Guerra intensifica desafio dos Bancos Centrais: Brasil saiu na frente, mas jogo não está ganho

Conflito traz um cenário de mais inflação e menos crescimento em relação ao que era projetado; será necessário tempo e persistência para quebrar a “espinha dorsal” da inflação e trazê-la de volta às metas

Caio Megale

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O Federal Reserve, o banco central americano, subiu sua taxa básica de juros nesta quarta (16), exatamente dois anos depois de ter cortado para zero em resposta à pandemia. E a instituição sinalizou que as altas vão continuar ao longo de todo o ano de 2022. O Fed se junta a outros bancos centrais de países desenvolvidos e emergentes que começaram a subir juros recentemente.

Demorou. O movimento acontece quando a inflação nesses países já vem rodando bem acima das metas e a demanda interna está muito aquecida. Mas “antes tarde do que mais tarde”, como diz a sabedoria popular.

Retardar o ajuste pode tornar o trabalho de reequilibrar a economia mais difícil e traumático no futuro, como argumenta Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano, em recente artigo para o Washington Post.

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A guerra na Ucrânia, no entanto, tornou maior e mais urgente o desafio dos BCs. O índice CRB de preços de commodities subiu 8% desde o início do ano – depois de quase 30% em 2021 – intensificando o choque de custos. O petróleo sobe 39% no ano, enquanto o trigo tem alta 42% e o milho, 27%.

Em situação normal, bancos centrais deveriam encarar a guerra como um choque de oferta, aceitando a inflação temporariamente mais elevada. Cuidariam apenas de garantir que o choque inicial se limitasse aos produtos diretamente impactados pela alta de custos, sem se espalhar para os demais preços da economia.

Mas essa não é uma situação normal. A economia global já estava muito desequilibrada por conta da pandemia, tanto do lado da oferta de produtos como do lado da demanda, super estimulada pelas políticas de transferência de renda e crédito barato. Então, não resta alternativa aos BCs que não seja intensificar o aperto monetário.

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Nesse sentido, o Brasil saiu na frente e tem mais graus de liberdade. O Copom começou a subir os juros em março do ano passado e foi acelerando o passo ao longo do tempo. Atualmente, já estamos com os juros em terreno contracionista, diferentemente da maioria dos países. Isso permite ao Copom mais “serenidade” na reação de política monetária, como indicado no comunicado que acompanhou sua decisão de março.

Ainda assim, o jogo está longe de estar ganho.

O IPCA no primeiro bimestre de 2022 rodou acima de 10% ao ano, indicando que a alta de juros promovida até agora fez pouco efeito sobre a inflação corrente.

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Além disso, ainda há pouca clareza sobre o tamanho do choque adicional gerado pela guerra. Em poucas semanas, o petróleo brent foi de US$ 90 o barril para US$ 130, voltou abaixo de US$ 100 e, enquanto eu escrevo este texto, está em US$ 107.

Não sabemos como será a produção e o escoamento de grãos na região do conflito, que produz parcela importante da oferta global. Tampouco se sabe quanto a oferta de fertilizantes estará comprometida para esta e a próxima safra.

Em outras palavras, o risco inflacionário pode ser bem maior do que aquele que se apresenta agora.

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Mas, mesmo que os preços das commodities se estabilizem ou recuem um pouco, a inflação em 2022 deve ficar acima do limite de tolerância do regime de metas, pelo segundo ano consecutivo.

E dificilmente a meta de 3,25% de 2023 será atingida, pois seria necessária uma desaceleração muito abrupta, improvável com a pressão de custos que ainda está por vir.

Esse período prolongado de inflação acima da meta tende a contaminar as expectativas, tornando a inflação mais rígida.

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As expectativas influenciam a remarcação de preços, que passa a ser “precaucional” – ou seja, as empresas sobem seus preços para se precaver de perdas no futuro, independente de outros fatores.

Diante deste cenário tão incerto, me pareceu boa a estratégia de comunicação do Copom no comunicado de março de trabalhar com dois cenários: um de referência, no qual os preços das commodities ficam mais pressionados e demandam juros mais altos do que os 12,75% esperados pelo relatório Focus, de projeções do mercado; e um alternativo, criado temporariamente para esta ocasião, com preços mais alinhados aos vigentes na hora da decisão, no qual a trajetória do Focus seria adequada.

Dependendo da evolução dos acontecimentos, o Copom ajusta seu plano de voo para um lado ou para o outro.

De toda forma, dificilmente teremos juros abaixo dos 12,75%. E tampouco parece haver espaço para reduzir a aperto nos próximos trimestres, pois será necessário tempo e persistência para quebrar a “espinha dorsal” da inflação e trazê-la de volta às metas até 2024.

Em suma, a guerra traz ao Brasil e ao mundo um cenário de mais inflação e menos crescimento em relação ao que era o projetado no início do ano. Quanto mais tempo se prolongar o conflito, mais intenso tende a ser esse quadro.

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Caio Megale

Economista-chefe da XP Investimentos. Foi secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio e Diretor de Programas no Ministério da Economia entre 2019 e 2020. Antes, foi Secretário Municipal da Fazenda de São Paulo de janeiro de 2017 a dezembro de 2018. No mesmo período, foi vice-presidente da Associação Brasileira de Secretários de Finanças das Capitais (ABRASF). Entre 2011 e 2016, foi associado do Itaú Unibanco e um dos responsáveis pela equipe de economistas do banco. Anteriormente, foi economista do Lloyds Asset Management, da Máxima Asset Management e da Gávea Investimentos. Em 2005, participou da fundação da Mauá Investimentos, da qual foi sócio e economista chefe até 2010