Guerra comercial e desglobalização 2.0

a teoria de tarifas sobre importações implica em perdas potenciais para a sociedade, afetando os excedentes dos consumidores e produtores

Alexandre Espirito Santo

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O retorno de Donald Trump à Casa Branca ocorreu dia 20 de janeiro e, de lá para cá, muitas de suas promessas já foram colocadas em prática pela nova administração. Penso que ninguém possa afirmar que tenha ficado surpreso, pois todas foram pautas de sua campanha, de forma clara.

Uma das que tem maior probabilidade em afetar a economia global é a imposição de tarifas sobre o comércio internacional, como a decisão de taxar produtos mexicanos (25%), canadenses (25%) e chineses (10%), iniciando uma “guerra comercial”.

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Importante lembrar que nas últimas três décadas, notadamente após o chamado “Consenso de Washington” (John Williamson/FMI – 1989/90), a globalização impulsionou o crescimento econômico, inserindo bilhões de pessoas no mercado de consumo, sobretudo de países emergentes. Depois da crise de 2008, contudo, ela sofre reveses e começamos a experimentar um processo de mudança gradual, inclusive com Trump I.

Somente para contextualizar, a teoria de tarifas sobre importações implica em perdas potenciais para a sociedade, afetando os excedentes dos consumidores e produtores. Dessa forma, a arrecadação do imposto precisa ser bem dimensionada, para se verificar, liquidamente, a situação final da política, após o novo equilíbrio.

Indo adiante, os EUA sofrem de um mal comum à grande maioria dos países: dívida elevada (135% do PIB). Nesse sentido, seus déficits precisam ser controlados de alguma forma; no caso um desafio hercúleo para Trump II. Para tal, fazer o ajuste via impostos é uma decisão controversa, embora não deixe de ser uma alternativa. A outra é a presença de Elon Musk, com seu DOGE, para tratar de eficiência da máquina pública, com redução coerente de gastos e aumento da produtividade.

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Voltando à teoria, essa imposição de tarifas traz a reboque um potencial aumento da inflação. Alguns economistas acreditam que a provável elevação nos preços possa ser mitigada pela valorização do dólar ou até mesmo por troca de produtos externos por locais. Quem diria ver, em pleno século XXI, o chamado Processo de Substituição de Importações (PSI), dos cepalinos Celso Furtado e Raúl Prebisch, sendo adotado lá em cima.

Um aspecto que não tenho visto ser discutido pelos analistas tem a ver com o impacto dessa decisão nos lucros empresariais das empresas americanas listadas em bolsa. Aumento de preços importados certamente afetará os resultados das empresas para pior. Num contexto de mercado de trabalho bastante apertado como o atual, de salários em alta, o que tende a ocorrer é, muito provavelmente, a redução de margens de lucratividade.

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Abordo essa questão para lembrar que os índices acionários americanos estão, em termos de valuation, “entre o lustre e o teto” há tempos, com índices perto das máximas históricas, o que pode ocasionar, em algum momento não muito distante, uma forte onda de vendas, com efeitos deletérios sobre as famílias de classe média, que investem em bolsa de valores. Minha expectativa é de quedas nos índices, que podem ser significativas.

De prático, México e Canadá conseguiram adiar por um mês o início do tarifaço, buscando negociações que possam abrandar os impactos da ação trumpista. A China foi reclamar na OMC, revidou com taxas sobre energia e investigando o Google. O fato é que o Brasil ficou (pelo menos por enquanto) de fora do alcance das medidas, embora a recente decisão de tarifas sobre aço e alumínio, caso prospere, irá atingir as empresas brasileiras do setor.

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Para encerrar, o cenário prospectivo é complexo e precisamos fazer nosso dever de casa fiscal com muito mais rigor, consubstanciado em reformas, ajustes no orçamento e redução de gastos. Do contrário, seremos penalizados por essa nova etapa que se avizinha: a desglobalização 2.0.

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Alexandre Espirito Santo

Sócio e economista-chefe da Way Investimentos, coordenador de Economia e Finanças da ESPM