Publicidade
Há poucos dias, neste mesmo espaço, afirmei que a eleição norte-americana não alteraria fundamentalmente as relações entre Washington e a América Latina. Indiquei, no entanto, que obviamente haveria impactos para a região.
Pois bem, aqui estamos: Donald Trump obteve uma vitória expressiva e, até a publicação deste artigo, os republicanos caminham para controlar tanto a Câmara dos Representantes quanto o Senado.
Não pretendo abordar as razões da sua vitória. Mas acredito que está claro que, tanto nos Estados Unidos quanto na América Latina, a onda conservadora iniciada na última década está longe do fim. As frustradas tentativas de reeleição de Donald Trump, em 2020, e de Jair Bolsonaro, em 2022, tiveram conotações circunstanciais, e não estruturais, sendo a má gestão da pandemia uma variável comum a ambos.
Continua depois da publicidade
O principal risco que o retorno de Trump gera ao Brasil é amplamente conhecido: a retomada de tarifas contra setores estratégicos, como o agropecuário e o siderúrgico. Além disso, a política econômica do futuro governo americano pode gerar movimentos inflacionários no longo prazo, possivelmente pressionando a taxa básica de juros domesticamente. Nesse sentido, se a agenda fiscal já vinha se impondo ao governo Lula, após a vitória republicana pode ganhar impulso adicional.
LEIA TAMBÉM: Eleição de Trump nos EUA pode afetar o pacote fiscal de Haddad? Veja cenários
Além disso, espera-se que o retorno de Donald Trump revitalize tanto o bolsonarismo quanto o seu líder maior. O que não significa que isso levará à anistia do ex-presidente brasileiro e, logo, à sua candidatura presidencial. São muitos os interessados em mantê-lo inelegível, inclusive supostos aliados.
Independentemente do futuro jurídico-político de Jair Bolsonaro, o aumento de sua credibilidade, impulsionado pela vitória trumpista, intensificará a pressão sobre o governo Lula.
Continua depois da publicidade
Trata-se de uma notícia ruim para um governo que vem demonstrando dificuldades em se conectar com parcelas da população, como evidenciaram as eleições municipais deste ano. Desde que começou, o Lula 3 tem vivido de boas memórias, reciclando agendas exitosas no passado, mas que já não respondem aos atuais desafios do país.
Nesse sentido, chama ainda mais a atenção a manifestação de apoio do presidente brasileiro a Kamala Harris na reta final da campanha. O envolvimento no processo eleitoral de uma nação estrangeira é por si só um equívoco diplomático. Mas se torna ainda mais grave no caso de um governo que, há menos de um mês, viu o seu próprio país pender para a direita.
Em linhas gerais, a vitória de Donald Trump não terá grandes efeitos sobre o Brasil. Brasília e Washington mantêm vínculos políticos, econômicos e culturais que são não apenas sólidos, mas bicentenários. Para o presidente Lula, contudo, a reenergização dos bolsonaristas, vitaminados pelo movimento trumpista, representa ao mesmo tempo uma oportunidade e um desafio para tirar o governo da relativa letargia em que se encontra.
Continua depois da publicidade
* Thiago Schwinke Vidal é diretor de Análise Política da Prospectiva Public Affairs Lat.Am. É cientista político e mestre em políticas públicas pela Universidade de Brasília (UnB), e especialista (MBA) em relações governamentais pela Fundação Getulio Vargas (FGV).