, ambos viverão, na média, 24 anos após a idade de aposentadoria. O aposentado do setor privado gastará R$1.821.768 (aposentadoria de R$5.839 x 13 pagamentos x 24 anos), enquanto o servidor público consumirá do sistema R$3.120.000 (R$10.000 de benefício x 13 pagamentos x 24 anos).  Trazendo os pagamentos e os benefícios recebidos a valor presente por uma taxa real de 4,5% a.a (0,37%a.m), cada trabalhador do setor público gera um déficit de R$ 154.217, enquanto o trabalhador da iniciativa privada, de R$90.111. Diante dessas premissas, a valores de hoje, o déficit per capital gerado pelo servidor público é 71% em relação ao INSS.

Essa conta não serve para culpar mais A ou B pelo déficit da previdência, mas para mostrar que todos, sem exceção, devem ter suas regras adequadas a fim de manter a sustentabilidade do sistema previdenciário para as próximas gerações, evitando assim um colapso fiscal que teria consequências drásticas  para toda a sociedade (inflação alta, desemprego, queda da renda), principalmente para os mais pobres.

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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós-graduação.

 

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Alan Ghani

É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.