O CRA Garantido como instrumento de fomento aos pequenos produtores

Operação é revolucionária para o mercado de capitais do agronegócio, que ainda não conseguiu transpor adequadamente a barreira das operações de financiamento corporativo

Leandro Issaka

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No último dia 29 de março, foi emitido o primeiro Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) que contou com garantia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Foi a 59ª Emissão da Ecoagro, com lastro em notas promissórias emitidas por produtores pessoas físicas e jurídicas clientes ou associados à Cotrijal Cooperativa Agropecuária e Industrial, uma cooperativa agropecuária sediada na cidade de Não-Me-Toque, no Rio Grande do Sul.

A operação foi revolucionária para o mercado de capitais do agronegócio, que ainda não conseguiu transpor adequadamente a barreira das operações de financiamento corporativo.

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Desde a segunda metade da década de 1990, o mercado de crédito rural foi marcado pelo fomento direto do BNDES. Com o esgotamento das fontes oficiais de crédito rural, o banco implementou uma série de programas de investimento com intuito de alavancar a infraestrutura produtiva de agricultores e cooperativas.

Ao desenvolver esse papel, foram geradas duas importantes consequências para o mercado de crédito a pequenos e médios produtores.

Em primeiro lugar, o acesso a crédito a taxas subsidiadas e carências alongadas fez as condições oferecidas pela inciativa privada, a taxas de mercado, não serem atrativas a produtores “mal-acostumados”.

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A segunda consequência está atrelada à falta de fiscalização do direcionamento dos recursos. As linhas de financiamento acabam se tornando meros empréstimos, com indevidos desvios de finalidade.

Esses fatores incentivaram os produtores rurais a não se estruturarem para acessar outros tipos de crédito, principalmente via mercado de capitais, que, em regra, é mais rígido quanto ao controle da destinação de recursos, garantindo assim o investimento na infraestrutura produtiva.

Entretanto, o BNDES parece estar revisando sua atuação no segmento.

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O CRA Garantido (como vem sendo chamado o CRA com essa modalidade de garantia do BNDES) materializa a nova postura da entidade, que vem a reboque de um novo marco regulatório do financiamento ao agronegócio, iniciado com a Lei do Agro (Lei nº 13.986 de 7 de abril de 2020), e, mais recentemente, com a criação dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) pela Lei 14.130 de 29 de março de 2021.

Foram emitidas três séries de CRA (sênior, mezanino e subordinada), sendo a sênior a única que contou com o aval do BNDES. Aplicou-se uma taxa de equivalente a 100% da variação acumulada da Taxa DI, acrescida da taxa prefixada de 0,5% ao ano (em um ano de 252 dias úteis). Isso equivale hoje a uma taxa de juros de 3,15% ao ano. Ainda que pós-fixada, é muito atrativa para um financiamento rural.

A garantia tem, obviamente, um custo. Ele não está refletido na taxa de juros, mas sim no custo “all in” da operação, que correspondeu a uma comissão de R$ 515.366,93 a ser paga pela securitizadora, descontado do preço de integralização dos CRA.

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Aqui fica uma possível crítica: não estaria o BNDES apenas trocando o veículo pelo qual o produtor rural obtém financiamento a taxas subsidiadas?

Nesse ponto, eu vejo o copo meio cheio, como um bom otimista. A participação do BNDES vai servir de catalizador para esse tipo de captação de recursos. Caso o histórico dessa e das próximas emissões de CRA demonstrem que a estruturação foi adequada, que o arcabouço contratual e de demais garantias foram seguros e suficientes, bem como que não se teve um histórico de inadimplemento justificando a execução da garantia, pode haver aí um caminho para futuras emissões sem a necessidade do aval do BNDES. Não vai ser logo, mas terá sido dado o primeiro passo.

Inevitável comparar o CRA com o Certificado de Recebíveis Imobiliário (CRI), que está uma década à frente em termos de regulação e aplicação prática.

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É certo que hoje o CRI consegue fomentar o pequeno empreendedor imobiliário, ainda que em sua maioria por meio de ofertas restritas captadas junto a investidores profissionais, seja ele um incorporador em São Paulo ou uma loteadora no Mato Grosso.

Com o CRA Garantido, deu-se um primeiro passo para que o certificado rural atenda os pequenos e médios produtores, a meu ver com uma capacidade de crescimento muito maior do que o mercado de CRI.

Obviamente, pelo pioneirismo e pelos riscos que permeiam um “novo produto”, a emissão foi objeto de oferta restrita destinada apenas a investidores profissionais, cuja distribuição foi realizada pelo Banco Alfa, na figura de coordenador líder da oferta.

Outro ponto que vale a pena destacar é que o lastro dos CRA emitidos na operação analisada foram notas promissórias.

A primeira operação com lastro em nota promissória da qual participei foi em um CRA emitido em agosto de 2019, já dentro da regulamentação da Instrução CVM 600, com regras específicas sobre a emissão e oferta de CRA. Desde então, esse tipo de lastro vem se popularizando na securitização, tanto por meio de CRA quanto de CRI.

No caso do CRA da Cotrijal, as notas promissórias foram emitidas por produtores rurais, tendo cada uma delas a vinculação de Cédula de Produto Rural (CPR) com penhor cedular de soja ou milho (mas considerando a possibilidade de se atrelar mais de uma cultura como garantia de uma emissão, outra atipicidade do caso, pois em regra as garantias se limitam a um só tipo de cultura).

As formalizações das notas promissórias e das CPRs são verificadas por um agente de formalização e cobrança extrajudicial, contratado na operação para este fim, que deve verificar e atestar a existência e a exigibilidade dos direitos creditórios do agronegócio e das CPR, bem como sua legalidade, legitimidade, veracidade e correta formalização.

Isso, sem dúvida, dará uma maior segurança à operação e diminuirá o risco, tendo em vista a pulverização dos devedores.

Tenho muita esperança de que esse projeto piloto do BNDES ganhe escala, que o CRA com aval do BNDES se concretize como um fator de democratização do crédito e que permita o acesso dos pequenos produtores ao crédito por meio do mercado de capitais, com riscos adequados ao investidor, taxas acessíveis ao produtor rural, bem como segurança e previsibilidade para ambos os lados.

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Leandro Issaka

Leandro Issaka é sócio fundador do i2a Advogados. É especialista em mercado de capitais imobiliário e do agronegócio e professor visitante de mercado de capitais na pós-graduação da PUC-GO.