General Electric: a gigante não é mais a mesma — e isso é promissor

Nossa confiança na companhia deriva da metamorfose pela qual a GE vem passando desde outubro de 2018, sob o comando de Larry Culp

Roberto Vinhaes Maria Antonia Viuge

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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A General Electric já não é mais a mesma empresa que eternizou Jack Welch nas escolas de negócios.

A companhia que, durante a gestão de seu mais festejado CEO, chegou a ser a empresa mais valiosa do mundo, gerou US$ 80 bilhões de receitas anuais em 2020, patamar bem diferente dos US$ 180 bilhões de 2008.

Nossa confiança na companhia deriva da metamorfose pela qual a GE vem passando desde outubro de 2018, sob o comando de Larry Culp.

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O americano de 58 anos é o primeiro outsider a liderar a gigante industrial em 126 anos. Culp fez sua carreira no conglomerado industrial de alta tecnologia Danaher entre 1990 e 2015, ocupando o cargo de CEO entre 2001 e março de 2015, quando saiu após montar um cuidadoso plano de transição.

Sob sua liderança, a Danaher viu sua receita aumentar cerca de 400%, seu lucro operacional se multiplicar por quase seis vezes e o valor de mercado passar de cerca de US$ 8 bilhões para US$ 60 bilhões.

Nesse mesmo período, a GE passou por dificuldades sob o comando do CEO Jeff Immelt, que assumiu também em 2001 e lá permaneceu até agosto de 2017, quando entregou o posto para John Flannery, que ficou apenas até outubro de 2018.

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Além da performance dos negócios da Danaher sob Culp terem sido muito superiores àqueles da GE sob Immelt e Flannery, a diferença do retorno para os acionistas é chocante.

No gráfico a seguir, assumimos maio de 2001 como data inicial, calculamos o retorno das ações assumindo reinvestimento dos dividendos, e marcamos com sombreado a gestão de Culp.

O que o executivo fez na Danaher é o que se propõe a fazer na GE: implementar uma cultura corporativa obsessivamente focada em custos, produtividade e resultados por meio do princípio de gestão chamado “lean management”.

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Trata-se de um conjunto de princípios e ferramentas empregados com um único objetivo: melhoria contínua.

Segundo ele, lean não consiste apenas em ferramentas e sim em “uma forma de ser”. Todos os executivos e funcionários são treinados nos seus pilares e são incentivados a eliminar desperdícios e inovar processos para otimizá-los, desde o chão de fábrica até as decisões de M&A.

Tão importante quanto ser uma filosofia bem sucedida é ter um executivo absolutamente comprometido com sua implantação em nível cultural, e que não hesite em fazer as mudanças necessárias para que isso ocorra, do chão de fábrica ao board – que teve o número de membros reduzido de 18 para 12 e só conta com cinco nomes da era pré-Culp.

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Foi a partir do lean que a Danaher conseguiu executar aquilo que vislumbramos para o futuro da GE: a montagem de um portfólio mais focado, com operações mais eficientes e negócios mais rentáveis.

Antes disso, no entanto, Culp precisou arrumar a casa. Essa primeira etapa consistia, majoritariamente, em controlar o nível de endividamento da empresa e dedicar tempo e recursos para lidar com seus segmentos mais problemáticos – GE Capital e Power – e sair de setores menos relevantes como locomotivas e água.

Para reduzir os problemas da GE Capital e das obrigações a descoberto dos fundos de pensão e a alavancagem da companhia, ele implementou uma série de medidas de corte de custos, incluindo o gradual encerramento da divisão GE Capital e a venda parcial no negócio do financiamento de aeronaves para a Aercap.

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Tudo isto sempre apoiado pelas ferramentas do lean, incluindo uma redução do número de funcionários de 283 mil para 174 mil.

Mas apenas isso não resolveria a questão, seria necessário vender ativos também. Em fevereiro de 2019, a GE vendeu seu negócio de BioPharma (parte da divisão de Healthcare) para a Danaher por US$ 21 bilhões em cash e US$ 400 milhões em pension liabilities.

