Na busca do perfil de risco perfeito aos objetivos do investidor

Estudo da CVM conclui que a Resolução CVM 30 demonstra eficácia positiva, porém limitada, abaixo do nível potencial

Francisco Amarante

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Logotipo da CVM. Foto: Divulgação
Logotipo da CVM. Foto: Divulgação

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Estudo elaborado pela CVM sobre o processo de análise do perfil do investidor (suitability) revela que 88% dos investidores pesquisados nunca tiveram um assessor de investimentos ou profissional vinculado à sua corretora, preenchendo ou direcionando suas respostas no processo de verificação do seu perfil de investidor.


A análise que tem como objetivo encontrar evidências de que a Resolução CVM 30 está cumprindo os seus objetivos regulatórios e apontar eventuais melhorias, realizou uma pesquisa temática com 2,815 investidores, já conhecidos pela CVM e muitos dos respondentes a essa questão, que afirmaram terem sido auxiliados no preenchimento do perfil de risco, mencionaram recomendações de influenciadores nas redes sociais e não dos seus assessores de investimentos.


A pesquisa indicou que 65% dos respondentes, raramente ou nunca, levam em conta ao tomar suas decisões financeiras, a análise de perfil do investidor (API), de que trata a Resolução CVM 30 e é aplicada pelo intermediário e ainda mais preocupante é o resultado do NPS (net promoter score) de (-) 61, quando ele é questionado sobre quão decisiva é a assessoria prestada pela corretora no processo de tomada de decisão dos seus investimentos.

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Isso por si só, já é um grande motivo para se entender o papel do suitability e a sua eficácia na proteção do investidor. O próprio anglicismo no uso do termo, já cria uma barreira natural de entendimento ao investidor não qualificado e por mais louvável que seja a intenção do regulador, melhorias nos processos são necessários.


O descasamento do perfil dos entrevistados com o banco de dados da B3 e do que o regulador classifica como investidor do varejo, chamou a atenção no estudo, pois 92,5% deles possuem no mínimo ensino superior e 82,4% deles possuem mais de 36 anos, em contraste com os dados da B3, que indicam 66% dos investidores pessoa física com menos de 39 anos e apenas 7% com mais de 60 anos.

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Outro ponto relevante da amostra é que 76% dos entrevistados investem em produtos financeiros a mais de 5 anos, ou seja, não são investidores iniciantes e/ou inexperientes.


Esse indicador de não indução ao preenchimento do questionário de perfil de risco é muito importante, pois tem sido diversas as acusações de clientes e outros participantes de mercado, aos assessores de investimentos e aos intermediários, na imprensa e nas redes sociais. Muitas delas se comprovaram sem fundamento e pertinência, como observado pelo autorregulador BSM, que apresentou no estudo os seguintes dados:

  1. Redução do número de reclamações de investidores, por milhão de CPF único;
  2. Redução dos apontamentos de auditoria por número de corretoras com registro ativo entre 2019 e 2023.

No período compreendido entre 2019 e 2023, com uma base estável do número de intermediários ativos em torno de 259 participantes, foram abertos 182 apontamentos de auditoria relacionados a suitability e apenas 2 PAD (processo administrativo disciplinar).

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O número de apontamentos teve uma redução drástica, caindo de 74 em 2019, para 14 em 2023, resultando numa média de 0,14 apontamentos + PAD por intermediário, o que parece ser uma média bem aceitável dado o universo do nosso mercado.

Outro indicador relevante que fortalece a conformidade dos intermediários e seus prepostos é o número de reclamações de investidores relativas a suitability iniciadas na BSM em busca do MRP (mecanismo de ressarcimento de prejuízos), por milhão de CPFs únicos registrados em mercado organizado de bolsa.

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Muito embora o número de investidores na B3, tenha crescido exponencialmente de 534.000 em 2016, para mais de 5.000.000 em 2024, o indicador caiu drasticamente de 9,4 para 0,2, demonstrando que a despeito de ter crescido 10 vezes o número de investidores e até mesmo de assessores de investimentos, os processos têm se mostrado eficazes.

Quando aprofundada a análise para aspectos qualitativos, verificou-se que 67% das reclamações eram improcedentes, 10% parcialmente procedentes, 10% fizeram acordo, 10% foram arquivados e 5% desistiram da reclamação. Todos que apresentaram recursos na CVM, não obtiveram decisão diferente da apresentada pela BSM.

Importante ressaltar que a maioria dos casos improcedentes se deve ao cliente reclamar de operações num perfil de risco inadequado, muito embora tenha assinado um questionário resultante num perfil agressivo ou mesmo tenha assinado Termo de Ciência de Risco para operações fora de seu perfil, e que depois resultaram em prejuízo.

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Não podemos deixar de lado na análise os mais de 30 milhões de cotistas em fundos de investimentos, que são valores mobiliários, assim como em outros ativos não necessariamente atrelados a B3.

