Instabilidade com ares de normalidade

Gatilhos acionados por Sérgio Moro ameaçam a continuidade do governo, mas dificilmente uma ruptura aconteceria ainda em 2020

Thiago Vidal

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(Isaac Amorim/MJSP)
(Isaac Amorim/MJSP)

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Em política, costuma-se dizer que a forma importa mais do que o conteúdo. Via de regra, isso diz respeito a negociações destinadas a produzir acordos político-partidários. No entanto, adapto essa avaliação para um assunto que pouco tem a ver com as negociações cotidianas de Brasília: a demissão de Sérgio Moro. Tivesse o ex-ministro apresentado uma carta e saído pelos fundos, a situação do país hoje seria diferente. Provavelmente, haveria algum dano ao governo Bolsonaro, mas nada comparável ao estrago causado pelo discurso do ministro demissionário que paralisou o país.

De toda forma, neste ponto me rendo aos historiadores, para quem o passado não aceita divagações hipotéticas. O diagnóstico, aqui, é apenas um: para bem ou para mal, a forma escolhida por Sérgio Moro para deixar a Esplanada condicionou o restante do mandato de Jair Bolsonaro.

E a questão fundamental colocada após o fatídico 24 de abril é precisamente quanto tempo o presidente terá de governo. Entre os que pressupõem a continuidade e descartam qualquer novo infortúnio político mais adiante, a resposta é óbvia: dois anos e meio. Já os que calculam um possível encurtamento da atual administração, a conclusão é menos assertiva: ao rejeitar uma saída à francesa, Moro descortinou três cenários que podem implicar na saída precoce de Bolsonaro do Planalto.

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O primeiro se refere à investigação da Procuradoria-Geral da República, que, se transformada em denúncia, deixará o campo da justiça e migrará para o da política. Também por isso, é difícil precisar a data de sua conclusão. Mas, supondo-se o worst-case scenario – autorização da denúncia pela Câmara, abertura de processo criminal pelo Supremo, afastamento de Bolsonaro por até 180 dias e, posteriormente, sua cassação -, possivelmente pularíamos o carnaval de 2021 ainda sem saber se o presidente do Brasil é um capitão ou general.

O segundo diz respeito à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, à qual Moro aparentemente estaria disposto a comparecer. Eventual desdobramento jurídico decorrente da CPMI dependerá do que os órgãos de justiça e controle farão com o relatório do colegiado. De toda maneira, uma vez que os seus trabalhos foram recentemente prorrogados por mais seis meses, é improvável que algo aconteça antes de dezembro deste ano.

O terceiro, por fim, recai sobre um impeachment. Este poderia resultar da própria CPMI das Fake News, de algum dos cerca de 30 pedidos que descansam sobre a mesa do presidente da Câmara dos Deputados, ou até mesmo de eventual nova Comissão Parlamentar de Inquérito. Como não há, no horizonte de curto prazo, desfecho estimado para qualquer dessas frentes, o mesmo se aplica para um afastamento de Jair Bolsonaro. Cabe recordar, ademais, que, no caso do impedimento de Dilma Rousseff, seu afastamento temporário só aconteceu cinco meses após a abertura do processo.

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De todos os três cenários, o segundo é certamente o mais desestabilizador. Caso a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito entenda que houve favorecimento ilegal à chapa presidencial vitoriosa em 2018, tanto Bolsonaro quanto o seu vice poderão ser cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Na prática, isso resultaria em novas eleições, que, a partir dos prazos expostos anteriormente, ocorreriam em 2021 e seriam, portanto, indiretas.

Como se percebe, o que os três gatilhos acionados por Sérgio Moro têm em comum é que, se, por um lado, ameaçam a continuidade do governo; por outro, dificilmente a ruptura aconteceria em 2020. O que não significa dizer, entretanto, que não perturbarão o cenário político no curto e médio prazo. Ao contrário, a divulgação do depoimento de Moro à Polícia Federal e a injeção de adrenalina na CPMI das Fake News são alguns exemplos do que vem pela frente. Enquanto isso, a economia se deteriora; Bolsonaro abraça o centrão; o Congresso mira nas eleições; e, desorganizadamente, o país reage à Covid-19. O cenário político dos próximos meses será, seguramente, de altíssima instabilidade com ares de normalidade. E, no final, tudo pode acontecer, inclusive nada.

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Thiago Vidal

Diretor de Análise Política da Prospectiva Public Affairs Lat.Am. É cientista político e mestre em políticas públicas pela Universidade de Brasília (UnB), e especialista (MBA) em relações governamentais pela Fundação Getulio Vargas (FGV)