Esse movimento foi uma verdadeira injeção de liquidez num momento crucial. Como ilustra o gráfico a seguir, a companhia segue no esforço de se desalavancar[1]:

Outra prioridade era resgatar o segmento de Power, que vinha enfrentando problemas desde a compra dos ativos da multinacional francesa Alstom por US$ 10,6 bilhões.

A intenção da aquisição foi expandir a presença global da GE no segmento. Mas, em retrospectiva, fica claro que a companhia pagou caro demais no acordo.

Segundo estudo do IEEFA (Institute for Energy Economics and Financial Analysis), o erro crucial foi não ter previsto a redução do custo de energia renovável que veio como consequência de uma transição energética que pegou a GE de surpresa e que, na prática, reduziu muito o valor dos ativos da Alstom.

No último trimestre de John Flannery no comando da empresa, a receita desse segmento caiu 19%, o lucro caiu 58% e as encomendas de novos equipamentos diminuíram 26%.

Além disso, nos dias finais de sua gestão, a GE anunciou que sofreria perdas por impairment de US$ 23 bilhões. Fontes próximas à empresa afirmam que essa quantia é majoritariamente relacionada aos ativos vindos da Alstom.

O resgate dessa divisão começou pela redução da mão-de-obra e se estendeu para os outros custos e o fim das perdas ocasionadas pela Alstom.

Hoje, o objetivo é alcançar a lucratividade da divisão, a despeito dos problemas acima relatados e ainda considerando menor demanda vista nos últimos anos. A solução não é simples nem rápida.

Sabemos, depois de acompanhar a gestão de Culp na Danaher, que o esforço de composição do portfólio é constante e sempre pautado na lucratividade das unidades.

Sabemos também que a execução e a integração bem feita das aquisições é parte fundamental da geração de valor para a companhia e seus acionistas.

Reconhecemos esse mérito na gestão de Culp durante seus 14 anos à frente da Danaher e atribuímos altíssimo valor às possibilidades que isso pode trazer para a GE.

Vale lembrar que, em 2020, a pandemia apresentou mais um problema para a empresa: a drástica redução de viagens aéreas impactou sua principal fonte de lucros e maior geradora de caixa, a GE Aviation.

Com a reabertura das fronteiras, a atividade de seus clientes parece estar sendo retomada e a expectativa é de que o caminho para normalização reajuste os resultados deste segmento.

Hoje, já é possível identificar os primeiros sinais mais evidentes do começo da segunda fase, que consiste nessa montagem de um portfólio mais focado e eficiente.

Em 23 de setembro deste ano, a GE anunciou a compra da BK Medical, uma empresa de visualização cirúrgica, por US$ 1,45 bilhão. A BK cresce a dois dígitos e tem sedes em Boston e Copenhagen.

Sua aquisição fortalece a GE Healthcare, que é hoje ainda muito concentrada em diagnósticos, e sinaliza uma expansão da oferta de equipamentos e serviços de intervenções cirúrgicas. Segmento com alto crescimento, alta rentabilidade e que agora contará com a expertise tecnológica e comercial da GE.

A divisão GE Healthcare gera aproximadamente US$ 17 bilhões em receita anual, excluindo a unidade de BioPharma vendida, com margem operacional por volta de 15%. Essa aquisição fortalece seu portfólio e aponta para a direção da nova GE. Do nosso ponto de vista, Culp está só começando.

[1] O “ajustado” no gráfico diz respeito à exclusão da dívida de GE Capital assumida por GE Industrial, de forma a evitar uma dupla contagem no consolidado.

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Roberto Vinhaes

Roberto Vinhaes é sócio da Nextep Investimentos. Engenheiro formado pela PUC-Rio, foi um dos fundadores da Investidor Profissional, a 1ª gestora independente de fundos do país

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Maria Antonia Viuge

Sócia e analista sênior da Nextep Investimentos. É economista formada pela UFRJ e pela Kingston University London