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Interessante notar que nos processos de MRP, a análise qualitativa aponta, que as principais fontes de fricção e ineficácia no suitability são:

a. Classificação inadequada do perfil de risco do investidor, com referência agravante a atuação dos assessores de investimentos;

b. Termo de Ciência de Desenquadramento e risco não estão dando orientação financeira aos investidores.

No entanto, ressalta-se que grande parte dos reclamantes que acusaram o assessor de investimentos de indução no preenchimento dos perfis de risco, não tiveram sucesso nas suas alegações devido a falta de provas ou a constatação de que o reclamante não disse a verdade.


Tem sido uma preocupação constante do regulador a proteção do investidor, em especial aquele classificado como de varejo. Os efeitos que a crise financeira mundial de 2008-2009 trouxe, ficaram marcados para sempre, e com eles vieram maiores obrigações aos intermediários, dentre elas o dever de verificação da adequação dos produtos, serviços e operações financeiras ao perfil de risco do cliente investidor.

O expressivo aumento de assessores de investimentos e consequentemente de investidores, muitos deles de varejo, reacendeu discussões milenares como a assimetria informacional e o conflito de interesses, no caso por conta das comissões recebidas e/ou pela não transparência sobre o papel dos diversos participantes de mercado, contextualizando a avaliação de resultado regulatório (ARR) publicado, esse mês de janeiro, pela assessoria de análise econômica, gestão de riscos e integridade (ASA).

É bastante louvável esse cuidado do regulador, que nos últimos anos, procurou editar normativos convergentes com a sua intenção de dar proteção e transparência ao investidor, como podemos verificar não só na Resolução CVM 30, que trata do perfil de risco e da adequação, mas também nas Resoluções CVM 175, 19, 178, 179 e 210, que tratam respectivamente da indústria de fundos de investimentos, dos consultores de valores mobiliários, dos assessores de investimentos, da transparência e conflitos de interesse dos intermediários e da portabilidade.

Dados da ANBIMA, divulgados no estudo, comprovam a evolução regulatória, mesmo sentindo o impacto das recentes alterações no Código de Distribuição, que gerou interpretações diversas, e mesmo assim configura-se que as ineficiências estão centradas nos processos e não na ponta comercial, com mais de 70% dos perfis em situação regular e apenas 8% dos perfis não mapeados.


Analisando as irregularidades que mais se repetem nos instrumentos de sanção, pode-se constatar que a maioria ocorre por falha nas metodologias de classificação de risco dos clientes e por falha na classificação de risco dos produtos, ressaltando que no biênio 2023-2024 esse número reduziu significativamente.


É incontestável a melhora dos indicadores de eficácia, comprovando o contínuo processo de amadurecimento da atividade de assessoria de investimentos.


Já quando olhamos para os dados obtidos no estudo pelo regulador, no período de 2019-2023, ao depararmos com os processos administrativos abertos referentes a suitability, por número de intermediários ativos na CVM, apenas 21% deles são referentes ao assessor de investimentos, em especial a oferta de produtos não adequados ao perfil de risco do cliente. Muito embora o estudo queira ressaltar a influência dos assessores no preenchimento de mapeamento de perfil de risco dos investidores, 7 casos abertos em 5 anos de análise, parecem ser insignificantes e talvez nem merecessem o destaque dado.

Muitas das falhas apontadas pelo regulador deveriam ser direcionadas ao compliance do intermediário e não diretamente ao assessor, como o estudo sugere.

Sem querer tirar a responsabilidade do intermediário e do profissional comercial por eventuais falhas no processo, chama a atenção o relatório com o nº de reclamações de suitability recebidas na SOI/CVM, no período de julho de 2023 a setembro de 2024:
a) 18%: reclamou, mas a operação estava dentro do perfil;

b) 6%: reclamou, mas era investidor qualificado ou tinha assinado o termo de desenquadramento e risco;

c) 27,5%: cliente acusa por recomendação não adequada ao perfil, mudança de perfil, pelo assessor ou não foi orientado sobre os riscos.

Lembro que a BSM havia apontado que grande parte das reclamações que ela recebeu não eram pertinentes, pois o reclamante não conseguiu provar ou não disse a verdade.

O estudo conclui que a Resolução CVM 30 demonstra eficácia positiva, porém limitada, abaixo do nível potencial. Conclui, também, que se não houvesse supervisão e autorregulação e regulação a fricção seria maior, mas o fato é que os indicadores vêm melhorando e a percepção não positiva é do próprio investidor, reforçando a importância que a educação financeira tem na formação do mercado.


O regulador sugere algumas recomendações de melhorias no processo, as quais destaco o compartilhamento de informações de perfil de risco mapeado (open finance), como o mais importante, pois como verificado no estudo nem sempre o cliente tem razão.

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Francisco Amarante

Superintendente da ABAI (Associação Brasileira dos Assessores de Investimentos)