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Em entrevista recente, ao ser questionado sobre o alto preço das roupas da sua marca, o rapper Emicida afirmou: “Eu não vou vender uma camiseta a R$ 9,90 para colocar uma mulher ganhando um salário de miséria”, escancarando os princípios “ESG-raiz”.
Tirei a minha camiseta e olhei a etiqueta. Lá mostra o tamanho, o fato de ser 100% algodão e a procedência – no caso, feita no Brasil. No verso ainda aparecem algumas dicas para a lavagem, mas é só.
Ao adquirir um produto, é natural que o consumidor se atente aos seus atributos, qualidade e preço. Mas, até então, era pouco provável que o cliente questionasse como e em que condições o artigo foi fabricado.
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Vale lembrar, porém, que uma simples camiseta oculta toda uma história: quanto CO² emitiu em toda a cadeia, a quantidade de água e químicos que o processo de fabricação despejou no planeta, se o fabricante respeita a diversidade, o meio ambiente, os direitos humanos ou se recolhe corretamente seus impostos.
O consumidor está, pouco a pouco, ficando mais atento a essas questões. Muitas empresas têm feito um grande esforço em transmitir informações aos seus consumidores.
A gigante de bens de consumo Unilever, por exemplo, anunciou que incluirá uma etiqueta em seus mais de 70 mil produtos indicando a quantidade de gases de efeito estufa emitidos em sua fabricação. Não vai demorar até que outras companhias sigam a Unilever, bem como outras informações passarão a ser demandadas.
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Mas é importante nos atermos à importante fala do Emicida.
Para cada produto (ou setor) há questões críticas a serem endereçadas. Embora importante, no setor têxtil a emissão de CO² não é crítica, mas as condições da mão de obra, sim.
Durante décadas, a lógica econômica vigente era buscar a contínua redução de custos com vistas à melhoria da competitividade: quanto menor o custo, menor poderia ser o preço de venda e assim mais competitivo o produto seria em relação aos seus concorrentes.
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À primeira vista, nenhum problema com este raciocínio. Contudo, para atingir a meta da redução de custos, muitas companhias não se incomodavam em transgredir princípios em algumas esferas, especialmente a socioambiental.
No setor têxtil, por exemplo, não são raros os exemplos de empresas que se valem de mão de obra operando em situações de violação de direitos humanos, em trabalho análogo ao escravo, uso de mão de obra infantil ou mesmo supressão de direitos trabalhistas.
Parece pouco provável que grandes marcas se valham deste expediente. No entanto, muitas vezes, terceirizações ou quarteirizações impedem que as empresas tenham a exata visibilidade da situação.
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Parece-me óbvio concluir que cabe ao fabricante a responsabilidade sobre a auditoria em todo o processo, mas infelizmente, muitas delas até podem achar esta opacidade bastante conveniente.
A disseminação do ESG ampliou enormemente o olhar sobre questões socioambientais, mas também abriu uma enorme lacuna entre as empresas que “falam” e as que “fazem”: a isenção de responsabilidade tem se mostrado como um dos principais problemas dos praticantes do “ESG-Nutella”.
A inação é muitas vezes justificada por uma dificuldade fantasiosa. Tomando como exemplo nosso caso anterior, boa parte das empresas de confecção reconhece a importância de fazer auditoria na cadeia de suprimentos para tentar identificar fornecedores com violação aos direitos humanos, mas esconde-se atrás da alegação de ser complexo e oneroso. Assim, essas companhias pouco fazem além de reportes e compromissos teóricos e vagos.
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Andemos mais um passo.
Segundo o último censo (IBGE-2016), 55% da população brasileira é formada por pretos e pardos. Porém, quando olhamos a estratificação por raça nas empresas, notamos que, em nível executivo, apenas 5% são negros, segundo o Instituto Ethos.
Mas quando olhamos no espectro oposto, observamos que, entre os desempregados, 64% são negros. Terrível! Onde está a proporcionalidade? Cabe observar que esta estatística poderia ficar ainda pior se ela incluísse também a quebra por gênero: se a situação do negro é ruim, a da mulher preta é ainda pior.
