Uma chance desperdiçada

O Marco Legal das Startups poderia, mas perdeu a oportunidade, de regular melhor os Stock Option Plans

Alexis Borowik Rosa Ana Carolina Monguilod

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Nick Youngson CC BY-SA 3.0 Alpha Stock Images
Nick Youngson CC BY-SA 3.0 Alpha Stock Images

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No dia 1º de junho de 2021, o Marco Legal das Startups (LC 182/2021) foi sancionado, com vetos, pelo Presidente da República. Para muitos, e nos filiamos a esse entendimento, ele foi tímido nas alterações e inovações que promoveu.

Por um lado, (i) trouxe a definição e os requisitos para uma empresa ser considerada uma “startup”; (ii) regrou quem pode fazer aportes de recursos nessas sociedades e quais tipos de aportes podem ser realizados; (iii) buscou trazer segurança jurídica aos investidores, prevendo que os investidores não são responsáveis pelas dívidas das empresas investidas; (iv) criou uma modalidade especial de licitação para estimular a participação de startups em certames licitatórios; e (v) deu mais flexibilidade para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) facilitar o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais. Todos esses pontos devem ser celebrados.

Por outro lado, principalmente do ponto de vista fiscal, perdemos a oportunidade de endereçar certos temas que afligem não somente o ecossistema de inovação do país, mas também empresas dos mais diversos portes.

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Nesse aspecto, destacamos o tema dos planos de opções de subscrição de ações, os chamados stock option plans, aos quais singela menção havia sido feita no texto original do Projeto de Lei (PLP 146/2019), com preocupante detalhamento aprovado pela Câmara de Deputados na redação final enviada ao Senado. O Senado acabou por suprimir os dispositivos que tratavam como rendimento tributável pelo Imposto de Renda e por contribuições previdenciárias o valor justo das opções no momento do exercício da compra das ações.

O Projeto de Lei certamente não era perfeito por diversos aspectos. Deveria ter sido aperfeiçoado para melhor tratar de todos os pontos controversos relevantes. Contudo, ao simplesmente abandonar o tema em vista do risco de se ter regulação equivocada, a sociedade civil perdeu a oportunidade de discutir sua redação de modo a trazer a segurança jurídica almejada pelo mercado.

Os planos de pagamentos em ações são frequentemente adotados pelas sociedades como forma de se reter executivos, empregados-chave ou prestadores de serviço relevantes, permitindo que eles possuam uma participação futura na sociedade, e aproveitem o crescimento e a valorização da empresa no longo prazo.

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Atualmente, na legislação brasileira, chamam nossa atenção duas menções aos planos de opção de compra de ações. A primeira, e mais relevante, está no §3º do art. 168 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), que prevê a outorga de opções dentro do limite do capital autorizado. A segunda é o art. 33 da Lei nº 12.973/2014, que trata do momento da dedutibilidade da “remuneração dos serviços prestados por empregados ou similares”, quando efetuada por meio de acordo com pagamento baseado em ações.

E a caracterização desses programas como “remuneração”, ou não, corresponde exatamente ao embate travado entre empresas e autoridades fiscais. Em suas autuações, o Fisco normalmente busca caracterizar a outorga de opções de compra de ações como benefício de natureza remuneratória, o que tornaria as empresas sujeitas ao recolhimento das contribuições previdenciárias com potencial incidência de imposto de renda para as pessoas físicas.

No nosso entendimento, o plano de opções, quando corretamente estruturado, consiste em contrato mercantil desvinculado do contrato de trabalho por estarem presentes a voluntariedade e onerosidade, bem como os riscos decorrentes da operação para seus beneficiários.

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O próprio Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu que o direito decorrente do plano de opção é vantagem eminentemente mercantil e não se encontra atrelado à força laboral, pois não possui natureza de contraprestação.

Outro ponto controvertido é o momento de incidência do imposto de renda do beneficiário das stock options. A redação inicialmente aprovada pela Câmara, mas posteriormente excluída, previa que o ganho seria apurado no momento do exercício da opção de compra de ações. A nosso ver, contudo, quando o beneficiário do plano exerce suas opções, mediante o pagamento de determinado preço (comumente chamado de exercise price), ele se torna mero proprietário das ações, não existindo ainda a efetiva realização de renda, fato este que somente ocorrerá quando o beneficiário alienar as ações para terceiros.

Na ausência de legislação de regule o assunto de maneira expressa, aos contribuintes somente resta reafirmar o caráter mercantil dos seus planos de opções, eventualmente buscando medidas judiciais protetivas.

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Sabemos que o tema não é trivial e demandaria debates aprofundados pelo Legislativo. Mas nos parece que a decisão de o abandonar não foi a mais acertada. Os stock option plans, muito utilizados por empresas de diversos portes, são particularmente comuns no ecossistema da inovação. No mais das vezes, consistem na única forma de os sócios empreendedores convencerem profissionais capacitados a acreditarem nos seus projetos. Logo, perdemos a chance de endereçarmos essa matéria, deixando escapar uma oportunidade de pacificarmos, ao menos, um assunto controvertido nesse país.

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Alexis Borowik Rosa

Alexis é advogado na área de societário e M&A do i2a Advogados. Com 8 anos de atuação nas áreas Societária, M&A e Imobiliário em grandes escritórios de advocacia. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com pós-graduação em Direito Societário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa - Insper.

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Ana Carolina Monguilod

Ana Carolina Monguilod, sócia do i2a Advogados, Mestre em Direito Tributário Internacional (LL.M) pela Universidade de Leiden, na Holanda, coordenadora do Grupo de Estudos de Políticas Tributárias (GEP), diretora da ABDF (braço da International Fiscal Association no Brasil), co-Chair do WIN (Women of IFA Network) Brasil e professora de direito tributário do Insper.