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Costumo sempre dizer que a coisa mais próxima de um instituto de pesquisa que qualquer pessoa com acesso à internet tem hoje em dia são as suas redes sociais. Todos somos impactados por conteúdos, verificamos como nossos amigos e conhecidos se comportam e reagem a determinados assuntos e lemos comentários de publicações para entender o que as pessoas pensam sobre determinados temas. E aí entra o famoso: “tá todo mundo falando sobre”.
Bom, não está. Há duas características fundamentais sobre a produção de conteúdo digital que quem não tem acesso a poderosas ferramentas de análise nunca irá descobrir: as maiores bolhas da internet são muito menores do que se imagina e pouquíssimas pessoas produzem a maior parcela de tudo o que se consome dentro das bolhas. Na prática, vivemos em várias bolhas, porque o usuário, que somos nós, consome diversos tipos de conteúdo. Alguns com mais intensidade, outros de forma passiva. E o mais importante: são sempre os mesmos que produzem aquilo que, de alguma forma, vamos consumir. Sim, a premissa de que a internet é uma espécie de “Ágora Virtual”, que democratiza o debate, pode até parecer conceitualmente verdadeira, mas a prática é bem diferente da teoria. Vamos aos dados.
Há muitas pesquisas bastante interessantes indicando que as bolhas são, na verdade, compostas por pequenos grupos altamente engajados. E começar com política, um assunto que nos dá a impressão de ser dominante e altamente polarizado, nos ajuda a compreender o fenômeno. Um estudo de 2019 revelou que apenas 6% dos usuários do X (antigo Twitter) nos EUA produzem 73% dos tweets políticos, sugerindo que a percepção de uma grande bolha política é, na realidade, influenciada por uma minoria vocal. Se olharmos o caso do TikTok, independente da bolha, encontraremos a mesma característica: 25% dos usuários são responsáveis por 98% do conteúdo disponível. Aqui, já podemos depreender uma informação muito relevante: uma minoria ativa e extremamente vocal molda significativamente a experiência da maioria — uma crítica, inclusive, frequentemente feita aos tradicionais meios de comunicação.
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A impressão de que estamos todos inseridos em grandes bolhas homogêneas pode ser atribuída ao fenômeno da “câmara de eco”, onde indivíduos com opiniões semelhantes se agrupam, amplificando suas crenças. Contudo, essa amplificação pode criar uma falsa sensação de consenso. De um lado, porque nossos algoritmos tendem a nos impactar continuamente com o mesmo conteúdo, gerando a falsa impressão de que a internet inteira está discutindo determinado assunto ou tendo a mesma opinião, mas, principalmente, porque cria a sensação equivocada de que realmente há muita gente falando sobre aquele tema. Se ainda nos atermos ao X, um estudo da Universidade de Harvard mostrou que 10% dos usuários são responsáveis por 90% do conteúdo gerado dentro da plataforma.
Ainda não está convencido da desproporção? Veja o caso da Wikipédia: 0,7% dos usuários produzem mais de 80% dos conteúdos. Entre os influenciadores no Instagram, 11% possuem mais de 80 mil seguidores . Na propagação de notícias falsas, 8% dos usuários que compartilham conteúdos duvidosos são responsáveis por quase 70% de todo o tráfego relacionado a fake news.
Esses dados evidenciam que, embora a internet ofereça uma plataforma para a expressão ativa de todos, são poucos os indivíduos que realmente moldam as narrativas predominantes. Essa disparidade levanta questões sobre a representatividade das opiniões online e como pequenas bolhas podem exercer uma influência desproporcional no discurso público.
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Agora que já verificamos que a maior parte do conteúdo é produzido por uma parcela pequena dos usuários, vamos olhar o tamanho das bolhas. Realizei, junto com o time da Timelens, um levantamento exclusivo para este artigo, e os dados são impressionantes. A maior bolha do Brasil em 2024 foi a do futebol, e ela soma “apenas” 15% do total de conversas no digital. Se somarmos toda a bolha de fofoca, não chega a 5% de tudo o que é discutido. Política: 4,14%. A bolha inteira da religião chega a 3% do total de conversas e quase empata com os reality shows, que somam 2,90%. Criamos 34 categorias de análise, e, se você quiser saber mais, os dados podem ser encontrados na tabela abaixo:
CATEGORIAS DISCUTIDAS NA INTERNET | PERCENTUAL DAS CONVERSAS EM 2024 |
Futebol | 15,32% |
Música | 12,12% |
Humor | 10,99% |
Lifestyle | 7,31% |
Fofoca | 4,30% |
Política | 4,14% |
Religião | 3,00% |
Reality Shows | 2,90% |
Outros esportes | 2,60% |
Empreendedorismo e coaching | 2,30% |
Games | 2,26% |
Educação | 1,93% |
Automotivo | 1,86% |
Fitness | 1,79% |
Novelas | 1,74% |
Sorteios, rifas e bets | 1,70% |
Arte | 1,44% |
Cultura | 1,36% |
Entretenimento | 1,21% |
Parentalidade | 1,30% |
Viagem | 0,83% |
Comédia | 0,75% |
História | 0,65% |
Moda e beleza | 0,61% |
Streaming | 0,38% |
Relacionamento | 0,38% |
Maquiagem | 0,39% |
Cinema | 0,28% |
Beleza | 0,21% |
Marcas | 0,17% |
Mídia e notícias | 0,10% |
Séries | 0,05% |
Cultura pop | 0,01% |
Outros | 13,69% |
Provavelmente, quando você encontra aquele assunto que você discute e consome intensamente, ele lhe pareceu muito pequeno frente ao tamanho do total de conversas na internet, certo? E neste caso, a crença das grandes bolhas homogêneas desmorona quando olhamos para os dados. A verdade é que uma minoria hiperativa molda o conteúdo digital, enquanto a maioria apenas consome passivamente. O que parece ser um debate amplo é, na realidade, um reflexo do que poucos escolhem colocar em pauta. O resultado? Discussões infladas, tendências superestimadas e uma percepção distorcida da realidade. Antes de dizer que “tá todo mundo falando sobre”, vale se perguntar: quem está falando de fato? E, mais importante, quantos estão ouvindo?