O futuro da agroindústria na era da disrupção

Será que o mesmo modelo de inovação e crescimento que levou nossos empresários à liderança global em diversos segmentos do agronegócio poderá garanti-la nas próximas décadas?

Octaciano Neto

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Feitos com vegetais, os hambúrgueres "plant based" replicam sabor e visual da carne (Sean Gallup/Getty Images)
Feitos com vegetais, os hambúrgueres "plant based" replicam sabor e visual da carne (Sean Gallup/Getty Images)

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A agroindústria brasileira é gigantesca. Em 2019, ela faturou R$ 700 bilhões e respondeu por quase 25% dos postos de trabalho gerados pela indústria de transformação do país, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).

Boa parte desse crescimento se deve à capacidade de inovação dos empresários desse setor.

No entanto, será que o mesmo modelo de inovação e crescimento que levou nossos empresários à liderança global em diversos segmentos do agronegócio poderá garanti-la nas próximas décadas?

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Um relatório recente, intitulado “Rethinking Food and Agriculture 2020-2030”, mostra que as regras que dominaram o agronegócio podem não ser mais válidas.

“Estamos à beira da mais profunda e mais rápida disrupção na produção de alimentos e agricultura desde a primeira onda de domesticação de plantas e animais dez mil anos atrás”, diz o estudo.

O relatório é de auditoria da RethinkX, uma think tank independente liderada por Tony Seba — um nome importante do Vale do Silício, onde ele atua como pesquisador, educador e empreendedor há mais de 20 anos.

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Seba vem descrevendo como a convergência tecnológica tem transformado indústrias gigantescas, como a de energia, a automotiva e, agora, a de alimentos. E as conclusões da RethinkX são alarmantes.

Tecnologias de bioprocessamento que utilizam microrganismos para produzir materiais orgânicos complexos permitirão que, em 2030, produtos como carnes e laticínios possam ser produzidos em laboratório de forma competitiva.

Hoje, essas tecnologias são muito caras para produção em escala comercial.

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Mas, assim como ocorreu com os processadores de computadores e smartphones, o custo deve cair exponencialmente nos próximos anos, fazendo com que fabricar carne e leite no laboratório possa ser mais barato do que produzi-los nas fazendas.

Como resultado, o boi e a vaca podem sofrer do mesmo destino das câmeras fotográficas analógicas e das máquinas de escrever: serem substituídos por uma tecnologia superior em processo de disrupção tecnológica.

Kodak ou Fujifilm?

A história está cheia de empresas que foram surpreendidas por tecnologias que existiram por anos, sem causar grandes impactos, mas que, de repente, experimentaram uma adoção super acelerada.

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Aconteceu com a IBM, em relação aos computadores pessoais, com a Nokia, frente à nova geração de smartphones, e está acontecendo com as montadoras do setor automobilístico, frente aos carros elétricos.

Para evitar esse destino, os empresários e empreendedores da agroindústria brasileira, assim como no passado, precisarão ser pioneiros em repensar a inovação no seu negócio.

Mais do que nunca, é importante lembrar que, para cada Kodak, existe também uma Fujifilm.

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Na mesma década em que a primeira viu o seu negócio ruir até pedir falência, a segunda investiu em inovação e dobrou de tamanho, utilizando as mesmas tecnologias que aplicava na produção de filmes fotográficos para entrar em setores como o cosmético, o farmacêutico e o de materiais especializados.

Seguir o caminho da transformação por meio da inovação começa com a capacidade de olhar o presente a partir do futuro.

A alta liderança da empresa deve ser capaz de saltar 10 a 15 anos no tempo e se questionar como os consumidores estarão atendendo às mesmas necessidades para as quais, hoje, eles consomem seus produtos e serviços.

A própria JBS investiu na sua própria linha de produtos de carne ‘plant-based’, que hoje faz frente aos produtos da Fazenda do Futuro.

Um exemplo notável é a brasileira Positive Brands que, em 2015, lançou o leite de origem vegetal ‘A Tal da Castanha’, num bonito projeto de valorização do pequeno produtor rural do Nordeste.

A história dos irmãos Carvalho não tem nenhuma ligação com a indústria dos laticínios. Por que esse produto não foi lançado por um player desse setor?

Inovar no core business — e além dele

Apenas construir a visão de futuro não basta. É necessário construir e se comprometer com um portfólio de investimentos em inovação que inclua tanto iniciativas que fortaleçam o core business, quanto construam o posicionamento necessário para prosperar no futuro.

É o que faz a Citrosuco, empresa brasileira líder mundial na produção de suco de laranja.

Os investimentos em inovação de processos e automação realizados em toda a cadeia de valor da empresa a tornaram globalmente competitiva.

Além disso, a pesquisa da Citrosuco no combate ao greening — praga que devastou as plantações de laranja no estado americano da Flórida — permitiu que o impacto no Brasil fosse muito menor, protegendo seu negócio.

Porém, ao mesmo tempo em que a empresa investe para continuar sendo a maior produtora mundial de suco de laranja, também se esforça para diversificar seu mercado, seguindo o mote “muito além do suco”.

Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento permitiram à Citrosuco criar produtos novos que aproveitam todos os elementos da laranja, desde fibras capazes de substituir a gordura de hambúrgueres até itens de higiene e limpeza.

A verdadeira causa da disrupção não é a tecnologia, mas sim o consumidor, quando ele decide gastar o seu dinheiro de outra forma.

Durante anos, a agroindústria nacional cresceu investindo no aumento da sua capacidade produtiva e na sua eficiência.

No entanto, mudanças de hábito nunca vistas antes, como a adoção das ‘carnes de planta’, podem mudar as regras desse jogo.

Para prosperar nesse novo mundo, os empresários da agroindústria brasileira precisam olhar o seu negócio a partir do futuro e investir para além do core business, a fim de atender a demandas de mercado que estão começando a se formar.

Esta jornada não é fácil mas, com certeza, é um desafio à altura dos empresários e empreendedores responsáveis por construir o gigante que é a agroindústria brasileira.

*Artigo escrito em conjunto com Jaime Frenkel, sócio, diretor e head de inovação da EloGroup

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Octaciano Neto

É associado da área de agronegócio da consultoria EloGroup, um dos líderes do RenovaBr, produtor rural e apresentador do podcast 4.0 no Campo. Foi secretário de Agricultura do Espírito Santo e presidente do Conselho dos Secretários de Agricultura do Brasil