A grande maioria das pessoas que conheço fica estarrecida ao ouvir estes dados. Mas apenas uma ínfima minoria faz algo para mudá-los.
Algumas vezes uso meu Twitter para fazer pesquisas sociais. É evidente que tais estudos não têm nenhum valor científico ou estatístico, mas me dão insights interessantes.
Há algumas semanas, questionei quem teria mais dificuldade de arrumar um emprego formal e coloquei como alternativas:
transexuais;
ex-detenta;
refugiado e
não me interessa
Deliberadamente não incluí alternativas para mulheres, negros, gays ou deficientes físicos – que provavelmente seriam as respostas naturais se a pergunta fosse aberta e não em múltipla escolha.
Mas o verdadeiro resultado da pesquisa foi outro: dezenas de mensagens “inbox” recebidas dizendo que a pesquisa havia sido um soco no estômago. Afinal, jamais sequer tinham parado para pensar nas dificuldades enfrentadas por este espectro da população. São os “invisíveis”.
Aí volto na dúvida anterior, indiretamente provocada pelo Emicida: de quem é a responsabilidade?
A maioria das companhias com quem converso tem empatia com as questões de diversidade e inclusão, mas alega, no caso dos negros, por exemplo, a ausência de mão de obra qualificada disponível, impossibilitando-as de seguir uma política inclusiva conforme gostariam.
Se, por um lado, temos que admitir que tal alegação seja legítima, por outro temos que reconhecer que, se nada for feito para mudar esta situação, ela certamente se agravará. O tempo é um enorme inimigo da redução da desigualdade.
Muitos empresários se indignam com a situação, atribuem a culpa ao Estado e jogam a ele a responsabilidade para a resolução da questão. Na prática, pouco fazem de concreto.
Se pararmos para pensar, tal racional é similar à situação daquela confecção exemplificada anteriormente que se isenta de responsabilidade sobre a auditoria nos fornecedores escondendo-se atrás das complexidades de realizá-la.
A situação é, então, um tanto paradoxal: muitos que se autointitulam como liberais defendem o “Estado mínimo”, mas atribuem ao Estado a responsabilidade pelas questões sociais.
Estamos em meio a uma nova era. Muitas empresas já entenderam que seus papéis transcendem o comércio de produtos e serviços, e faz-se necessário assumir a responsabilidade pelo lugar que ocupam.
Quantas companhias, por exemplo, já aderiram voluntariamente ao compromisso “net zero”, pelo qual se responsabilizarão pelas emissões de gases de efeito estufa?
A era das empresas com olhar social ficou para trás. Olhar já não é mais suficiente. É necessário ter atitude. Reportes, manifestos e palavras podiam funcionar há 20 anos. Não mais.
Empresas precisam assumir responsabilidades e agir. A estas, de fato cabe a qualificação de ESG-raiz.
Temos um problema social de enorme proporção. Mulheres não têm as mesmas oportunidades que homens. Pretos não têm as mesmas oportunidades que brancos. LGBTQIA+ não têm as mesmas oportunidades que héteros.
Transexuais não têm as mesmas oportunidades que pessoas cis. Refugiados não têm as mesmas oportunidades que brasileiros. Pessoas com deficiência física não têm as mesmas oportunidades que os que se movimentam, enxergam ou escutam bem.
Se pensarmos no longo prazo, pouco efetiva é uma política de cotas ou um “esforço” para promover a inclusão à fórceps.
A solução sustentável passa por investir pesadamente na educação dos “excluídos” e “invisíveis”, ao mesmo tempo em que são assumidos compromissos relevantes de longo prazo para a reversão da situação.
Do meu lugar de fala (homem, branco, hétero, financeiramente estável), seria cômodo demais apenas se indignar e seguir meu caminho. Da mesma forma, empresas genuinamente comprometidas com ESG deveriam sair do “mimimi” e partir para ação.
Nós, investidores, consumidores e cidadãos, estamos finalmente vigilantes.
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