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A eleição de Donald Trump em 2024 representa o retorno de um líder controverso à cadeira de presidente dos Estados Unidos, o que tem gerado preocupações entre analistas internacionais e membros de governos em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Há muitos pontos sensíveis em discussão neste momento, que, em alguma medida, geram uma certeza e quatro dúvidas, até esse momento.
A certeza é: a reeleição de Trump, que havia perdido o pleito quatro anos atrás, mostra a força do republicano nas urnas, o que ecoa também a força de movimentos conservadores não apenas nos Estados Unidos – que poderão, inclusive, ser impulsionados pelo “efeito Trump” nos próximos anos. Há quem diga que Kamala Harris não se elegeu por conta do desempenho da economia norte-americana na atual gestão, mas é inegável que a expressividade da votação indica o peso do trumpismo.
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Para além dessa certeza, uma reflexão inicial permite levantar dúvidas inquietantes, e que tocam o Brasil. A primeira delas envolve o sistema multilateral. Em seu primeiro mandato, Trump adotou uma abordagem que priorizava o nacionalismo econômico, manifestando-se de maneira contundente contra instituições internacionais e acordos multilaterais, como a OTAN, a ONU, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e Organização Mundial de Saúde (OMS), especialmente no contexto da pandemia, posicionando os Estados Unidos em um patamar de isolamento que afetou diretamente a cooperação internacional em questões como segurança, economia e meio ambiente.
Há receios de que, a depender da postura do republicano, o segundo mandato traga um endurecimento ainda maior nesse sentido, com Trump possivelmente buscando desmantelar alianças tradicionais para reforçar o discurso de autossuficiência norte-americana.
Entre os riscos, destaca-se o impacto que essa postura anti-multilateral pode ter na estabilidade de blocos regionais e nas agendas globais de segurança e meio ambiente. Os esforços conjuntos para enfrentar problemas globais, como as mudanças climáticas, a regulação de tecnologias emergentes e a prevenção de conflitos armados, podem ser enfraquecidos caso os Estados Unidos se afastem ainda mais desses acordos. A potencial retirada do apoio financeiro e operacional norte-americano de iniciativas de paz ou de desenvolvimento sustentável ameaça desequilibrar as políticas globais já fragilizadas, sobretudo em áreas de instabilidade crônica. Resta saber qual será a postura de Donald Trump.
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A reeleição do republicano também levanta preocupações sobre uma possível retomada da guerra comercial com a China, uma questão central em seu primeiro mandato e que contribuiu para mobilizar parte de sua base de apoio nas ruas.
Trata-se, de certa forma, de um tipo de posição mais ideológica do que pragmática. Trump reforçou uma postura agressiva de combate ao que ele considera como sendo práticas comerciais desleais, aplicando tarifas sobre uma vasta quantidade de produtos chineses e restringindo empresas de tecnologia no mercado norte-americano. No contexto atual, a eventual disputa diplomática sino-americana pode ser ainda mais sensível, abrangendo não somente a pauta comercial, mas também a competição tecnológica e a influência geopolítica, particularmente na região do Indo-Pacífico.
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Uma nova escalada tarifária poderia gerar consequências significativas para as cadeias globais de produção, que já sofrem pressões desde a pandemia e a Guerra na Ucrânia. Essa estratégia de confrontação poderia também ampliar a dependência da China de outros parceiros comerciais, acelerando alianças alternativas, especialmente no Sudeste Asiático, na África e na América Latina, em busca de mercados e de cooperação tecnológica.
Para outros países, incluindo o Brasil, uma guerra comercial renovada entre os Estados Unidos e a China poderia apresentar desafios e oportunidades. Por um lado, o Brasil poderia enfrentar mais oscilações no comércio global e uma possível retração econômica se as tensões causarem incertezas prolongadas. Reforço: “se”. No entanto, o país também pode se beneficiar indiretamente, ocupando parte do espaço deixado pela China no mercado norte-americano, ao menos em alguns setores, e, em contrapartida, suprir demandas chinesas por produtos agrícolas e minerais. Essa posição, contudo, exigiria um planejamento estratégico e um trabalho diplomático extremamente cuidadosos por parte do governo brasileiro, que precisaria manter relações estáveis com ambos os países e evitar um alinhamento excessivo com qualquer um dos lados.
Por fim, cabe refletir sobre as alianças internacionais: Quem devem ser os aliados globais de Trump? O retorno do republicano pode reformular o quadro de alianças dos Estados Unidos. Em 2024, com um contexto político global alterado, é possível que Trump busque construir laços com países que compartilham de sua visão de mundo, seja por alinhamento ideológico ou por interesses estratégicos em antagonizar potências ocidentais tradicionais.
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Um exemplo disso é a Argentina, cujo presidente Javier Milei tem mostrado proximidade com as ideias conservadoras mais radicais, o que pode aproximar os dois países em temas como política econômica e estratégias de isolamento de instituições multilaterais latino-americanas, como o Mercosul ou BRICS. Outro possível aliado é a Rússia, cuja relação com os Estados Unidos tende a ser marcada por complexidade e pragmatismo. Embora ambos os países tenham uma longa história de rivalidade, Trump já demonstrou simpatia por Vladimir Putin e, caso ele busque um realinhamento, isso poderia gerar tensões com a Europa e com o próprio sistema da OTAN.
E a relação com o Brasil? Para o governo Lula, os impactos da nova presidência de Trump são ambíguos e dependem do modo como a gestão se posicionar no que diz respeito a determinadas questões. A pauta ambiental, por exemplo, pode se tornar um ponto sensível, uma vez que um recuo dos compromissos norte-americanos geraria pressões adicionais contra o Brasil, tanto em termos diplomáticos quanto em termos de financiamentos de projetos de preservação.
No setor econômico, a imprevisibilidade do segundo governo Trump também coloca em risco as exportações brasileiras, pois pode haver novas barreiras comerciais sobre produtos agrícolas e manufaturados, em especial se houver a adoção de medidas protecionistas que priorizem a produção interna dos Estados Unidos. Assim, o Brasil precisará adotar uma postura equilibrada, mantendo suas relações com os EUA, mas sem perder de vista a importância de diversificar suas parcerias e de atuar de maneira ativa na defesa do multilateralismo global.
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Em tempos de possível guerra comercial, ao menos o Brasil segue exportando uma coisa com certa facilidade: meios de lidar com crises complexas.
* Rodrigo Gallo é cientista político, coordenador do curso de Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).